Resumo : O presente artigo tem como objetivo analisar a capacidade institucional do Poder Judiciário brasileiro para lidar com o aumento exponencial de litígios decorrentes de catástrofes ambientais em massa, intensificadas pelo agravamento da emergência climática. A pesquisa parte da constatação de que eventos extremos como enchentes, deslizamentos e secas severas têm se tornado mais frequentes e impactantes, demandando respostas rápidas e eficazes do sistema de Justiça. A partir de revisão bibliográfica, análise de jurisprudência e estudo de relatórios técnicos, o estudo aponta os principais gargalos estruturais, normativos e operacionais do Judiciário. Conclui-se que, embora haja avanços na institucionalização da Justiça Ambiental, o sistema judicial ainda carece de preparo técnico, celeridade processual e integração com as políticas públicas socioambientais para lidar com o colapso ambiental iminente.
Palavras-chave: Justiça ambiental. Emergência climática. Judiciário. Catástrofes ambientais. Direito ambiental.
INTRODUÇÃO
A emergência climática deixou de ser uma previsão para se consolidar como uma realidade inquestionável. O aumento da frequência e intensidade de desastres ambientais em massa — como enchentes no Sul do Brasil, estiagens prolongadas na Amazônia e deslizamentos fatais em áreas urbanas — evidencia a fragilidade da infraestrutura estatal e a urgência de respostas articuladas entre os poderes.
Neste contexto, o Poder Judiciário passa a ser chamado não apenas a resolver conflitos pós-evento, mas também a exercer papel proativo na proteção de direitos fundamentais e na exigibilidade de políticas públicas ambientais. Surge, então, a indagação central deste estudo: o Judiciário brasileiro está preparado para lidar com a judicialização massiva das catástrofes ambientais agravadas pelas mudanças climáticas?
1. A emergência climática como problema jurídico
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os efeitos da mudança climática já são irreversíveis em muitos aspectos, com impactos desproporcionais sobre comunidades vulnerabilizadas. No campo jurídico, isso impõe desafios à aplicação dos princípios da precaução, prevenção, justiça intergeracional e função socioambiental do Estado.
A Justiça Ambiental é uma vertente crítica do Direito Ambiental que reconhece as desigualdades históricas e socioeconômicas no acesso aos bens ambientais e nos impactos dos danos ecológicos. Ela exige que o Judiciário atue com sensibilidade territorial, étnico-racial e de gênero, promovendo reparações integrais às populações afetadas por tragédias ambientais.
A judicialização dos conflitos climáticos está em expansão, conforme demonstram casos como o Mandado de Injunção Climático da Juventude Brasileira (ADPF 708) e ações civis públicas contra grandes empreendimentos. A atuação do STJ e STF vem ganhando destaque, mas ainda há carência de especialização técnica, produção de provas ambientais e mecanismos de litigância coletiva eficazes.
2. ANÁLISE DA CAPACIDADE JUDICIAL FRENTE ÀS CATÁSTROFES
Relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que apenas uma minoria dos tribunais brasileiros possui varas ou câmaras especializadas em matéria ambiental. Além disso, há carência de peritos ambientais e estrutura técnico-administrativa para lidar com demandas urgentes, o que compromete a efetividade das decisões judiciais em contextos de calamidade.
A lentidão da Justiça representa um obstáculo crítico. Em casos de catástrofes, a celeridade não é um luxo, mas uma exigência para salvar vidas, restabelecer direitos e garantir acesso a recursos emergenciais. A ausência de protocolos específicos para atuação em contextos de crise agrava a morosidade e amplia o sofrimento das populações atingidas.
Casos emblemáticos, como o desastre de Brumadinho (2019) e as enchentes no Rio Grande do Sul (2024), revelam que as decisões judiciais nem sempre conseguem impedir a repetição de danos semelhantes. Ainda predomina uma postura reativa, e não preventiva, no trato judicial das questões ambientais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O agravamento da emergência climática impõe uma reconfiguração urgente do papel do Judiciário na governança ambiental. Embora existam avanços institucionais — como a criação da Agenda 2030 no CNJ e a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) —, persistem deficiências que comprometem a resposta estatal diante de desastres em massa.
O sistema de Justiça precisa investir em formação continuada, ampliação de núcleos ambientais, construção de bancos de dados climáticos, fortalecimento da perícia técnica e maior articulação com os demais Poderes. O Judiciário brasileiro pode e deve atuar como garantidor da Justiça Climática, mas isso exige ruptura com a cultura de inércia institucional e maior comprometimento com a realidade socioambiental do país.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 708. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Brasília, DF, jul. 2022.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Relatório Justiça e Meio Ambiente. Brasília: CNJ, 2023. Disponível em: www.cnj.jus.br.
FERREIRA, Letícia. Justiça climática e o papel do Poder Judiciário. Revista Brasileira de Direito Ambiental, São Paulo, n. 112, p. 101–130, 2023.
IPCC. Climate Change 2023: Synthesis Report. Intergovernmental Panel on Climate Change. Genebra, 2023.
LIMA, Gustavo. Catástrofes ambientais e o sistema de Justiça: limites e possibilidades. In: SILVA, Tânia (Org.). Desastres ambientais e vulnerabilidade. São Paulo: Cortez, 2024.
SILVA, Érica. Judicialização climática e emergência ambiental no Brasil. Revista de Direito Público, v. 18, n. 2, 2024.
Abstract: This article aims to analyze the institutional capacity of the Brazilian Judiciary to handle the exponential increase in litigation arising from mass environmental disasters intensified by the worsening climate emergency. The research is based on the observation that extreme events such as floods, landslides, and severe droughts have become more frequent and impactful, demanding quick and effective responses from the justice system. Based on bibliographic review, jurisprudential analysis, and technical reports, the study identifies key structural, normative, and operational bottlenecks within the Judiciary. It concludes that, although progress has been made in institutionalizing Environmental Justice, the judicial system still lacks technical preparedness, procedural speed, and integration with public socio-environmental policies to address the imminent environmental collapse.
Key words: Environmental justice. Climate emergency. Judiciary. Environmental disasters. Environmental law.