Nem tudo que parece é!

Leia nesta página:

A fraude no INSS gerou milhares de ações judiciais por danos. O STJ entende que nem toda ação repetida configura litigância predatória.

O escândalo recente envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), exposto pela Operação “Sem Desconto” deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, revelou um esquema bilionário de descontos indevidos em benefícios previdenciários, protagonizado por associações fraudulentas e servidores públicos coniventes. O caso, embora retrate uma clara lesão a direitos fundamentais de milhares de aposentados e pensionistas, gerou um fenômeno secundário com importantes implicações jurídicas.

O que anteriormente poderia ter sido enquadrado como possível litigância predatória pode, na realidade atual, esconder demandas absolutamente legítimas.

A corrida à justiça por parte de segurados prejudicados pela fraude no INSS foi, em muitos casos, retratada como movimento orquestrado por escritórios de advocacia de forma temerária. Contudo, os fatos apurados demonstram que grande parte dessas demandas decorre de danos concretos e generalizados, o que caracteriza não o abuso do direito de ação, mas seu exercício legítimo por cidadãos vulneráveis em busca de reparação.

Órgãos do Judiciário de diversos estados brasileiros, num primeiro momento, em razão do aumento substancial de processos, editaram resoluções e recomendações aos juízes e tribunais para atuarem no combate à litigância abusiva.

Uma das últimas respostas judiciais veio por meio do julgamento do Tema Repetitivo 1198 do STJ, que fixou orientação vinculante sobre a possibilidade de o juiz exigir, em determinadas situações, a emenda da petição inicial para comprovação mínima do interesse de agir. A Corte Especial deixou claro que a mera repetição de ações em massa não configura, por si só, litigância predatória, reconhecendo que demandas coletivas podem derivar de lesões reais e necessitam de tratamento cuidadoso e fundamentado.

Nesse contexto, buscou-se uma postura equilibrada. De um lado, é essencial coibir a utilização do processo para finalidades escusas, com petições genéricas, provas forjadas ou captação indevida de clientela. Por outro, não se pode negar o direito de ação a quem, de fato, teve seus direitos violados. A distinção entre litigância de massa legítima e litigância predatória não é apenas semântica, mas crucial para a efetiva entrega da tutela jurisdicional.

O escândalo do INSS, portanto, é paradigmático ao revelar que a fronteira entre o abuso e a legitimidade processual é, muitas vezes, tênue. A estruturação de respostas institucionais como as diretrizes do CNJ e os precedentes do STJ são avanços importantes, mas precisam ser aplicadas com sensibilidade e discernimento. É preciso ver além da superfície: nem tudo que parece predatório é de fato abusivo. E, sobretudo, reconhecer que o processo é instrumento de justiça, não um fim em si mesmo.

Como ensina a própria história, muitas transformações jurídicas surgem de grandes escândalos. Talvez este seja o momento de aperfeiçoar os filtros do Judiciário sem obscurecer seu dever maior: garantir que toda demanda legítima tenha vez e voz. Porque, afinal, nem tudo que parece é.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Inês Cristina Alencar de Albuquerque Barbosa

Mestra em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará. Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Processual, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos