Resumo: O presente artigo analisa o fenômeno do ativismo judicial à luz da omissão legislativa, com ênfase na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 82/DF, que evidencia a falha histórica do Congresso Nacional em criminalizar a retenção dolosa de salários. A partir de uma leitura constitucional crítica, o texto propõe reflexões sobre os limites entre a atuação jurisdicional e a obrigação normativa do Parlamento, apontando o risco da judicialização excessiva das políticas públicas e a fragilidade da harmonia entre os Poderes da República. Com base na teoria da concretude e nos princípios do Direito Penal, o estudo propõe uma conclusão contundente em defesa da justiça material e do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Omissão Legislativa. ADO 82/DF. Direito Penal. Princípio da Tipicidade. Teoria da Concretude. Separação dos Poderes.
INTRODUÇÃO
O Brasil caminha entre colunas trincadas de um templo republicano que clama por equilíbrio, harmonia e efetividade jurídica. O silêncio legislativo, em muitos casos, ressoa mais alto que os discursos inflamados nos plenários. Quando o Parlamento se cala diante de seu dever constitucional, o Judiciário, por vezes, ergue a voz em nome da sociedade. Nasce, assim, a tensão entre o ativismo judicial e a omissão legislativa.
Como assevera o professor Jeferson Botelho, “a omissão legislativa é uma ferida aberta na Constituição. E quando o remédio vem do Judiciário, o antídoto pode curar ou desestruturar o pacto federativo.” Nesse cenário, a judicialização de demandas típicas de outros Poderes revela o grave risco de ruptura do modelo tripartido de funções públicas, colocando em xeque a legitimidade democrática e a rigidez das fronteiras institucionais.
A chamada “Constituição Cidadã” de 1988 inaugurou um paradigma normativo orientado pela centralidade dos direitos sociais. Contudo, a eficácia plena desses direitos depende da atuação concreta do legislador. Em casos de omissão, a Constituição oferece instrumentos para compelir o Congresso Nacional à ação, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO/82).
O caso da ADO 82/DF escancara uma dura realidade: embora o artigo 7º, inciso X da Constituição Federal determine que a retenção dolosa de salários é crime, passados quase 37 anos, não houve tipificação penal específica. Diante dessa lacuna, emerge o debate técnico-jurídico e político-institucional: até que ponto pode — ou deve — o Poder Judiciário intervir quando o Poder Legislativo se omite?
ANÁLISE CRÍTICA
O ativismo judicial, embora muitas vezes necessário como mecanismo de concretização de direitos fundamentais, torna-se perigoso quando extrapola os limites da função jurisdicional. Ao decidir sobre matérias típicas do Legislativo, o Judiciário arrisca substituir o debate democrático pelo tecnicismo jurídico, ainda que motivado pela busca da justiça social.
No caso em tela, o artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal determina que a retenção dolosa de salário é crime, “na forma da lei”. Trata-se de uma norma de eficácia limitada, que exige complemento infraconstitucional. A ausência de lei específica impede a incidência automática do preceito penal, em razão do princípio da tipicidade estrita.
O Código Penal, em seu artigo 168, trata da apropriação indébita, que, embora guarde semelhança material com a conduta de reter salário de forma dolosa, não pode ser aplicado por analogia, sob pena de violação ao princípio da legalidade penal (nullum crimen, nulla poena sine lege).
A proposta da ADO 82/DF, nesse sentido, busca compelir o Legislativo a exercer sua competência e preencher o vácuo normativo. A decisão do Supremo Tribunal Federal, ao aplicar a teoria da concretude, estipulou um prazo de 180 dias para que o Congresso Nacional elabore a tipificação penal da conduta. Essa medida, embora necessária, lança luz sobre a fragilidade institucional do Brasil: um Poder empurrando o outro a cumprir seu papel, sob pena de comprometimento da funcionalidade do Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
Diante da omissão do Congresso Nacional em efetivar norma constitucional, o artigo 103, § 2º, da Constituição Federal estabelece que, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida necessária à concretização de preceito constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências cabíveis. Tratando-se de órgão administrativo, este deverá agir no prazo de trinta dias.
De forma harmônica, o artigo 12-H da Lei nº 9.868, de 1999, prescreve que, reconhecida a inconstitucionalidade por omissão, em conformidade com o disposto no artigo 22 da mesma lei, será igualmente dada ciência ao Poder competente. Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, o prazo para a adoção das providências será de trinta dias, salvo estipulação diversa pelo Supremo Tribunal Federal, em prazo razoável, a depender das circunstâncias específicas do caso e do interesse público envolvido.
Todavia, extrapolado o prazo estabelecido e persistindo o Congresso Nacional em mora qualificada, impõe-se a indagação: qual o papel da mais alta Corte do país diante desse silêncio que ecoa como injustiça institucionalizada?
Nesse cenário, não pode a sociedade civil adormecer por quase 37 anos, sob o falso consolo de que, um dia, o Poder Legislativo espontaneamente cumprirá seu dever constitucional. Quando os direitos fundamentais permanecem suspensos pela inércia legislativa, o tempo da Constituição não pode aguardar o tempo da política.
Assim, a meu juízo, é dever do Supremo Tribunal Federal suprir as omissões legislativas que impeçam o exercício pleno dos direitos constitucionais, não como legislador ordinário, mas como guardião maior da Constituição da República. Sua atuação deve ser supletiva, excepcional e alicerçada na efetivação dos direitos fundamentais e na proteção da dignidade da pessoa humana, pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito.
O STF, nesse contexto, não invade competências, mas preenche vazios normativos com o sopro vital da justiça, impedindo que a omissão se converta em instrumento de negação de direitos. Seu papel é o de sentinela da Constituição, que, diante da omissão do dever, faz ressoar a força normativa da Carta Maior, restaurando o equilíbrio institucional e salvaguardando os direitos do povo brasileiro.
A existência de projetos de lei sobre a matéria, conforme jurisprudência da Corte, não elide o estado de mora constitucional. Ademais, o crime de retenção dolosa do salário, vislumbrado pelo constituinte originário, não parece se ajustar perfeitamente ao tipo penal da apropriação indébita (CP, art. 168).
No caso em testilha, a omissão legislativa é mais que uma ausência normativa: é uma negação da cidadania, uma afronta à ordem constitucional e uma traição silenciosa ao trabalhador. Quando o Judiciário assume o papel de protagonista diante do vácuo deixado pelo Legislativo, não se trata de glória, mas de emergência — um socorro constitucional.
A ADO 82/DF não é apenas um processo: é um grito institucional contra o descaso, uma tentativa de restaurar a justiça onde o tempo e a política falharam. Não se pode falar em democracia sólida quando o direito à dignidade do trabalho é esquecido nos corredores legislativos.
Por fim, que o eco da Constituição prevaleça sobre o silêncio das omissões e que o Brasil reencontre, entre seus Poderes, o pacto perdido da responsabilidade e da justiça. O ativismo judicial não deve ser escolha, mas exceção. Que a lei volte a nascer no Parlamento — e que a toga não precise mais fazer o papel da pena.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 82 (ADO 82). Relator: Min. Roberto Barroso. Julgamento em 21/06/2023. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: jun. 2025.
O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT.