Sobre o conceito de integridade no Capítulo VI da obra “Império do direito” de Ronald Dworkin

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SOBRE O CONCEITO DE INTEGRIDADE NO CAPÍTULO VI DA OBRA “IMPÉRIO DO DIREITO” DE RONALD DWORKIN

Rafael Guimarães Abras Oliveira1

O direito como integridade, antes de tudo, indica uma concepção interpretativa do direito, no sentido de tanto levar em conta a tradição e olhar o passado para reescrever o futuro, quanto de não se prender à tradição e se for o caso consolidar novos entendimentos, materialmente adequados e justificados, tendo em vistas novas demandas e a possibilidade ampliativa do direito. Para provisoriamente chegar nesse conceito, Dworkin argumenta explorando a tensão entre duas concepções rivais de interpretação jurídica, a saber, o convencionalismo ou positivismo jurídico e o pragmatismo ou realismo jurídico norte-americano.

Antes, porém, de chegar à síntese do direito como integridade que Dworkin propõe depois de analisar cada escola interpretativa, é preciso entender de que tipo de divergência ele quer solucionar e ao que se limita sua teoria. Nesse sentido, o autor de “O Império do Direito” lembra que os processos judiciais suscitam, ao menos, “três diferentes tipos de questões: as questões de fato, as questões de direito e as questões interligadas de moralidade política e fidelidade” (págs. 5 e 6). As questões de fato, que configuram os fatos históricos e concretos envolvidos na controvérsia e que, para alguns, reduzem o direito àquilo que as instituições decidiram no passado, e as questões morais, que versam sobre a justiça ou injustiça proporcionada pela solução jurídica, não interessam para Dworkin: seu foco é a questão de direito2 e, para tanto, é preciso assumir que o direito é um processo interpretativo, em que regras são identificadas, valoradas, reconhecidas e aplicadas.

Para que o direito, enquanto prática social, seja identificado, valorado, reconhecido e obedecido, Dworkin identifica três fases (págs. 81 a 84). A primeira fase é a fase pré-interpretativa, “na qual são identificados as regras e os padrões que se consideram fornecer o conteúdo experimental da prática”, em outras palavras, trata-se de se mover em um nível mínimo de consenso sobre determinadas práticas sociais e o pressuposto de estar inserido em uma comunidade que compartilha certos princípios – é a perspectiva daquilo que é dado. A segunda fase, por sua vez, é a fase interpretativa, em que se questiona sobre a prática identificada e se justifica quanto ao motivo dela ser estabelecida – a consciência toma consciência de si mesma, dando ensejo a uma perspectiva reflexiva e argumentativa. Por fim, a terceira fase é a etapa pós-interpretativa, em que o fato é posto em conjunto com a reflexão e se destaca o significado da ação a fim de que a comunidade responda se determinada prática é bem justificada aos objetivos e princípios da comunidade – é a perspectiva do ajuste ou da reformulação: o significado extraído da etapa interpretativa e posto dialeticamente ao lado do fato; analisa-se se o significado é explicado no signo e qual seria o ajuste deste para traduzir àquele diante das novas circunstancias históricas e da transformação do sentido.

Na busca por uma concepção3 de interpretação jurídica, Dworkin distingue três perguntas a serem feitas: a) sobre direito e coação, há sentido na relação entre eles? b) se há, qual sentido seria? c) qual seria a leitura mais apropriada da história dessa relação? (pg. 117 e seguintes).

Para ele, então, três escolas surgem: o convencionalismo, o pragmatismo e o direito como integridade.

O convencionalismo responde afirmativamente à primeira questão, mas em resposta à segunda pergunta, sustenta que as decisões políticas anteriores são à base do sentido da vinculação do direito: o sentido do direito é aquilo que ele foi. Em relação à terceira pergunta, o convencionalismo sustenta de duas maneiras: quando houver decisões anteriores explicitas, o direito deve limitar-se ao convencional, ao que seria previsível diante da história institucional; no entanto, quando a convenção se esgota em relação a determinado caso, os juízes tem poder discricionário para tomar suas decisões em um sentido prospectivo.

O pragmatismo responde negativamente à primeira questão: o direito não necessita ser coerente com as decisões políticas anteriores, o passado é aceito apenas como fonte de estratégia para uma decisão futura. Em sua leitura própria, o pragmatismo rejeita a existência de pretensões substanciais, não que a moral e a política sejam preteridas, mas instrumentalizadas para a construção de um futuro melhor – os direitos são tratados como meios e não são considerados tendo força e fundamento em si mesmo ou num sistema ético independente.

