Resumo: O presente artigo analisa a exclusão dos créditos detidos por cooperativas de crédito do âmbito da recuperação judicial, à luz da Lei nº 11.101/2005 e da Lei Complementar nº 130/2009. Embora o ordenamento jurídico brasileiro preveja expressamente tal exclusão, observa-se, na prática forense, uma resistência por parte do Poder Judiciário em aplicá-la de forma rigorosa, submetendo indevidamente os créditos dessas cooperativas aos efeitos da recuperação de seus devedores. Essa interpretação extensiva compromete o princípio da legalidade e a segurança jurídica do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, regulado pelo Banco Central. Em resposta a essa distorção, desenvolveu-se a tese da extraconcursalidade dos créditos cooperativos, defendendo que, mesmo nos casos em que a exclusão legal não é reconhecida, ao menos se preserve a natureza extraconcursal desses créditos. O artigo ainda aborda a importância da atuação estratégica das cooperativas, por meio de instrumentos processuais e sustentações orais, na consolidação da tese jurídica e na defesa da estabilidade do sistema cooperativo. Conclui-se que a correta aplicação da legislação é fundamental para preservar a função econômica e social desempenhada pelas cooperativas de crédito no Brasil.
Palavras-chave: Recuperação judicial. Cooperativa de crédito. Extraconcursalidade. Legalidade. Sistema cooperativo.
A Lei nº 11.101/2005, ao estabelecer o regime da recuperação judicial no ordenamento jurídico brasileiro, delimitou expressamente seu campo de aplicação. Em seu artigo 1º, caput e parágrafo único, prevê que estão excluídas da recuperação judicial as instituições financeiras, cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar, sociedades operadoras de planos de saúde e seguradoras.
Essa exclusão, no caso das cooperativas de crédito, não é meramente formal. Ela se ancora na própria natureza jurídica dessas entidades, nas diretrizes do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo e, sobretudo, na Lei Complementar nº 130/2009, que trata do funcionamento e da supervisão dessas instituições pelo Banco Central do Brasil.
Não obstante a clareza legislativa, o que se verifica na prática forense é uma preocupante resistência de parte do Judiciário em reconhecer essa limitação, o que tem levado muitas cooperativas de crédito a verem seus créditos indevidamente submetidos aos efeitos da recuperação judicial de seus devedores.
O problema jurídico: a vulneração da legalidade.
O ponto central da controvérsia reside na interpretação extensiva ou analógica que alguns magistrados atribuem à legislação falimentar. Em muitos casos, ignora-se a condição especial da cooperativa de crédito e a sua equiparação funcional a uma instituição financeira, decidindo-se pela sujeição indistinta de seus créditos aos efeitos da recuperação.
Essa postura, embora bem intencionada no intuito de garantir o soerguimento do devedor, viola diretamente o princípio da legalidade, bem como compromete a segurança jurídica do setor cooperativo, cuja atuação é altamente regulada e fiscalizada pelo Banco Central.
É preciso lembrar que os recursos administrados pelas cooperativas de crédito são, na maioria das vezes, provenientes da própria comunidade de cooperados, o que acentua a necessidade de sua proteção e da observância rigorosa das normas legais que lhes conferem tratamento específico.
A tese da extraconcursalidade dos créditos cooperativos.
Diante da omissão judicial em reconhecer a exclusão legal, desenvolveu-se a tese da extraconcursalidade dos créditos detidos pelas cooperativas de crédito, a qual defende que, mesmo quando o Poder Judiciário insiste em não reconhecer a natureza jurídica da cooperativa para fins de exclusão, ao menos deve-se resguardar o caráter extraconcursal desses créditos, impedindo que sejam reestruturados forçosamente.
Tal posicionamento encontra respaldo na jurisprudência mais técnica dos Tribunais Superiores, especialmente quando se observa que, na origem, a Lei Complementar nº 130/2009 não admite a submissão das cooperativas à recuperação judicial. E, se elas não podem recorrer a esse mecanismo como devedoras, não faz sentido lógico nem jurídico que seus créditos sejam atingidos por planos de recuperação alheios.
Atuação estratégica: entre impugnações, recursos e sustentações orais.
Diante desse cenário, a atuação estratégica das cooperativas tem sido fundamental para reverter decisões desfavoráveis e afirmar a força normativa da exclusão legal. A impugnação ao quadro geral de credores, os agravos de instrumento, os embargos de declaração e, principalmente, os recursos dirigidos aos Tribunais Regionais e Superiores têm sido ferramentas indispensáveis para consolidar a tese da não sujeição.
Além disso, a argumentação técnica oral — em sustentações perante os tribunais — tem se mostrado decisiva para esclarecer a peculiaridade do sistema cooperativo e os riscos sistêmicos que a sujeição indevida de seus créditos pode representar.
Conclusão
Ainda que a resistência do Judiciário à exclusão dos créditos de cooperativas de crédito na recuperação judicial seja real e, por vezes, reiterada, não se pode ignorar que a lei é clara e objetiva: cooperativas de crédito não se submetem à recuperação judicial, nem como devedoras, nem por via reflexa como credoras sujeitas ao plano.
O desafio, portanto, está em fazer valer a letra da lei e preservar a segurança jurídica do sistema cooperativo, especialmente em um momento em que o crédito regional e solidário cumpre papel fundamental no desenvolvimento econômico e social do país.
Referências
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 142, n. 30, p. 1-7, 10 fev. 2005.
BRASIL. Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 146, n. 73, p. 1, 20 abr. 2009.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Normas para o funcionamento das cooperativas de crédito. Disponível em: https://www.bcb.gov.br. Acesso em: 6 maio 2025.
Abstract: This article analyzes the exclusion of credits held by credit unions from judicial reorganization proceedings, in light of Law No. 11,101/2005 and Complementary Law No. 130/2009. Although Brazilian legislation expressly provides for such exclusion, judicial practice shows resistance from some courts in applying this provision strictly, improperly subjecting credit union claims to the effects of their debtors’ recovery plans. This broad interpretation violates the principle of legality and undermines legal certainty within the National Credit Cooperative System, regulated by the Central Bank. In response to this distortion, the thesis of the extraconcursality of cooperative credits has emerged, arguing that even if their exclusion is not recognized, at least their restructuring should be avoided. The article also highlights the strategic legal actions undertaken by cooperatives—through procedural challenges, appeals, and oral arguments—to reaffirm the legal validity of this exclusion and protect the stability of the cooperative financial system. It concludes that proper enforcement of the law is essential to preserve the economic and social role played by credit unions in Brazil.
Keywords: Judicial reorganization. Credit union. Extraconcursality. Legality. Cooperative system.