Entre a toga e a lei.

O grito silencioso da omissão legislativa e a ascensão do ativismo judicial

12/06/2025 às 07:02
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Resumo: O presente artigo analisa o fenômeno do ativismo judicial à luz da omissão legislativa, com ênfase na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 82/DF, que evidencia a falha histórica do Congresso Nacional em criminalizar a retenção dolosa de salários. A partir de uma leitura constitucional crítica, o texto propõe reflexões sobre os limites entre a atuação jurisdicional e a obrigação normativa do Parlamento, apontando o risco da judicialização excessiva das políticas públicas e a fragilidade da harmonia entre os Poderes da República. Com base na teoria da concretude e nos princípios do Direito Penal, o estudo propõe uma conclusão contundente em defesa da justiça material e do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Ativismo Judicial. Omissão Legislativa. ADO 82/DF. Direito Penal. Princípio da Tipicidade. Teoria da Concretude. Separação dos Poderes.


INTRODUÇÃO

O Brasil caminha entre colunas trincadas de um templo republicano que clama por equilíbrio, harmonia e efetividade jurídica. O silêncio legislativo, em muitos casos, ressoa mais alto que os discursos inflamados nos plenários. Quando o Parlamento se cala diante de seu dever constitucional, o Judiciário, por vezes, ergue a voz em nome da sociedade. Nasce, assim, a tensão entre o ativismo judicial e a omissão legislativa.

Como assevera o professor Jeferson Botelho, “a omissão legislativa é uma ferida aberta na Constituição. E quando o remédio vem do Judiciário, o antídoto pode curar ou desestruturar o pacto federativo.” Nesse cenário, a judicialização de demandas típicas de outros Poderes revela o grave risco de ruptura do modelo tripartido de funções públicas, colocando em xeque a legitimidade democrática e a rigidez das fronteiras institucionais.

A chamada “Constituição Cidadã” de 1988 inaugurou um paradigma normativo orientado pela centralidade dos direitos sociais. Contudo, a eficácia plena desses direitos depende da atuação concreta do legislador. Em casos de omissão, a Constituição oferece instrumentos para compelir o Congresso Nacional à ação, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO/82).

O caso da ADO 82/DF escancara uma dura realidade: embora o artigo 7º, inciso X da Constituição Federal determine que a retenção dolosa de salários é crime, passados quase 37 anos, não houve tipificação penal específica. Diante dessa lacuna, emerge o debate técnico-jurídico e político-institucional: até que ponto pode — ou deve — o Poder Judiciário intervir quando o Poder Legislativo se omite?


ANÁLISE CRÍTICA

O ativismo judicial, embora muitas vezes necessário como mecanismo de concretização de direitos fundamentais, torna-se perigoso quando extrapola os limites da função jurisdicional. Ao decidir sobre matérias típicas do Legislativo, o Judiciário arrisca substituir o debate democrático pelo tecnicismo jurídico, ainda que motivado pela busca da justiça social.

No caso em tela, o artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal determina que a retenção dolosa de salário é crime, “na forma da lei”. Trata-se de uma norma de eficácia limitada, que exige complemento infraconstitucional. A ausência de lei específica impede a incidência automática do preceito penal, em razão do princípio da tipicidade estrita.

O Código Penal, em seu artigo 168, trata da apropriação indébita, que, embora guarde semelhança material com a conduta de reter salário de forma dolosa, não pode ser aplicado por analogia, sob pena de violação ao princípio da legalidade penal (nullum crimen, nulla poena sine lege).

A proposta da ADO 82/DF, nesse sentido, busca compelir o Legislativo a exercer sua competência e preencher o vácuo normativo. A decisão do Supremo Tribunal Federal, ao aplicar a teoria da concretude, estipulou um prazo de 180 dias para que o Congresso Nacional elabore a tipificação penal da conduta. Essa medida, embora necessária, lança luz sobre a fragilidade institucional do Brasil: um Poder empurrando o outro a cumprir seu papel, sob pena de comprometimento da funcionalidade do Estado Democrático de Direito.


CONCLUSÃO

Diante da omissão do Congresso Nacional em efetivar norma constitucional, o artigo 103, § 2º, da Constituição Federal estabelece que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida necessária à concretização de preceito constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências cabíveis. Tratando-se de órgão administrativo, este deverá agir no prazo de trinta dias.

De forma harmônica, o artigo 12-H da Lei nº 9.868, de 1999, prescreve que, reconhecida a inconstitucionalidade por omissão, em conformidade com o disposto no artigo 22 da mesma lei, será igualmente dada ciência ao Poder competente. Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, o prazo para a adoção das providências será de trinta dias, salvo estipulação diversa pelo Supremo Tribunal Federal, em prazo razoável, a depender das circunstâncias específicas do caso e do interesse público envolvido.

Todavia, extrapolado o prazo estabelecido e persistindo o Congresso Nacional em mora qualificada, impõe-se a indagação: qual o papel da mais alta Corte do país diante desse silêncio que ecoa como injustiça institucionalizada?

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Nesse cenário, não pode a sociedade civil adormecer por quase 37 anos, sob o falso consolo de que, um dia, o Poder Legislativo espontaneamente cumprirá seu dever constitucional. Quando os direitos fundamentais permanecem suspensos pela inércia legislativa, o tempo da Constituição não pode aguardar o tempo da política.

Assim, a meu juízo, é dever do Supremo Tribunal Federal suprir as omissões legislativas que impeçam o exercício pleno dos direitos constitucionais, não como legislador ordinário, mas como guardião maior da Constituição da República. Sua atuação deve ser supletiva, excepcional e alicerçada na efetivação dos direitos fundamentais e na proteção da dignidade da pessoa humana, pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito.

O STF, nesse contexto, não invade competências, mas preenche vazios normativos com o sopro vital da justiça, impedindo que a omissão se converta em instrumento de negação de direitos. Seu papel é o de sentinela da Constituição, que, diante da omissão do dever, faz ressoar a força normativa da Carta Maior, restaurando o equilíbrio institucional e salvaguardando os direitos do povo brasileiro.

A existência de projetos de lei sobre a matéria, conforme jurisprudência da Corte, não elide o estado de mora constitucional. Ademais, o crime de retenção dolosa do salário, vislumbrado pelo constituinte originário, não parece se ajustar perfeitamente ao tipo penal da apropriação indébita (CP, art. 168).

No caso em testilha, a omissão legislativa é mais que uma ausência normativa: é uma negação da cidadania, uma afronta à ordem constitucional e uma traição silenciosa ao trabalhador. Quando o Judiciário assume o papel de protagonista diante do vácuo deixado pelo Legislativo, não se trata de glória, mas de emergência — um socorro constitucional.

A ADO 82/DF não é apenas um processo: é um grito institucional contra o descaso, uma tentativa de restaurar a justiça onde o tempo e a política falharam. Não se pode falar em democracia sólida quando o direito à dignidade do trabalho é esquecido nos corredores legislativos.

Por fim, que o eco da Constituição prevaleça sobre o silêncio das omissões e que o Brasil reencontre, entre seus Poderes, o pacto perdido da responsabilidade e da justiça. O ativismo judicial não deve ser escolha, mas exceção. Que a lei volte a nascer no Parlamento — e que a toga não precise mais fazer o papel da pena.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 82 (ADO 82). Relator: Min. Roberto Barroso. Julgamento em 21/06/2023. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: jun. 2025.


O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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