Os idosos e a defesa da democracia

07/06/2025 às 20:29
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Dois textos controversos sobre democracia vieram a público recentemente.

Um deles, em tom alarmista, apontou que o ano eleitoral de 2024 fortaleceu o autoritarismo no mundo. Tal assertiva fundamentou-se em várias ocorrências. O escrutínio do Parlamento Europeu manteve no poder o grupo de direita liderado pela alemã Ursula Von Der Leyen. A consolidada democracia francesa sofreu um solavanco com a antecipação da eleição legislativa. A morte do governante iraniano exigiu a realização de votação apressada. Graves crises provocaram novos pleitos para este ano na Alemanha e Coreia do Sul. Romênia e Geórgia tem eleições sob suspeita de interferência de Vladimir Putin. Este autocrático dirigente da Rússia valeu-se da chancela eleitoral com a oposição silenciada para continuar no poder. O líder do ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria, Herbert Kickl recebeu a incumbência de formar um governo de coalizão. A eleição na Ucrânia não se concretizou porque se encontra norteada por lei marcial. Maduro na Venezuela não teve sua vitória confirmada pela ausência das atas eleitorais. O sucesso de Donald Trump consolidou a força da direita radical estadunidense.

O outro acusa que desde o início do século passado até os dias atuais quase cinquenta por cento dos casos de passagem para a autocracia foram revertidos. Nos últimos trinta anos essa porcentagem atingiu a casa dos setenta por cento. Indicou ainda que mais de noventa por cento dessas reversões levaram a regimes com qualidade igual ou superior aos vigentes antes do estabelecimento autocrático. O fato de mais de setenta países, nos quais reside mais da metade da população do planeta, terem realizados pleitos nacionais sinaliza que os rumores sobre o ocaso da democracia parecem exagerados. Em 2023 apenas dezenove por cento dos países eram autocracias enquanto as democracias liberais somaram cinquenta e um por cento.

Esse movimento oscilatório da democracia em termos de avanços e recuos existe desde há muito tempo e a mostra claramente como um regime político bastante frágil e vulnerável, que necessita de muitos cuidados e proteção. Entretanto é preciso ressaltar que ela os merece porque se apresenta como a melhor forma de governo. Com efeito, a democracia ao estimular a participação promove o senso de pertencimento e a responsabilidade cívica. Garante o respeito e a proteção aos direitos humanos e às liberdades individuais. As eleições regulares permitem a troca dos governantes e dos programas de governo por eles adotados. Reconhece e valoriza a diversidade da população tornando possível o estabelecimento de políticas mais inclusivas e representativas. A liberdade de expressão e a discussão de ideias pode produzir soluções mais eficazes para problemas sociais e econômicos. Por ser baseada no Estado de Direito assegura que ninguém esteja acima da lei.

Outrossim, é muito importante apontar os múltiplos perigos que cercam o regime democrático na atualidade. A propagação de fake news e desinformação, especialmente através das redes sociais, pode distorcer a percepção pública e influenciar decisões eleitorais, minando a confiança nas instituições democráticas. A crescente polarização entre diferentes grupos políticos pode criar um ambiente de hostilidade e intolerância, dificultando o diálogo e a colaboração necessários ao funcionamento saudável da democracia. O eventual enfraquecimento de suas instituições decorrente da existência de baixos índices de confiança popular inclina-se a relativizar o apoio à sua perenidade. A interferência de países estrangeiros nos processos eleitorais, por meio de desinformação, financiamento de campanhas e ataques cibernéticos ameaça significativamente a soberania e a integridade das democracias. O paulatino aumento da desigualdade social e econômica incita o surgimento da atitude de desconfiança nas instituições democráticas já que muitas pessoas se sentem excluídas das decisões que afetam suas vidas. A crise climática e as emergências globais podem gerar tensões sociais e políticas desestabilizadoras de governos democráticos. Ressalte-se que não é incomum encontrar uma elevada quantidade de pessoas dispostas a apoiar a instauração de uma ditadura por insatisfação com a qualidade da democracia.

Existem outros perigos tão ou mais graves que estes. Um deles relaciona-se com a instalação de governos iliberais. Exemplo típico manifesta-se na Hungria. A partir de 2010 o partido de Viktor Orbán obteve vitória esmagadora no parlamento e ele foi nomeado primeiro ministro. Em um ato de traição à democracia mudou as regras do jogo eleitoral para favorecer seu partido, interferiu no Tribunal Constitucional passando o número de integrantes de oito para quinze, concedeu a si o poder de nomear e exonerar livremente os juízes, instituiu leis repressivas e multas elevadas contra a mídia e a imprensa em casos considerados inadequados ao governo.

As tentativas de golpe de Estado constituem grandes perigos. No Brasil, em 2023, Jair Bolsonaro, perdedor das eleições presidenciais, porém decidido a permanecer no poder articulou uma trama, com a ajuda de militares da reserva e de um segmento da ativa para impedir a posse de seu oponente ganhador do pleito. Constava do plano a prisão de integrantes do Poder Judiciário, o fechamento do Congresso Nacional e o assassinato do vitorioso e seu vice. Felizmente, a elevada incompetência dos participantes da conspiração impediu que o golpe acontecesse.