Como Dworkin constrói a fundamentação do direito como integridade, a terceira concepção do direito, é o objeto da discussão do capítulo VI do “Império do Direito”, vista a seguir.

A estrutura do capítulo VI de “O Império do Direito”:

Quatro aspectos centrais são abordados neste capítulo, a saber:

  1. a existência da integridade e sua natureza: a integridade como um ideal independente e como uma virtude;

  2. a condição de possibilidade da integridade: a comunidade como um agente moral distinto;

  3. a relação entre legitimidade e integridade, envolvendo a) qual seriam a natureza e as características das obrigações para com a comunidade e b) qual seria a concepção de comunidade que mais se aproximaria dos conceitos de equidade e justiça;

  4. quais as consequências do princípio da integridade aplicado à prestação jurisdicional.

    1. Da existência e natureza da integridade:

Há dois princípios de integridade política, a legislativa, que apregoa a necessidade de leis moralmente coerentes, e a jurisdicional, que demanda que as decisões se ajustem coerentemente ao sistema jurídico. No entanto, antes de lidar com o conceito de integridade, Dworkin pergunta: a integridade se ajusta? Ela deveria ser tratada como um conceito independente da justiça ou da equidade e por que ela seria?

Dworkin comenta: as doutrinas e pensamentos não são uníssonos quando relacionam equidade e justiça. Há basicamente três correntes:

  1. A primeira corrente, aparentemente referente a Rawls, remonta a uma interligação entre justiça e equidade, de modo que o procedimento baseado na equidade é justo; nesse sentido, a equidade é vista como causa da justiça ou como procedimento que produzirá a justiça.

  2. A segunda corrente, aparentemente referente aos utilitaristas, defende que a equidade seja provada pelo teste do resultado, de modo que “nenhum procedimento é justo a menos que tenda a produzir decisões políticas que sejam aprovadas num teste de justiça independente” (pg. 214). A justiça, nesse caso, seria um ideal totalmente independente da equidade, um parâmetro ideal objeto de comparação.

  3. A terceira corrente, por sua vez, sustenta um ponto de vista intermediário preceitua que justiça e equidade são até certo ponto independentes. Isso implica que, muitas vezes, instituições imparciais tomarão decisões injustas e instituições parciais decidirão com justiça – a justiça não seria totalmente decorrente do procedimento, mas este poderia tentar evitar, na maioria das vezes, decisões injustas. Nesse sentido, em relação a essa terceira corrente, surge um dilema na escolha entre as duas virtudes políticas, em relação à busca pela justiça e equidade: qual seria o programa político ideal, o baseado no procedimento da maioria, tendo o direito à participação com o direito dos direitos, como quer Waldrom, ou o programa política baseado na restrição constitucional ao poder democrático para impedir que a maioria fira direitos das minorias?

Para Dworkin, tal discussão só se dá em relação à tensão entre equidade e justiça, mas se a integridade for considerada como um terceiro e independente ideal, “pelo menos quando as pessoas divergem sobre um dos dois primeiros, então podemos pensar que, às vezes, a equidade ou justiça devem ser sacrificadas à integridade” (p.215). Portanto, a integridade deve ser tratada como ideal independente, pois se for tratada como os outros ideais, pode entrar em conflito. A integridade, nesse ponto, é um ideal arquitetônico, no sentido de construir/ reconstruir e dirimir conflitos entre outros ideais.

A integridade é ou não uma virtude? - eis a segunda pergunta de Dworkin, o qual responde: se consideramos que não, se consideramos que comunidade deva seguir um modelo de regras, um emaranhado de ajustes e acordos entre indivíduos com vontades independentes e distintas, com concepções distintas sobre justiça, a integridade apareceria como mero acordo externo. Nessa perspectiva, o sistema jurídico poderia ser fundado em concessões recíprocas, naquilo que Dworkin denomina de “soluções conciliatórias”. Explica-se: se o principio da equidade política, que invoca que nenhum grupo deva ter maior poder, controle ou direito que os demais, for considerado, em detrimento dos conflitos sociais, adotar-se-ia soluções que conciliassem as diferentes opiniões e almejassem um resultado proporcional, visando o maior benefício ou menor dano. No entanto, Dworkin argumenta que, ao final, tais soluções conciliatórias acabarão por tratar os diferentes diferentemente, sem nenhum principio coerente justificador da diferenciação. Embora elas pareçam ser aparentemente mais equitativas, podem não ser justas, quando é negado às pessoas algum recurso, liberdade ou oportunidade que as melhores teorias sobre a justiça lhes dão o direito de ter (pg. 218)

Nesse âmbito, o caso do aborto pode ser tomado como exemplo. De um lado os que compreendem o aborto como direito da autonomia da mulher e de outro os que consideram que todo aborto é assassinato: uma lei que autorize o aborto em casos de estupro ou em algumas semanas de gestação seria bem aceito para o primeiro grupo, ante a possibilidade de proibição total do aborto, defendida pelo segundo grupo.

