Quando a Carroça Chora: O Grito Silenciado dos Inocentes

27/05/2025 às 12:51
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Art. 1º: Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Art. 7º: Todo animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, à alimentação reparadora e ao repouso.(Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978).

RESUMO

O presente artigo propõe uma reflexão jurídico-humanitária sobre a urgência de abolir o uso de tração animal como prática degradante, cruel e anacrônica em pleno século XXI. À luz da Constituição Federal, da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclama-se a necessidade de um novo pacto social e ético que proteja a fauna e promova a dignidade do trabalhador, substituindo os veículos de tração animal por alternativas motorizadas, sem ferir o princípio da dignidade humana. O texto conjuga fundamentos jurídicos com princípios morais, e propõe políticas públicas que conciliem justiça social e proteção animal, fomentando uma nova consciência coletiva sobre o respeito à vida em todas as suas formas.

Palavras-chave: Maus-tratos, tração animal, dignidade, proteção animal, direitos dos animais, substituição motorizada, meio ambiente.

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea vive imersa em avanços científicos e tecnológicos que revolucionam diariamente a vida humana. Ainda assim, persistem práticas medievais que envergonham a racionalidade civilizatória. Dentre elas, o uso da carroça como meio de transporte baseado na tração animal representa não apenas um anacronismo, mas uma verdadeira afronta aos direitos dos animais.

Desde 1978, com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais pela UNESCO, reconhece-se que os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. É dever do ser humano utilizar seus conhecimentos para proteger e cuidar dos animais, jamais submetê-los a maus-tratos ou a jornadas exaustivas. No entanto, o que se vê em muitas cidades brasileiras é o sofrimento diário de cavalos e outros animais de tração submetidos à exploração desumana, feridos, famintos e sem qualquer dignidade.

Trata-se de uma chaga ética e jurídica que precisa ser extirpada por meio de políticas públicas que promovam a substituição da tração animal por mecanismos motorizados, sem que isso implique na exclusão social dos trabalhadores que ainda dependem desse instrumento para o sustento familiar. O equilíbrio entre o respeito à fauna e à dignidade humana é o eixo deste debate necessário.

FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A proteção aos animais possui amparo jurídico sólido e multifacetado no ordenamento nacional e internacional:

• Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978):

• Art. 1º: Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

• Art. 2º: Todo animal tem o direito a ser respeitado.

• Art. 7º: Todo animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, à alimentação reparadora e ao repouso.

• Art. 10º: Nenhum animal deve ser explorado para divertimento do homem.

• Constituição Federal de 1988 (art. 225, §1º, VII):

Impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de proteger a fauna, vedando práticas que submetam os animais à crueldade.0

• Lei Federal nº 9.605, de 1998 – Lei de Crimes Ambientais:

• Art. 32: Configura como crime praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais.

• § 1º-A (Lei 14.064/2020): Quando se tratar de cão ou gato, a pena será de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa e proibição de guarda.

• A pena é aumentada se houver morte do animal.

Esses dispositivos formam um escudo jurídico que clama pela responsabilização daqueles que insistem em subjugar animais ao sofrimento físico e psicológico.

DO SOFRIMENTO À JUSTIÇA: A TRAÇÃO ANIMAL COMO HERANÇA DE CRUELDADE E OS NOVOS MARCOS DA CIVILIZAÇÃO JURÍDICA

Em um tempo em que a consciência ética se ergue como pilar de uma sociedade verdadeiramente justa, não se pode mais admitir que animais — seres sencientes, dotados de dor e emoções — sejam explorados sob o peso da ignorância e da indiferença. A utilização de veículos movidos por tração animal, prática arraigada no passado, hoje desafia a lógica da civilização e fere os princípios da dignidade, tanto humana quanto animal.

Vários projetos de lei, tanto em parlamentos estaduais quanto municipais, avançam no sentido de enfrentar essa chaga moral com coragem e lucidez normativa. Em Belo Horizonte, por exemplo, destaca-se a Lei nº 11.532, de 28 de junho de 2023, que fortalece os canais de “Disque-Denúncia de Maus-Tratos aos Animais”. A norma cria mecanismos efetivos para o recebimento de denúncias envolvendo abusos, mutilações ou condutas cruéis contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, sejam nativos ou exóticos. Trata-se de um passo importante rumo à responsabilização e ao resgate da empatia coletiva.

Ainda na capital mineira, a Lei nº 11.611, de 27 de novembro de 2023, deu nova redação ao artigo 4º da Lei nº 11.285/21, instituindo o Programa de Substituição Gradativa dos Veículos de Tração Animal, com previsão expressa de proibição definitiva desse tipo de transporte a partir de 22 de janeiro de 2026. A lei não criminaliza o trabalhador, mas promove sua dignidade, propondo alternativas de renda e inserção produtiva sem sacrifício de inocentes animais.

