Resumo: O trabalho analisa como o princípio republicano, especialmente a temporalidade dos cargos de chefia, pode funcionar como ferramenta de prevenção ao assédio moral na Administração Pública. Defende-se que a permanência prolongada em funções de comando favorece práticas autoritárias e clientelistas, e que a alternância fortalece a impessoalidade, o mérito e a proteção ao meio ambiente de trabalho. O estudo também reafirma a competência da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para atuar em casos de assédio moral, inclusive no serviço público.
Palavras-chave: Direito do trabalho, meio ambiente do trabalho, discriminação no trabalho, assédio moral, princípio republicano.
INTRODUÇÃO
Na série “A Grande Família” - sucesso do audiovisual brasileiro, exibida na Tv Globo entre os anos de 2001 e 2014 - Lineu Silva (Marco Nanini) é funcionário público federal da fiscalização sanitária, tendo como chefe Mendonça (Tonico Pereira).
Mendonça é um fanfarrão: bebe no serviço, porta-se com segundas intenções com as mulheres no trabalho (temporada 10, episódio 27), mantém um caso com a funcionária Marlene em troca de uma gratificação prometida a Lineu (temporada 6, episódio 14), emprega o irmão de Lineu para influenciar a promoção de uma funcionária (temporada 5, episódio 14), picha o banheiro da repartição com palavras ofensivas (temporada 6, episódio 34).
A chefia de Mendonça parece remontar a tempos imemoriais. Desde sempre ele é chefe, apesar de toda falta de profissionalismo permanece como chefe e parece ser impossível tirá-lo de qualquer função de confiança, sendo inclusive promovido aos mais altos cargos na administração pública (temporada 7, episódio 19).
A permanência sem prazo na função de chefia, com o exercício diário do micropoder gerencial, garante a solidez mínima para o volátil Mendonça colocar as asinhas de fora e ir tomando conta da coisa pública (res pública) com doses de coronelismo carnavalesco, que não distingue os limites da vida privada, ocupando assiduamente a vida dos seus subordinados, com um canto que sempre pede, em voz mansa - “Lineuzinho, Lineuzinho” - as mais diferentes atrocidades.
Se assédio deriva do latim "assideo" (ad-sedeo), que significa "estar junto de", "acampar", "sitiar", "ocupar-se assiduamente", o caso Mendonça serve para introduzir, de uma maneira mais leve e engraçada, a séria relação que existe entre o assédio, em seu sentido lato, na Administração Pública e a extensão indefinida das funções de chefia e direção, de modo que as mesmas pessoas de sempre continuamente ocupam o mesmo espaço em um tempo indefinido, até poderem reivindicá-lo e moldá-lo como seu.
Dessa maneira, como metodologia, o presente trabalho, para demonstrar a grande relação familiar entre democracia, temporalidade dos mandatos, organização do meio ambiente de trabalho e coibição do assédio moral na administração pública, percorre um itinerário composto de três partes.
A primeira define o assédio moral, apresentando sua normativa, características e peculiaridades em relação ao assédio moral na Administração Pública.
A segunda salienta a competência da Justiça do Trabalho no meio ambiente do trabalho e assédio, inclusive nos casos envolvendo a Administração Pública.
A terceira parte compõem-se pela explicação do princípio republicano como forma de garantir a temporalidade dos mandatos e a garantia ao meio ambiente do trabalho salubre.
2. O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DO TRABALHO
É clássica a definição de assédio moral pela psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen como “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho1”.
