Breves apontamentos sobre o pedido de autofalência de grupo econômico

06/05/2025 às 15:40

Resumo:


  • A autofalência é prevista no art. 105 da Lei 11.101/05 e permite que o empresário ou sociedade empresária solicite sua própria falência, retirando-se do mercado.

  • O empresário irregular também pode requerer a autofalência, não sendo exigido que o devedor esteja regular, devendo indicar todos os sócios e seus endereços.

  • A figura do empresário indireto, que empresta seu nome para figurar como representante da atividade econômica, também pode ser considerado falido, juntamente com o real beneficiário da atividade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Carlos Roberto Claro1

O presente ensaio se destina a apresentar alguns breves apontamentos sobre a autofalência, prevista no art. 105 da Lei 11.101/05. Sobreleva o aspecto que se reputa relevante no escrito: a possibilidade de ajuizamento da autofalência de grupo econômico2.

Algumas digressões são importantes.

Ressalte-se que o agente econômico [empresário ou sociedade empresária], com registro de seus atos constitutivos perante a Junta Comercial ou no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas - bem como o empresário rural registrado perante a primeira -, podem requerer a decretação de sua autofalência, retirando-se do mercado.

É de se destacar que a legitimação ativa também recai sobre o empresário irregular, ou seja, aquele que não possui contrato social ou estatuto [a lei não exige que o devedor esteja regular]. A interpretação lógico-sistemática do art. 105, inc. IV, da lei em comento é neste sentido, salvo engano.

Cabe, no caso de empresário irregular, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de bens pessoais.

Outro aspecto que merece rápida consideração é a figura do empresário indireto, aquele que nada tem a ver com a atividade, mas “empresta”, por assim dizer, o nome para figurar como representante. Pode ocorrer que o titular da atividade econômica coloca interposta pessoa para figurar como “titular” dos negócios, quando na verdade não o é.

Dito de outro modo, o real beneficiário da atividade econômica não aparece na documentação societária, por exemplo, e coloca alguém para figurar como “titular”. Em caso tal, quem se beneficia de tal atividade, inclusive quanto aos lucros gerados, também deve ser considerado falido, e não apenas aquele que “empresta” o nome. Este praticou atos regulares em nome da jurídica no mercado, contraiu obrigações, assinou contratos com fornecedores e assim por diante.

Deve ser juridicamente considerado falido, juntamente com aquele que de fato se beneficiou da atividade econômica, principalmente dos lucros gerados.

Tanto o empresário direto quanto o indireto serão considerados juridicamente falidos, para todos os fins. A questão posta, ressalte-se, não guardar qualquer relação com o sócio oculto de sociedade em conta de participação [Código Civil, arts. 991 e 994, §§2º e 3º].

Ao contrário do Decreto-Lei 7.661/45, a atual lei não estabelece o prazo de 30 (trinta) dias - a partir do vencimento de obrigação líquida - para o devedor confessar seu estado deficitário de caráter irreversível e ajuizar a ação de autofalência.

Não obstante conste o termo “deverá” requerer sua falência [caput do art. 105], a lei também não estabelece qualquer sanção se o devedor em crise patrimonial deixar de distribuir tal ação.

Em resumo, não obstante a lei se utilize do verbo “dever” (ou seja “deverá”, no futuro do indicativo, terceira pessoa do singular), o devedor não tem a obrigação de ajuizar a autofalência. A lei não prevê sanção se o não fizer no referido prazo. Trata-se de uma faculdade do devedor.

Mas, ao que se nos parece, aquele que exerce atividade econômica e se vê em irremediável crise patrimonial, deveria ajuizar a autofalência, demonstrando sua inequívoca boa-fé.

Há várias outras questões não menos importantes – tais como a dissolução irregular e seus efeitos jurídicos, que serão examinadas oportunamente.

O empresário ou sociedade empresária que não reúne os requisitos para ajuizar a ação recuperação judicial ou se valer da recuperação extrajudicial, bem como não dispõe de outras modalidades de acordo com seus credores (Lei 11.101/05, art. 167), deve[ria] requerer a autofalência, retirando-se do mercado.

Estando mergulhado em crise patrimonial de caráter irreversível - não havendo condições de manter a atividade econômica -, há de se retirar do mercado, visando a preservar este mesmo mercado em que atua, bem como o crédito público em última análise.

Conforme exposto, não há prazo para requerer a abertura da falência, e muito menos é imposta sanção em caso de omissão.

Detalhe importante: a autofalência significa confissão espontânea de que há crise patrimonial irreversível e instalada situação fática: insolvência.

A sentença de falência transforma a situação fática (insolvência) em situação jurídica. O jurista italiano Saverio Nisio pontua:

La sentenza dichiarativa, come vedemmo, contiene, oltre all’accertamento dello stato giuiridico fallimentare, - per quanto importa rilevare ai fini di questa dimostrazione, - anche il comando: a) che l’azienda finisca; b) che perciò si liquidi; c) che ciò avvenga al più presto onde far cessare l’offesa al credito; e un monito al commerciante dissestado3

Para fins da lei, falido é aquele agente econômico que está sob regime falimentar, com sentença judicial proferida. Escreve Saverio Nisio:

Intendiamo che inadempienza possa non essere insolvenza; ma, se l’esecuzione particolare suppone l’inadempienza particolare del credito per la cui sodrisfazione si agisce, l’esecuizone collettiva correlativamente pressuppone la moteplicità delle inadempienze, la quale, pur senza il concorso di altre circostanze e situazioni di fatto, constituisce l’insolvenza4

Para que o advogado possa ajuizar a ação de autofalência, que se traduz em confissão judicial espontânea do devedor, há de ter em mão instrumento de mandato com poderes específicos (CPC, art, 390, §1º). Há necessidade, portanto, de poderes especiais ao procurador judicial.