No plano federal, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 176, de 2023, cujo escopo é o mais arrojado já registrado: proibir a utilização de veículos movidos à tração animal e criminalizar sua exploração, por meio da alteração da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 — a Lei de Crimes Ambientais.

Conforme o texto proposto, o artigo 32-A da nova redação estabelece:

“Conduzir ou utilizar, de qualquer modo, veículos movidos à tração animal e a condução de animais com cargas: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

§ 1° Se resultar em ofensa à integridade física ou psicológica do animal: pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa e perdimento do veículo e do animal.

§ 2° Se houver a morte do animal: pena de reclusão de 3 a 8 anos, além de multa e perdimento do veículo e do animal.

Além disso, o artigo 32-B tipifica como crime a utilização de animais em circos, malabarismos e espetáculos públicos ou digitais, prevendo pena de reclusão de 2 a 5 anos, aumentada caso haja lesão ou morte do animal.

Esse avanço legislativo representa mais que simples endurecimento penal: é a elevação do patamar civilizatório da nação brasileira. Substituir a tração animal por meios motorizados não é um atentado contra o trabalhador, mas uma chance de o libertar do atraso e da dependência de práticas anacrônicas. O foco da política pública deve ser a valorização humana sem crueldade animal — como uma mão que se estende para o trabalhador sem esvaziar de dignidade o animal que sangra em silêncio pelas ruas.

PROPOSTAS DE HUMANIZAÇÃO E PREVALÊNCIA DO TRABALHO

A abolição da tração animal não pode ser compreendida como uma exclusão do trabalhador, mas como uma oportunidade de evolução social com justiça. A proposta é promover:

1. Programas de substituição gradual da tração animal por veículos motorizados sustentáveis, subsidiados por políticas públicas, incentivos fiscais e parcerias com o setor privado.

2. Capacitação e inclusão social dos carroceiros, com cursos de mecânica básica, direção de veículos de pequeno porte e empreendedorismo ambiental.

3. Acompanhamento social das famílias que dependem dessa atividade, assegurando renda mínima durante o processo de transição e apoio psicológico.

4. Criação de Centros de Reabilitação Animal com apoio do poder público e organizações não-governamentais, voltados ao cuidado e readaptação dos animais resgatados do trabalho forçado.

Assim, promove-se uma política pública equilibrada, onde a dignidade do homem é preservada e a vida animal é respeitada, sem o sacrifício de nenhuma dessas esferas.

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CONCLUSÃO

Enquanto as rodas da carroça rangerem sob o peso da exploração e o suor do cavalo se misturar ao sangue derramado no asfalto quente, estaremos distantes da civilização plena. Não é possível falar em progresso com patas feridas, nem em dignidade com olhos de animais cheios de medo.

A abolição da tração animal é um passo civilizatório. É a substituição do chicote pela consciência, da corda pela compaixão, da tortura pela tecnologia. É hora de transformarmos a dor em política pública, o sofrimento em proteção, e o atraso em justiça. Só assim daremos aos animais o direito à vida digna e aos trabalhadores a oportunidade de avançar com os tempos — de cabeça erguida e sem a necessidade de explorar um ser vivo para sobreviver.

Que o grito silencioso dos animais encontre eco em nossos corações e se traduza em ação, para que um dia, ao olharmos para trás, nos orgulhemos de termos sido parte da geração que transformou a carroça da tortura em veículo de justiça.

É chegada a hora de silenciar o choro dos que nunca puderam clamar por socorro. É hora de ouvir o relincho que ecoa das vielas, não como ruído, mas como clamor por justiça. Cada pata ferida, cada olhar exausto, cada dor sem voz nos cobra humanidade.

A substituição da tração animal por alternativas motorizadas não é apenas uma medida legal; é um grito da consciência, um gesto de respeito, um novo pacto com a compaixão.

Quando a lei se curva à ética, a civilização avança. E onde há justiça para os mais vulneráveis — inclusive os animais —, há esperança de que o mundo ainda pode ser um lugar habitável, digno, e mais justo para todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELO HORIZONTE. Lei nº 11.532, de 28 de junho de 2023 – Município de Belo Horizonte

BELO HORIZONTE. Lei nº 11.611, de 27 de novembro de 2023 – Município de Belo Horizonte

BELO HORIZONTE. Lei nº 11.285/2021 – Programa de Substituição Gradativa de Veículos de Tração Animal

BOTELHO, Jeferson. A Carroça como Instrumento de Tortura [Texto original].

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 225.

BRASIL. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

BRASIL. Lei Federal nº 14.064, de 29 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 9.605/98 para aumentar a pena para maus-tratos contra cães e gatos.

BRASIL. Projeto de Lei nº 176, de 2023 – Congresso Nacional

BRASIL. O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT. Acesso em 27 de maio de 2025;

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. Proclamada pela UNESCO em Bruxelas, 27 de janeiro de 1978.

UNESCO. Universal Declaration of Animal Rights, 1978

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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