Em que pese decretos e normas estaduais e municipais2, a única definição de assédio moral na legislação federal encontra-se na recente Lei 14.612, de 3 de julho de 2023, que alterou o Estatuto da Advocacia, para incluir o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil. Assim é a definição legal:
assédio moral: a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional;
A técnica não é a melhor. A ideia de “repetição” já foi superada pela Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho, convenção esta já ratificada em mais de trinta países, entre eles Argentina, México e Uruguai. A Convenção nº 190 define:
Art. 1º . 1 (a) o termo "violência e assédio" no mundo do trabalho refere-se a um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico, e inclui a violência e o assédio com base no gênero; [ grifos nossos ]
Ainda que não ratificada pelo país, o próprio Tribunal Superior do Trabalho vem aplicando suas diretrizes – por exemplo:
Assim, inobstante a Convenção 190 ainda não tenha ingressado na ordem jurídica interna brasileira, há que se ponderar que as diretrizes constantes desse diploma devem ser promovidas e respeitadas, como um direito fundamental de todos os trabalhadores e trabalhadoras a um meio ambiente do trabalho livre de violência e assédio com base no gênero (TST, RRAg-11608-79.2016.5.15.0102, relator Maurício Godinho Delgado, 28 de maio de 2024, trechos da ementa, grifos nossos)
Nessa perspectiva, entes federativos vêm adequando o conceito de assédio moral, não incorporando a necessidade de repetição ou reiteração, como é o caso do recente Decreto nº 46.174, de 2024, que “Institui a Política de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual no âmbito da administração direta e indireta do Distrito Federal”, do Governo do Distrito Federal, o qual, além de definir assédio moral, expõe uma classificação desse tipo de comportamento:
Art. 2º Para os fins deste Decreto, consideram-se:
I - assédio moral: violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, independentemente de intencionalidade, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho, podendo se caracterizar pela exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamação ou situações humilhantes e constrangedoras suscetíveis de causar sofrimento, dano físico ou psicológico, podendo ser:
a) vertical descendente: praticado por pessoa em nível hierárquico superior;
b) vertical ascendente: praticado por pessoa em posição hierárquica inferior;
c) horizontal: praticado entre pessoas de mesma hierarquia;
d) misto: praticado, de forma coordenada, por superiores hierárquicos e por colegas de trabalho.
Apesar da possibilidade de a conduta unissubsistente configurar como conduta assediadora, na prática, o assédio moral ocorre de modo sutil, sem agressões exageradas ou embates diretos. O assediador, normalmente investido em função de comando, dispõe de tempo, influência e controle institucional para manipular o ambiente de trabalho conforme seus interesses pessoais. Esse espaço, formalmente público, é progressivamente privatizado em torno da figura do chefe, que seleciona, tolera ou exclui condutas, ideias e pessoas de acordo com sua conveniência. De Lineu a Lineuzinho, a diminuição do servidor é construída lentamente, por meio de comportamentos que, isoladamente, podem parecer inofensivos, mas que, no conjunto, configuram um processo de desgaste intencional: ligações insistentes fora do expediente, vigilância contínua, “exposições constrangedoras de resultados, premiações negativas, ameaças e cobranças exageradas”3, apelidos depreciativos travestidos de brincadeira, comentários invasivos sobre a vida pessoal dos subordinados e até mesmo isolamento sistemático de quem não adere ao grupo
No serviço público, o assédio moral apresenta ainda uma peculiaridade. Ao contrário da iniciativa privada, onde o medo da demissão exerce função disciplinadora, a estabilidade funcional não protege o servidor contra o assédio — ao contrário, pode convertê-lo em alvo recorrente. A chefia, consciente da impossibilidade de desligamento direto, adota estratégias mais sutis e persistentes de exclusão, tornando o ambiente insustentável ao ponto de levar o servidor a pedir exoneração, licenças sucessivas ou adoecer psiquicamente. A estabilidade, que deveria garantir autonomia e integridade funcional, acaba transformando-se em prisão simbólica, pois a estrutura hierárquica e a ausência de rotatividade no comando criam um ciclo de poder autorreferente, difícil de ser rompido por dentro.
Além disso, o assédio moral no serviço público pode ser potencializado pela monopolização do conhecimento por parte do chefe, que, intencionalmente, centraliza informações e processos, tornando-se aparentemente insubstituível. Ao negar transparência e impessoalidade, ele impede a capacitação plena dos subordinados, mantendo-os em desvantagem e dependência. Saberes essenciais são retidos, fluxos de trabalho não são devidamente compartilhados e funcionamentos internos ficam obscuros, criando uma barreira artificial que dificulta qualquer eventual substituição ou rotatividade. Essa estratégia não só reforça o poder unilateral do gestor, mas também fragiliza a equipe, que fica à mercê de sua boa vontade — ou falta dela —, aprofundando a vulnerabilidade institucional e perpetuando um ambiente de trabalho opressivo e disfuncional.
3. A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM CASOS DE ASSÉDIO MORAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Diante desse percurso, indaga-se: a quem, então, caberia investigar e qual ramo do Poder Judiciário competiria processar e julgar os casos de assédio moral na Administração Pública?