Aqueles sócios que administram a sociedade empresária e não concordaram de forma expressa com a autofalência, poderão se opor, devendo ser citados, por consequência.

O processo de falência é um instituto processual complexo, mas organicamente uno, com o objetivo de liquidar ativos e pagar credores, nas palavras de Saverio Nisio. O mesmo autor acentua que:

Il falimento è un istituto processuale complesso che si ritiene pacificamente diviso in tre fasi

[...]

Dunque, pur creandosi dallo Stato un istituto complesso ma organicamente uno all’obbietto della liquidazione dell’azienda previo l’accertamento delle pretese creditorie e la realizzazione dell’ativo, era sempre alla amministrazione della giustizia ed ai suoi mezzi che ne demandava l’espletamento5

A respeito do procedimento da ação de autofalência, há escritos por nós publicados.

Em tempos pós-modernos, de acentuada globalização econômica, com grandes transformações sociais, culturais etc., é bastante comum a existência de grupos econômicos, que atuam de forma coordenada no mercado, buscando a obtenção de resultados comuns e lucros.

Pode ocorrer que as entidades jurídicas que pertencem a tal grupo, por variados motivos, atravessem crise patrimonial irreversível, sendo o caso de abertura judicial da falência. A Lei 11.101/05, ao tratar da falência requerida pelo próprio devedor (art. 105), nada dispõe sobre autofalência de grupo econômico.

Inicialmente, o Código de Processo Civil trata do litisconsórcio a partir do art. 113. Em síntese, litisconsórcio significa pluralidade de partes, tanto no polo ativo [vários autores] quanto no polo passivo [vários réus] da relação jurídico-processual. A formação do litisconsórcio decorre da lei. O jurista Cândido Rangel Dinamarco explica:

No contexto da categoria mais ampla, representada pela pluralidade de partes, fácil é entender o litisconsórcio como a situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas do lado ativo ou do lado passivo da relação processual, ou em ambas as posições (independentemente de estarem reunidas no mesmo polo ou serem distintas as situações: v.n. ant.) 6

O jurista Sergio Sahione Fadel escreve:

Dá-se o litisconsórcio quando duas pessoas, como autores ou como réus, se unem, por determinação legal, por simples manifestação de vontade e identidade de questões, ou ainda por conexidade das respectivas pretensões, para, em conjunto, litigarem contra a parte adversa. O litisconsórcio e, pois, pluralidade subjetiva7

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No caso de pessoas jurídicas integrantes de grupo econômico que estão em crise patrimonial e é caso de ajuizar ação de autofalência, o foro competente será o do local do principal estabelecimento, onde são concentrados os atos de gestão do grupo econômico.

Em havendo convergência de entendimento de que caso é de se requerer a abertura judicial da falência de todas as pessoas jurídicas, o litisconsórcio será o unitário (CPC, art. 116).

Reunidos todos os requisitos elencados na lei de regência, estando apta a petição inicial, o magistrado decretará a falência das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico.

Em situação tal, a sentença será uniforme quanto a todos. Não há falar em possiblidade de cisão, ou seja, decretação de uma entidade e não decretação de outra. O destino de todas é o mesmo. A sentença será homogênea8. A regra do art. 116 do CPC é neste exato sentido.

Destaque-se que a autofalência de grupo econômico leva em conta os princípios da economia processual e da celeridade.

Considerando que a jurisprudência é no sentido de que possível a reunião de falências envolvendo pessoas jurídicas pertencentes a um grupo econômico, nada mais plausível que este mesmo grupo econômico ajuíze única ação de autofalência.

A propósito: Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, relator Ministro Humberto Martins, Conflito de Competência n. 183402 - MG, julg. 27.09.2023.


  1. Advogado em Direito Empresarial; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial; Parecerista e Pesquisador; Membro e Diretor Acadêmico da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-PR (gestão 2025-2027).

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. Acentua o jurista Rubens Requião, quanto aos grupos: São grupos de fato as sociedades que mantém, entre si, laços empresariais através da participação acionária, sem necessidade de se organizarem juridicamente. Relacionam-se segundo o regime legal das sociedades isoladas, sob a forma de coligadas, controladoras ou controladas, no sentido de não terem necessidade de maior estrutura organizacional.

    Já os grupos de direito, entretanto, importam numa convenção, formalizada no Registro do Comércio, tendo por objeto uma organização composta de companhias mas com disciplina própria, sendo reconhecidas pelo direito. São por isso grupos de direito. Curso de direito comercial. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 225.

  3. I lineamenti processuali del fallimento. Padova: Casa Editrice Dott. Antonio Milani Già Litotipo, 1931 - IX, p.142.

  4. Op. cit., p. 56.

  5. Op. cit., pp. 33-67.

  6. Litisconsórcio. 6ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 39.

  7. Código de Processo Civil Comentado. Arts. 1º a 199. Tomo I. 3ª edição. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1975, p. 120.

  8. Dinamarco, op. cit., p. 133.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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