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Tem-se ainda os golpes bem sucedidos de tipologia dupla. Um deles refere-se ao golpe moderno onde ocorre a destituição ilegal do governante pelos fardados através da retirada expedita dele do poder e colocação de militar para o exercício da gestão do Estado, de forma ditatorial e com a permanência de vários anos. Foi o caso do Chile em 1973 com o fim do governo de Salvador Allende democraticamente eleito pelos chilenos e trocado pelo general Augusto Pinochet. O outro diz respeito ao golpe pós-moderno que se caracteriza pela presença de salientes pressões exercidas pelos militares com vista a fazer com que o governante visado abdique de seu cargo. Seu lugar é ocupado por um político civil que segue dirigindo o país de acordo com as normas democráticas. É ilustrativo o caso da Turquia em 1997 contra o primeiro ministro Necmettin Erbakan que foi substituído pelo líder do Partido da Pátria Mesut Ylmaz.


A defesa da atacável e frágil democracia tem que ser feita pelos denominados cidadãos ativos, ou seja, por pessoas que frequentemente se encontram no espaço cívico da esfera pública, tais como ruas, praças e redes sociais. É o setor da vida em sociedade acessível a todas as pessoas, onde predomina o interesse geral e a visibilidade e a transparência são ampliadas ao máximo. Nela valem o diálogo, a comunicação, o discurso, a argumentação e a meritória ação conjunta que pode se voltar para os objetivos de influenciar decisões políticas, garantir direitos conquistados, obter benefícios coletivos, principalmente para os setores desprivilegiados, e empreender esforços para governar os governantes.

Embora esse agrupamento de cidadãos ativos seja constituído por uma multiplicidade de tipos de pessoas, nele deve ser realçado o agregado dos idosos, pois os mesmos acrescentam uma inequívoca relevância ao conjunto. Veja-se os argumentos justificadores. Os longevos possuem uma vasta experiência de vida e conhecimento acumulado ao longo dos anos, o que é fundamental para a tomada de decisões mais informadas e equilibradas. A presença deles torna o grupo mais plural e inclusivo. Ao lutarem pela concretização de seus interesses e necessidades conseguem estender os benefícios à sociedade como um todo. Servem de inspiração para a geração dos mais jovens, pois se mostram como exemplos a serem seguidos.

A essa totalidade de respeitáveis justificativas é preciso juntar o desempenho dos macróbios no âmbito da sociedade. Inúmeras ocorrências atestam o indiscutível e valioso dinamismo dos idosos. Nos Estados Unidos, organizações de longevos reivindicam assistência médica e segurança social. No Reino ocorrem petições sobre cuidados a longo prazo e aposentadorias. Na França se mobilizam para conquistar benefícios sociais. Na Alemanha pedem proteção contra a pobreza na velhice. Na Espanha estão exigindo melhores condições de vida. Na Grécia protestam contra medidas de austeridade que afetam pensões e serviços de saúde. Na Itália saem às ruas para esbravejar contra a corrupção em diferentes níveis de governo. Em Hong Kong manifestam-se contra a corrupção e a má governança.

Suas ações na Itália e Hong Kong já podem ser vistas como condutas de defesa da democracia. Além delas cabe relacionar algumas outras que se seguem. Divulgar informações e comentários sobre candidatos e suas propostas. Atuar em reuniões comunitárias, audiências públicas e fóruns de discussão relacionadas a questões locais. Organizar e participar de movimentos e campanhas que defendam causas sociais, direitos humanos e políticas públicas justas. Apoiar Organizações Não Governamentais que combatem a corrupção e lutam pela transparência. Utilizar plataformas digitais para disseminar notícias, debater ideias e mobilizar pessoas a favor de causas democráticas. Incentivar a educação política nas escolas e grupos comunitários para formar cidadãos críticos e informados. Promover a inclusão e o respeito a todas as vozes da sociedade, independentemente de etnia, gênero, religião e orientação sexual. Reagir prontamente contra qualquer medida ou conduta que ofenda os princípios democráticos. Acompanhar e cobrar ações de representantes eleitos, denunciando abusos de poder, corrupção, nepotismo e outros comportamentos execráveis.

Talvez, uma das mais importantes iniciativas que os grupos de idosos devam tomar se refere à uma mobilização voltada ao estabelecimento e à expansão da democracia social, isto é, o fomento da gestão participativa em todas as instituições e organizações da coletividade, tais como escolas, empresas, hospitais e quartéis. A instauração e o alargamento da democracia social é a medida mais adequada para se evitar o definhamento do Estado democrático, haja vista que ele não pode florescer e perenizar no interior de uma sociedade onde a maioria das suas entidades não são dirigidas de modo democrático. Infere-se, portanto, que o empenho a favor da democracia social pode ser considerado como um ato bastante significativo dos menos jovens na campanha de defesa do regime democrático.

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Sobre o autor
Antônio Carlos Will Ludwig

Professor Aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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