RESUMO
O presente artigo analisa, sob uma perspectiva técnico-jurídica, a aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro, seus fundamentos constitucionais e suas restrições jurisprudenciais. Partindo de uma abordagem doutrinária e jurisprudencial, o texto apresenta a evolução histórica do princípio, sua função como filtro de tipicidade material e sua tentativa de positivação no Anteprojeto de Reforma do Código Penal (PL nº 236/2012). Também são abordadas as principais súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que limitam a aplicação do princípio, especialmente em crimes contra a Administração Pública, nas relações domésticas (Lei Maria da Penha) e em delitos de radiodifusão clandestina. Por fim, realiza-se uma análise crítica acerca da atuação da autoridade policial como agente de contenção de injustiças penais, destacando a importância do reconhecimento da atipicidade material ainda na fase investigativa.
Palavras-chave
Princípio da Insignificância. Direito Penal. Tipicidade Material. Reforma Penal. STJ. Atuação Policial. Intervenção Mínima. Justiça Criminal.
INTRODUÇÃO
A missão fundamental do Direito Penal reside na proteção dos bens jurídicos mais relevantes à preservação da ordem social. Diante desse propósito, torna-se inaceitável a utilização do aparato repressivo estatal para tutelar condutas que não representem perigo efetivo e concreto a esses bens jurídicos fundamentais.
Nessa linha, ganha protagonismo o Princípio da Insignificância, ou da Bagatela, construído pela doutrina e sedimentado pela jurisprudência pátria, como verdadeiro filtro de tipicidade material. O Direito Penal, regido pelos postulados da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade, deve se abster de criminalizar condutas ínfimas, reservando-se às situações que efetivamente violem os valores mais sensíveis do ordenamento jurídico.
Como bem ressalta o Professor Jeferson Botelho, “as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa somente devem ser aplicadas quando imprescindíveis para a realização dos fins preventivos e ressocializadores da norma penal”. A materialização desse pensamento se encontra no núcleo do princípio da insignificância.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
O princípio da insignificância ainda carece de positivação expressa no Código Penal Brasileiro vigente, porém, vem sendo amplamente discutido na doutrina e aplicado de forma concreta pelos Tribunais Superiores.
No Anteprojeto de Reforma do Código Penal (PL nº 236/2012), atualmente em tramitação no Congresso Nacional, o princípio foi expressamente previsto no artigo 28, §1º, estabelecendo três requisitos cumulativos para sua aplicação:
Art. 28, §1º – PL nº 236/2012:
“Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:
a) mínima ofensividade da conduta do agente;
b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.”
Tal previsão legislativa objetiva consolidar o princípio da insignificância no corpo normativo, alinhando-se aos postulados constitucionais da proporcionalidade e da intervenção mínima, e visando maior segurança jurídica.
LIMITAÇÕES JURISPRUDENCIAIS: SÚMULAS RESTRITIVAS DO STJ
Embora a doutrina majoritária defenda a ampla aplicação do princípio da insignificância, a jurisprudência pátria impôs limitações importantes por meio de súmulas vinculantes editadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
SÚMULA 599/STJ:
“O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública.”
SÚMULA 589/STJ:
“É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.”
SÚMULA 606/STJ:
“Não se aplica o princípio da insignificância aos casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência que caracterizam o fato típico previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.”
Tais enunciados demonstram a preocupação do Poder Judiciário em preservar a efetividade da tutela penal em casos considerados de maior gravidade ou com repercussão social expressiva.
ANÁLISE CRÍTICA
A aplicação do princípio da insignificância no Brasil revela um paradoxo jurídico: enquanto avança como cláusula de justiça material, enfrenta barreiras normativas e jurisprudenciais que limitam seu alcance.
Do ponto de vista técnico, a interpretação restritiva do princípio pode gerar distorções no sistema penal, ampliando a criminalização de condutas que, por sua própria essência, não deveriam ser objeto da repressão estatal. Ao impor sanções penais a condutas de mínima ofensividade, o Estado sobrecarrega o sistema de justiça criminal, compromete os recursos públicos e desvirtua o verdadeiro sentido de proteção social.
Nesse cenário, destaca-se o papel da autoridade policial como primeiro filtro de legalidade, justiça e racionalidade penal. O Professor Jeferson Botelho, com propriedade, afirma:
“Verificada a inexpressividade da lesão ao bem jurídico protegido e a baixa censurabilidade do comportamento do agente, além da ínfima inofensividade da conduta humana, não há porque a intervenção do Direito Penal nessas questões ínfimas. Se não há tipicidade penal, por via de consequência, não há que se falar em crime, devendo esse fato ser reconhecido de plano quando da apreciação jurídica por parte da autoridade policial, agente público essencial na promoção da justiça, comprometido com os ideais de justiça e escudo protetor da sociedade com dedicação em questões equânimes e fundamentais na permanência dos ditames da justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.”
CONCLUSÃO
O princípio da insignificância penal representa uma cláusula essencial de contenção do poder punitivo estatal, garantindo a racionalidade do Direito Penal e evitando a banalização da sanção criminal.
Sua aplicação, entretanto, deve ser conduzida com critério técnico, respeito aos limites constitucionais e sensibilidade social, a fim de não desvirtuar sua essência.
A autoridade policial, como porta de entrada do sistema de justiça, assume protagonismo fundamental na identificação e exclusão de condutas materialmente atípicas, reafirmando seu papel constitucional de escudo da sociedade, promotor da justiça e guardião dos direitos fundamentais.
Por fim, como bem ensina o Professor Jeferson Botelho, “não há espaço para o Direito Penal nas miudezas da vida cotidiana, onde o conflito pode e deve ser resolvido em outras esferas jurídicas, mais adequadas e proporcionais.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOTELHO, Jeferson. Princípio da insignificância penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3185, 11 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21854. Acesso em: 17 jun. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei nº 236, de 2012. Dispõe sobre o Código Penal. Senado Federal, Brasília, DF, 2012.
BRASIL. O presente texto passou por ajustes estruturais e terminológicos para fins de adequação técnica e argumentativa. Fonte: ChatGPT. Acesso em 17 de junho de 2025;
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas 589, 599 e 606.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2022.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18. ed. São Paulo: Forense, 2023.