Dworkin responde que a integridade rejeita as soluções conciliatórias, na medida em que o sistema jurídico exige que decisões devam se basear em algum princípio. A própria prática política aceita a integridade como uma virtude distinta da equidade e da justiça, quando se propõe a resolver situações similares sob a égide da coerência em relação a algum princípio4. Internamente, no sistema jurídico, há um ideal de integridade: assim como os astrônomos descobriram o planeta Netuno antes mesmo de poder vê-lo, assim a integridade arquiteta uma força gravitacional em torno das decisões, a fim de manter o sistema coerente.

  1. A condição de possibilidade da integridade: a comunidade como um agente moral distinto

“A integridade é atraente?”, pergunta, na terceira vez, Dworkin. Para o pragmático, a resposta seria não: a integridade vislumbraria a existência da própria comunidade como agente moral e o pragmático vê as partes individualizadas e relaciona a responsabilidade política a princípios de moralidade comum, as quais são submetidas a mera avaliação moral subjetiva.

Dworkin destaca que a integridade é uma virtude especial da política não porque o Estado ou a comunidade sejam entidades distintas, mas porque devam ser vistos como.

Se a ênfase kantiana repousa sobre a liberdade como determinante na autonomia e a advertência de Rousseau no tocante à igualdade como condição de possibilidade de uma verdadeira autonomia, Dworkin invoca a integridade como um terceiro elemento que sistematiza e unifica tais ideais, que exige que os cidadãos “tratem as relações em si mesmos como se estas fossem regidas de modo característico, e não espasmódico, por essas normas” (p. 230). A integridade é o terceiro elemento que permite que as exigências sejam aceitas por cada indivíduo, bem como que novas exigências sejam invocadas perante outros, de modo que a comunidade compartilhe e amplie a dimensão moral das decisões políticas postas por seus membros. Mais que obediência à autoridade, a integridade é um reconhecer-se enquanto parte de um todo e ser também responsável por manter, transformar e consolidar o sistema da comunidade a que se pertence.

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3. A relação entre legitimidade e integridade, envolvendo a) qual natureza e as características das obrigações para com a comunidade e b) qual seria a concepção de comunidade que mais se aproximaria dos conceitos de equidade e justiça.

Considerar a legitimidade como maior argumento para a fundamentação do direito, desconsiderando a natureza interpretativa – e consequentemente moral, já que a argumentação moral faz parte do raciocínio interpretativo – do direito, é o problema enfrentado por Dworkin no decorrer do capítulo, sob o subtítulo de “O enigma da legitimidade”. Aqui Dworkin contesta implicitamente Rawls e a escola utilitarista.

Respondendo à pergunta sobre a relação entre coerção e direito – a primeira das três perguntas anteriores sobre a concepção de direito – Dworkin, em relação à primeira questão, responde que, embora alguns defendam que existe um acordo tácito, real, histórico que fornece um bom argumento prima facie para a coerção, a questão do consentimento permanece de forma problemática – entre recusar o contrato e aceitar as cláusulas, haveria mais liberdade que necessidade.

De semelhante forma, o argumento prático de que as pessoas reconhecem seu dever em preservar e manter instituições “que passem no teste de moralidade abstrata” (p. 234) também não basta para dar um sentido à legitimidade – há um dever de ser justo, mais que uma obrigação institucional, existem princípios morais que interpretam e buscam sentido ao que cada instituição supostamente representa.

Em igual medida, a leitura do jogo limpo – aceitar o ônus e o bônus da organização a qual se filia, na medida em que se assumem as regras do jogo e as cartas iniciais dadas –, também não se mostra sustentável por dois motivos. Primeiro: estrutura baseada em uma autoridade política a priori, que dita as regras para os participantes e não os convida a construí-las. Segundo motivo: argumenta-se sem compartilhar valores e visando apenas benefícios.

Seguindo o itinerário de Dworkin, para sondar a natureza da verdadeira legitimidade é preciso investigar a natureza das obrigações para com a comunidade.

a) As obrigações da comunidade

A obrigação para com a comunidade não tem a ver com laços emocionais mantidos por cada membro, tampouco tem relação necessária com o nacionalismo ou o racismo.

A obrigação para com a comunidade tem natureza de obrigação associativa. Mas sendo uma forma de obrigação associativa, mas qual seria sua espécie? Diferentemente do caráter contratual, Dworkin destaca que esse tipo de obrigação associativa não decorre de uma escolha conscientemente estabelecida, mas é desenvolvida por compromissos assumidos imperceptivelmente. Não tem, portanto, a natureza taxativa da obrigação, mas tem natureza de atração e atrelamento a eventos e a certas condições de possibilidade, dentre as quais, Dworkin destaca a reciprocidade, que não se trata propriamente de amizade, mas, em um sentido abstrato, refere-se a compartilhar uma “ideia geral e difusa dos direitos e das responsabilidades especiais que os membros devem por em prática entre si” (p. 241).

Nesse sentido, Dworkin defende que a obrigação da comunidade deve ter natureza de obrigação de associação fraternal, em que existe menor possibilidade de escolha e se satisfaz com os seguintes requisitos:

a) deve considerar as obrigações do grupo como especiais – considerando o vínculo existente entre as pessoas, e não como um mero compromisso abstrato devido igualmente à pessoas que não participam da comunidade;

b) deve admitir que há uma referência a obrigações pessoais;

c) as responsabilidades pessoais devem ser vistas como decorrentes de uma responsabilidade geral, de modo que seja fomentado o “interesse que cada um deve ter pelo bem-estar de outros membros do grupo”;

d) cada membro deve pressupor que as práticas não remetem apenas a um interesse, mas igual interesse por todos os membros – aqui, como em Habermas, parece que, para Dworkin, cada membro deve ser tratado em condição de simetria, com os mesmos direitos à participação, a qual se consolida por meio de uma busca incessante de um razão pública, movida por consensos provisórios, dialeticamente resultantes, ao se considerar a validade e a materialidade de cada argumento posto em discussão.

No entanto, é preciso fazer a seguinte ressalva: mesmo as comunidades que compreendam os diferentes aspectos abordados podem promover a injustiça de duas maneiras distintas. Primeira: a valoração da equidade pode ser deficiente, no sentido de distinguir determinados membros de grupos, como por exemplo, a diferença no tratamento que um pai dê para seu filho e para sua filha. Segunda: a valoração pode ser injusta para não membros dos grupos, incluindo, nesse aspecto, a hipótese de discriminação a determinada raça ou religião.

Dworkin salienta com esses exemplos o caráter interpretativo das responsabilidades associativas, que, bem mais que um prática social com pressupostos sedimentados, requer reflexão sobre questões de interpretação crítica: verificar se o significado de tal prática corresponde com os pressupostos e princípios estabelecidos pela comunidade, bem como se tais levam em conta a especialidade, a pessoalidade, o bem-comum e a igualdade, conforme Dworkin anteriormente sinalizara.

b) Fraternidade, comunidade política e concepções de sociedade:

A melhor defesa da legitimidade política, isto é, “o direito de uma comunidade política de tratar seus membros como tendo obrigações em virtude de decisões coletivas da comunidade”, não se encontra considerando a comunidade como um contrato social ou como submetida às regras do jogo impostas invariavelmente aos participantes, mas se trata de vislumbrar que a obrigação política somente verdadeiramente nasce quando atendidas condições necessárias às obrigações de fraternidade.

A argumentação da legitimidade, portanto, desloca-se de um âmbito prioritariamente formal e contratual, para um campo interpretativo, em que uma razão substantiva pública é pressuposta como integradora das diferentes perspectivas privadas, dando sentido à noção de obrigação comunitária.

Em um esforço hipotético, Dworkin examina três possíveis tipos de sociedade, cada qual baseada em determinada atitude associativa. A primeira concepção considera que as associações comunitárias nascem da aleatoriedade, “como um acidente de fato”, e levam as pessoas não necessariamente a tratarem umas a outras como instrumentos, mas a principalmente aceitarem as circunstâncias e calcularem suas responsabilidades sem ter como base uma responsabilidade especial frente à comunidade.

À segunda concepção de sociedade Dworkin denomina “modelo das regras”, a qual “pressupõe que os membros de uma comunidade política aceitam o compromisso geral de obedecer as regras estabelecidas” (p. 253). Não que as regras fossem a tradução de princípios comuns compartilhados, mas apresentam a natureza de um contrato conciliatório, em que os membros procuram obter o máximo de beneficio cedendo o menos possível. Dworkin relaciona este segundo modelo de sociedade com o convencionalismo.

Por fim, a terceira concepção de sociedade diz respeito ao modelo de princípios. A regras sociais são entendidas como decorrentes de princípios comuns e não acordos políticos, possibilitando que a comunidade seja uma arena pública de debate e pressupondo que cada um dos membros se aceite mutuamente tanto como sujeitos de direitos quanto como responsáveis perante a comunidade. Nesse sentido, a comunidade de princípios aceita a integridade como elemento unificador, na medida em que o interesse de cada um é considerado “especial, pessoal, abrangente e igualitário para fundamentar as obrigações comunitárias” (p. 260).

4. Quais as consequências do princípio da integridade aplicado à prestação jurisdicional.

O principio da integridade na prestação jurisdicional implicará, portanto, nas seguintes conclusões:

a) a decisão jurídica não remete a uma mera expectativa de se fazer valer normas estabelecidas, mas refere a um direito genuíno de cada litigante ter sua demanda julgada de acordo com a melhor concepção jurídica;

b) essa melhor concepção exigirá a coerência das normas e a independência e coerência sistemática, “como se o Estado tivesse uma única voz” (p. 263);

c) isso de modo algum vincula as instituições à linha de raciocínio das decisões anteriores, tampouco preleciona uma preocupação estritamente prospectiva, mas concebe as decisões buscando fidelidade aos princípios fundamentais da comunidade;

d) mais que coerência, a integridade prescreve abrangência: cada caso não é um caso, cada caso é concebido como parte que forma um sistema.

e) por fim, Dworkin ressalva que a integridade diz respeito a princípios e não exige coerência em termos políticos. Não se trata de estabelecer um objetivo a ser alcançado ou uma estratégia a ser seguida, mas prescreve ao governo o dever de “ter uma só voz ao se manifestar sobre a natureza dos direitos” (p. 268) individuais, tratando cada membro como igual, não somente em abstrato, mas real e substancialmente.

Conclusão

Distanciando-se das posições utilitaristas, ultraliberais, positivistas, pragmatistas, Dworkin tenta elaborar uma teoria de natureza interpretativa, que não procura definir conceitos e conjuntos de princípios de justiça, mas tem como foco a argumentação crítica e a justificação normativa e institucional. Como reforça a professora Maria Lourdes Santos Perez, a teoria do direito como integridade vai além da interpretação jurídica e envolve questões de teoria da justiça e moralidade política – onde Dworkin proporá, mais adiante, a ideia de igualdade liberal –, as quais buscam seus fundamentos em uma “teoria ética (individualismo ético) como doutrina da boa vida” 5.

Referência Bibliográfica:

DWORKIN, Ronald A Conferência McCorckle de 1984: as ambições do direito para si próprio. Tradução de Emílio Peluso Neder Meyer e Alonso Reis Siqueira Freire. Belo Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara, 2007.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

PEREZ, María Lourdes Santos. Una filosofía para erizos: una aproximación al pensamiento de Ronald Dworkin. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, 2003. pg. 37


  1. Artigo apresentado à Disciplina “Construtivismo Jurídico de Ronald Dworkin”, no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

  2. Em relação à dúvida sobre qual direito seria aplicável em determinado caso, Dworkin distingue dois tipos de divergências: a empírica e a teórica. A primeira se dá quando, existindo consenso sobre os fundamentos do direito, questiona-se se, no caso em comento, o fato incide ou não sobre os fundamentos de direito. A divergência teórica, por sua vez, incide sobre os próprios fundamentos jurídicos, sobre o que possibilitaria dizer que determinada proposição jurídica fosse verdadeira ou falsa.

  3. Em Levando os Direitos a Sério, Dworkin salienta uma diferença entre conceito e concepção, de modo que diferença entre cada termo não é apenas no “grau de detalhe das instruções fornecidas”, mas ao tipo. Quando se fala em conceito, recorre-se apenas ao significado sem nenhuma atribuição especial a um ponto de vista. Quando se diz “concepção”, é definido “um sentido para o conceito de justiça, e por isso meu ponto de vista está no cerne do problema”. Uma questão de posicionamento e princípios, portanto, é o que distingue conceito e concepção: para Dworkin, é necessário que se demonstre a superioridade de uma concepção de direito diante das escolas de concepção rivais, salientado o quanto a concepção defendida se aproxima do conceito de justiça.

  4. Em textos posteriores, Dworkin, por exemplo, defenderá que um Estado que legaliza o aborto, compreendendo a questão se tratar da autonomia da mulher e da autodeterminação, assume o princípio da integridade.

  5. PEREZ, María Lourdes Santos. Una filosofía para erizos: una aproximación al pensamiento de Ronald Dworkin. Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, 2003. pg. 37

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