É conhecida a decisão na ADI 3.395/DF4, quando o STF fixou o entendimento de que o inciso I do art. 114 da Constituição Federal “não abrange causas ajuizadas para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos Entes da Federação e seus Servidores”.
Contudo, o assédio moral não se restringe à natureza do vínculo jurídico entre o trabalhador e o Poder Público, seja ele celetista ou estatutário. Há uma violação ao meio ambiente (nele compreendido o meio ambiente do trabalho, conforme o art. 200, VIII da CF), que é uno, indivisível e de proteção difusa, especialmente considerando o contínuo entre os ambientes externo e interno do trabalho. Aliás, no mesmo ambiente de trabalho da administração pública, observa-se a presença de trabalhadores com diferentes regimes jurídicos, como servidores, estagiários, aprendizes, terceirizados, não devendo ser feita qualquer distinção na aplicação de normas de saúde, segurança e higiene desses trabalhadores.
Como ensina Ednaldo Rodrigo Brito da Silva5:
“se visto como estatutário, o direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável deixaria de ser inerente à condição humana para se tornar direito de servidor público, passando para a esfera de disponibilidade do Estado. Com isso, estaria nas mãos do Chefe do Poder Executivo local o poder de negar aos servidores o direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho pela mera inércia legislativa, bastando deixar de prever no estatuto as normas de saúde e segurança no trabalho, diante da sua competência privativa para a iniciativa das leis que versam sobre matéria estatutária dos seus servidores (art. 61, § 1º, II, “c”, da CF)
Nessa perspectiva, o STF firmou entendimento consolidado sobre a competência da Justiça do Trabalho, editando inclusive a Súmula 736, in verbis: Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.
A jurisprudência, com base no art. 7º, XXII, da Constituição Federal — que assegura ao trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança — tem reiterado esse entendimento:
RECLAMAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ADI 3.395. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CUMPRIMENTO DE NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE NO TRABALHO. 1. Não há identidade estrita com o decidido na ADI 3.395-MC o debate sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública, cujo objetivo é impor a ente público o cumprimento de normas relativas ao meio ambiente do trabalho (no caso, hospital público no qual trabalham não apenas servidores estatutários, mas também funcionários terceirizados, submetidos à CLT). 2. Agravo regimental desprovido. (Rcl 20744 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em 02/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-034 DIVULG 23-02-2016 PUBLIC 24-02-2016)
Diante disso, consolida-se a atribuição do Ministério Público do Trabalho, cuja atuação se ancora nos arts. 6º, 7º, XXII, 190, 200, VIII e 225 da Constituição Federal, na Declaração do Rio de 1992, e nas Convenções nº 155, 187 e 161 da OIT — esta última referente aos serviços de saúde no trabalho. Tais fundamentos embasam a Nota Técnica PGT/GE nº 01/2022, que reafirma a competência da Justiça do Trabalho e do Parquet especializado para apurar casos de assédio moral na Administração Pública.
Dentre os fundamentos que compõem essa nota técnica, está o fato de que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vem reconhecendo as atribuições do Ministério Público do Trabalho para investigar e processar questões que tratem da prática de assédio moral organizacional na Administração Pública Direta e Indireta, independentemente do regime jurídico de trabalho, em harmonia com o enunciado da Súmula 736, também do Supremo Tribunal Federal, a fim de assegurar o cumprimento de normas trabalhistas relacionadas ao meio ambiente do trabalho.
