A famosa advocacia predatória que tanto gera manchetes nos jornais jurídicos caracteriza-se pela prática de protocolo de ações genéricas, frequentemente fundamentadas em um ou vários documentos fraudulentos ou falsos, precedida pela captação ilegal de clientes com a posterior apresentação de fatos ao Poder Judiciário de forma distorcida da realidade, configurando o que chamamos de litigância de má-fé.
Vale deixar registrado inicialmente que o número de ações propostas, por si só, não pode servir de critério para classificar uma advocacia como predatória. Ora, há vários anos, no Direito, já lidamos com a chamada advocacia de massa, que, por sua natureza, movimenta milhares de processos com teses jurídicas legítimas, sem qualquer intenção de fraude ou distorção dos fatos, cito como exemplo os expurgos inflacionários, a revisão da vida toda, a revisão do FGTS, revisões de juros bancários fixados acima da média de mercado e outras mais. Portanto, a quantidade de ações patrocinadas pelo causídico jamais deve ser confundida com a qualidade ou ética da atuação e tampouco com a advocacia predatória.
Superada essa distinção, se faz imprescindível reconhecer os graves prejuízos advindos da indigesta advocacia predatória, que atinge não apenas a honra e a imagem da nossa classe de advogados, mas principalmente o bolso e a dignidade dos cidadãos vulneráveis ludibriados por esses advogados imbuídos de má conduta.
Ao lermos as principais manchetes jurídicas, notamos que é cada vez mais cotidiano nos depararmos com decisões judiciais condenando clientes desses advogados por litigância de má-fé, sob o fundamento de que os consumidores alteraram a verdade dos fatos – hipótese expressamente prevista no Código de Processo Civil (Art. 80, II) como geradora da penalidade. A consequência lógica é a imposição de uma multa processual.
Contudo, em que pese a previsão legal da multa, um detalhe alarmante é que essa multa não está abarcada pela justiça gratuita. Em outras palavras: Mesmo o cidadão beneficiário da gratuidade da justiça será obrigado a arcar com o valor da multa, independentemente de sua condição financeira, assim revelando a face mais cruel da advocacia predatória, conduta essa que penaliza justamente os mais pobres e vulneráveis.
Na prática, muitos desses constituintes sequer sabem que o constituído falseou os fatos. Há casos ainda mais graves: algumas vítimas não tinham ciência da existência do processo e muito menos conheciam o advogado que as representava.
Algumas matérias jornalísticas já trataram a respeito dessa realidade nefasta. O programa Fantástico, por exemplo, veiculou uma reportagem revelando casos concretos nos quais os clientes afirmaram, categoricamente, ter informado ao advogado que eram devedores de pequenas quantias e, portanto, foram inscritos corretamente em cadastros de inadimplentes, afinal deviam aos fornecedores. Ocorre que, mesmo cientes da regularidade da inscrição, alguns profissionais apresentaram petições no Poder Judiciário alegando que os devedores desconheciam os legítimos débitos, alterando dolosamente a realidade fática e contrariando as intenções do cidadão que contratou esses advogados.01
Por tudo isso, reafirmo: a advocacia predatória é, sem qualquer sombra de dúvidas, um doloroso golpe que vitimiza os cidadãos mais pobres e vulneráveis, comprometendo a credibilidade da advocacia como um todo, da Justiça e do próprio Direito.
Além do dano imediato, torna-se necessária a realização da seguinte crítica: A indigesta prática ora analisada cria uma legião de cidadãos traumatizados e descrentes da Justiça. Pessoas que, após serem enganadas, passam a temer novos profissionais e a evitar o Judiciário, mesmo quando seus direitos são violados. É um efeito perverso, que desestimula o acesso à Justiça e perpetua situações de injustiça.
É profundamente lamentável e deplorável ver essas vítimas, na maioria pessoas pobres, sem renda, sem bens e que mal tem o que comer, sendo condenadas a pagar multas que variam entre R$ 2 mil e R$ 9 mil, valores expressivos para cidadãos de baixa renda, alheios à fraude cometida em seu nome. Por isso não há dúvidas: A advocacia predatória é desumana.
Diante de todo o exposto, concluo que a advocacia predatória é mais um golpe travestido de legalidade, praticado por pessoas instruídas, que deveriam honrar o juramento feito no dia em que receberam sua carteira da OAB. Trata-se de uma chaga que precisa ser combatida, em nome da ética, da Justiça e da proteção do cidadão vulnerável.