RECLAMAÇÃO PARA PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTO ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL NO ÂMBITO DO TJ/PB. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA CNMP Nº 08. OFENSA À AUTONOMIA NÃO EVIDENCIADA. ATRIBUIÇÃO DO MPT PARA TUTELAR O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. IMPROCEDÊNCIA. 1. Competência deste CNMP para julgar conflito (ou colisão) de autonomias funcionais e administrativas de ramos diversos do Ministério Público, na hipótese de não se tratar de conflito de atribuições, mas de lide com viés objetivo-institucional, que extrapola um caso concreto. 2. A judicialização da matéria em momento posterior à instauração de procedimento perante o CNMP não importa em arquivamento automático do feito por perda de objeto, especialmente quando for comprovada a intenção de esvaziamento das competências constitucionalmente atribuídas a este Órgão de Controle (Precedentes: PROP nº 1.00965/2017-30, rel. Cons. Leonardo Accioly da Silva, 20/02/2018; ED em RI em RD nº 0.00.000.000020/2016-56, CNMP, Rel. Cons. Walter de Agra Júnior, 13/09/2016; PCA nº 1.00926/2017-05, rel. Cons. Otávio Rodrigues Júnior., 01/08/2019). 3. Legitimidade da atuação do Ministério Público do Trabalho quando se busca tutelar a qualidade de vida dos trabalhadores celetistas e estatutários, em prol da higidez, segurança e saúde do ambiente de trabalho, em conformidade com entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal e reiterados julgados do Tribunal Superior do Trabalho. 4. Cabe ao Ministério Público do Trabalho investigar e processar questões que tratem da prática de assédio moral organizacional na Administração Pública Direta e Indireta, independentemente do regime jurídico de trabalho, uma vez que a ofensa se relaciona ao meio ambiente do trabalho. 5. Invasão de autonomia não evidenciada. Procedimento conhecido e julgado improcedente.
Assim, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações relativas ao assédio moral na Administração Pública e a atuação do Ministério Público do Trabalho, reconhecida pelo CNMP, encontra respaldo não apenas na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, mas também em fundamentos constitucionais que conferem centralidade à proteção do meio ambiente do trabalho, independentemente do regime jurídico do trabalhador. O assédio moral, enquanto violação à dignidade humana e à integridade do ambiente laboral, ultrapassa a natureza do vínculo funcional, configurando-se como ofensa a direitos fundamentais que exigem tutela especializada.
4. O PRINCÍPIO REPUBLICANO E A TEMPORALIDADE DOS MANDATOS NAS FUNÇÕES DE COMANDO
É inconteste e repetido que a Constituição é a lente de leitura pela qual o ordenamento jurídico deve ser lido, que as normas constitucionais tem eficácia irradiante, servindo de parâmetro para o controle, concentrado ou difuso, das demais normas, que os direitos fundamentais insculpidos na Carta Fundamental têm papel hermenêutico, informativo e normativo6, não devendo ser obliterados ou afastados, seja nas relações públicas ou privadas.
Segundo o art. 1º da Constituição Federal, o Brasil é uma República. Ser uma República implica na coparticipação na “coisa do povo”, na “res pública”, que se move através da igualdade dos direitos e da comunhão de interesses.
Em um sentido moderno, Roque Antônio Carrazza define que: “república é o tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em que detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade”7.
Assim, um dos elementos centrais do princípio republicano é justamente a transitoriedade dos mandatos.
Diferentemente do regime monárquico, no qual o soberano exerce o poder de forma vitalícia, a República se caracteriza pela temporalidade dos mandatos atribuídos aos representantes. Essa limitação no tempo permite que, periodicamente, os cidadãos avaliem o desempenho de seus mandatários, promovam sua responsabilização política e decidam por sua renovação ou substituição, fortalecendo a legitimidade democrática e oxigenando o sistema de representação.
Nesse sentido, a Constituição Federal estipula o mandato de quatro anos para o exercício do mandato Poder Legislativo, nas esferas municipal (art. 29, I da CF), estadual (art. 27, §1º da CF) e distrital (art. 32, § 3º da CF), e na esfera federal, para a Câmara dos Deputados. Para o Senado Federal, o mandato de oito anos (art. 46, §1º) da CF). Ao Poder Executivo, o mandato de quatro anos aos Prefeitos (art. 29, I da CF), aos Governadores (art. 28 da CF) e ao Presidente da República (art. 82 da CF) com a possibilidade de apenas uma única reeleição sucessiva.
Em suas funções típicas, o Poder Judiciário e o Ministério Público, por serem agente políticos estatais e submetidos à garantia da vitaliciedade, não se submetem à mandatos temporários (arts. 95, I e 128, § 5º, I, “a” da CF). No entanto, os seus órgãos administrativos de cúpula, respectivamente o Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B da CF) e Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-B da CF), são compostos por membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução.
Assim, é decorrente do princípio republicano — e também dos princípios da moralidade e impessoalidade expressos no art. 37 da Constituição, que norteiam a administração pública direta e indireta em sua função administrativa — a estipulação de mandatos temporários para o exercício de direção e chefia. O poder de direção administrativa não pode ser, na prática, vitalício, ou se alongar por períodos indeterminados, sob pena de se converter em instrumento de personalização do cargo, com riscos à integridade institucional e à igualdade de tratamento entre os servidores.
Ressalte-se que o art. 37, V da Constituição, com a redação alterada pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, assim prescreve: “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
A Emenda Constitucional optou por condensar as três atribuições no mesmo dispositivo, mas existem diferenças.
A função de direção envolve a condução estratégica de órgãos ou unidades administrativas, com foco na formulação de políticas internas e na tomada de decisões de alto impacto. A chefia, por sua vez, refere-se à coordenação direta de equipes ou setores, com atuação operacional e responsabilidade pela execução das diretrizes estabelecidas pela direção. Já o assessoramento é função de apoio técnico ou consultivo, voltada à análise e fornecimento de subsídios para a tomada de decisões, sem comando hierárquico. Enquanto direção e chefia implicam autoridade sobre subordinados, o assessoramento pressupõe confiança e especialização, mas não poder de comando.
Assim, seria mais técnico distinguir as funções de comando e de assessoramento, uma vez que o poder de direção e chefia implicam em um exercício de poder administrativo e hierárquico sobre determinados subordinados, devendo, portanto, submeter-se ao princípio republicano da temporalidade no exercício das funções públicas de comando e representação.
A chefia e a direção, no âmbito da Administração Pública, especialmente quando exercidas entre servidores efetivos e estáveis, devem refletir o regime republicano ao qual estão submetidas. Trata-se de uma estrutura voltada à gestão da coisa pública (res publica), onde há comunhão de interesses institucionais, e não domínio de meios produtivos ou relações de subordinação típicas da iniciativa privada. Nesse contexto, o exercício da chefia deve ser temporário, funcional e impessoal, evitando sua personalização ou apropriação como uma extensão da identidade do servidor.
5. CONCLUSÃO:
Nada contraria mais o princípio republicano do que a ausência de limitação temporal nos cargos de direção e chefia. Submeter essas funções à lógica da temporalidade não é apenas um imperativo constitucional de eficácia irradiante, mas uma medida concreta de prevenção ao assédio moral.
A perpetuação de chefias, sem alternância ou controle, tende a cristalizar relações de poder assimétricas em que o clientelismo e a confusão entre o público e o privado vira regra — como ilustra a figura de Lineu, constantemente coagido por Mendonça sob a aparência de amizade, em uma dinâmica que naturaliza o abuso e anula a distinção entre deferência e subordinação, reunindo a ponto de não ser diferenciado, a imagem do que seria o chefe abusivo e do que configuraria a amizade ingrata.
Em analogia aos mandatos, em especial com a mandato do Poder Executivo, não poderia o tempo no mesmo cargo de comando administrativo ser superior a oito anos. O princípio republicano deve ser irradiado administrativamente para não apenas renovar o ambiente organizacional, mas também preservar a integridade institucional, reforçar a impessoalidade e valorizar o mérito como critério legítimo de autoridade.
O carismático Mendonça inicia a série já como chefe, permanece no cargo por quatorze temporadas e continua como tal, mesmo após a aposentadoria de Lineu, na última temporada. O riso e a leveza do chefe bon-vivant não devem obscurecer a reflexão, antes reforçá-la: Lineu merecia mais do que apenas carregar a repartição nas costas. Novos personagens poderiam ter oxigenado o ambiente laboral, renovado as práticas e, talvez, evitado os fardos trabalhistas que recaíam sobre o pai da Grande Família. Por mérito, Lineu deveria ter sido alçado aos cargos mais altos — mas ficou eternamente na posição de “Lineuzinho”. Se a arte imita a vida, também adverte aos vivos que práticas assediadoras podem e dever ser evitadas por meio da participação cada vez mais repartida, em responsabilidades, direitos e deveres, dentro das repartições de todo país.
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Dispõe o artigo 2º da Lei nº 3921/2002, do Estado do Rio de Janeiro: "Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido︎
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SOBOLL, Lis Andréa Pereira. Assédio Moral/Organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. p. 22.︎
BRASIL. Supremo Tribunal do Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF. Requerentes: Associação dos Juízes Federais do Brasil e Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Interessado: Congresso Nacional Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 15.4.2020. Diário de Justiça Eletrônico: n. 165, 1 jul. 2020. 2020a. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?- docTP=TP&docID=753145850. Acesso em: 21 mai. 2025︎
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