Brasil, Sangue e Silêncio: O Paradoxo de uma Lei Forte e uma Cultura Fraca.

20/06/2025 às 13:25
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RESUMO

O Brasil encerrou o ano de 2024 com um recorde macabro: 1.459 feminicídios, uma média de quatro mulheres assassinadas por dia apenas por serem mulheres. Este artigo faz uma análise jurídico-social aprofundada sobre a escalada da violência de gênero no país, refletindo sobre o aparente paradoxo de possuir uma das legislações mais avançadas do mundo — a Lei Maria da Penha — e, ao mesmo tempo, ostentar índices alarmantes de feminicídio. A pesquisa aborda a evolução legislativa, os tratados internacionais ratificados, as recentes alterações no Código Penal e na Lei 14.994/2024, e propõe uma mudança de paradigma cultural, educacional e estrutural para o enfrentamento definitivo deste fenômeno. Na conclusão, ecoa o pensamento do Professor Jeferson Botelho, que sonha com o dia em que a Lei Maria da Penha seja apenas uma memória histórica, porque os homens terão aprendido a respeitar as mulheres por consciência e não por imposição legal.

Palavras-chave: Feminicídio; Violência de Gênero; Lei Maria da Penha; Direitos Humanos; Cultura da Paz; Transformação Social; Brasil; Políticas Públicas.

INTRODUÇÃO: ENTRE LEIS DE FERRO E UMA CULTURA DE VIDRO

O ano de 2024 entrou para as páginas mais tristes da história brasileira. Foram 1.459 casos de feminicídio, segundo o “Mapa da Segurança Pública de 2025”, divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Trata-se de um índice brutal: quatro mulheres assassinadas por dia, apenas por existirem enquanto mulheres. Um país que, ao mesmo tempo em que avança no campo normativo, retrocede nos índices de civilidade.

Desde a promulgação da Lei nº 11.340/2006, a famosa Lei Maria da Penha, o Brasil tem ampliado seu arcabouço jurídico para proteger os direitos fundamentais das mulheres. Logo em seu artigo introdutório, a lei reafirma a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, alinhando-se ao § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e à Convenção de Belém do Pará.

O Código Penal também seguiu esse caminho, primeiro com a inclusão da qualificadora objetiva no § 2º do artigo 121, pela Lei nº 13.104/2015, e mais recentemente com a criação do tipo penal autônomo do feminicídio, pelo artigo 121-A, inserido pela Lei nº 14.994/2024, prevendo penas severas de 20 a 40 anos de reclusão.

Apesar desses avanços legislativos e do reconhecimento internacional — a ONU classificou recentemente a Lei Maria da Penha como a terceira melhor lei de proteção dos direitos da mulher no mundo, atrás apenas do Chile e da Espanha — o Brasil amarga a quinta posição no ranking mundial de feminicídios.

ANÁLISE CRÍTICA: O PARADOXO BRASILEIRO – LEI FORTE, SOCIEDADE FRÁGIL

O paradoxo é gritante: temos uma das legislações mais modernas e abrangentes do mundo, mas continuamos produzindo estatísticas que nos envergonham diante da comunidade internacional.

Como explicar essa contradição? A resposta exige uma análise profunda, que ultrapassa os limites do Direito Penal e invade os campos da psicologia social, da educação, da cultura e das políticas públicas.

A efetividade de uma lei não se mede apenas pela sua redação ou pela gravidade da pena prevista, mas sobretudo por sua capacidade de transformar comportamentos. E é justamente aí que o Brasil tem falhado.

A cultura machista, estruturalmente enraizada, resiste como uma rocha à maré legislativa. Campanhas de conscientização ainda são tímidas. Políticas de educação de gênero nas escolas enfrentam resistência ideológica. O sistema de justiça, sobrecarregado e muitas vezes ineficaz, falha na proteção da mulher em situação de risco.

Ademais, a falta de infraestrutura para abrigos, centros de atendimento e redes de apoio reforça a vulnerabilidade da vítima. O feminicídio, nesse cenário, deixa de ser apenas um ato isolado de violência e se torna um sintoma de uma sociedade adoecida.

A criação do tipo penal autônomo de feminicídio foi um avanço jurídico incontestável, mas sua eficácia depende de uma mudança cultural profunda, que ainda parece distante.

CONCLUSÃO: UM SONHO DE IGUALDADE QUE PRECISA SER REALIDADE

Diante desse cenário, o Brasil precisa, mais do que nunca, sair da retórica e partir para ações efetivas. É hora de uma cruzada nacional pela educação para a igualdade de gênero, pela efetiva proteção das vítimas, pela responsabilização célere dos agressores e pela desconstrução de paradigmas que naturalizam a violência contra a mulher.

O Professor Jeferson Botelho, com sua visão humanista e jurídica, sintetiza um ideal que precisa ecoar na consciência nacional:

“Sonho com o dia em que a Lei Maria da Penha será apenas uma lembrança de um tempo de barbárie. Um tempo em que a proteção da mulher será desnecessária por força de lei, porque os homens terão aprendido, por convicção moral e não por imposição legal, a respeitar os direitos, a dignidade e a liberdade das mulheres. Espero que esse sonho não seja uma utopia eterna, mas uma realidade próxima, palpável e definitiva.”

Que esse não seja apenas um desejo lírico, mas um compromisso de Estado e de sociedade. Que o Brasil, em sua plenitude constitucional, se erga contra a violência de gênero, não apenas com leis, mas com ações, educação e transformação de mentalidades.

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Porque mais que punir o agressor, é preciso prevenir o crime, salvar vidas e restaurar a dignidade perdida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio.

BRASIL. Lei nº 14.994, de 18 de abril de 2024. Institui o tipo penal autônomo de feminicídio.

CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994.

CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Organização das Nações Unidas, 1979.

ONU. Relatório Global de Gênero e Segurança – 2025.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Mapa da Violência Contra a Mulher no Brasil. Brasília, 2025.

Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 19 de junho de 2025.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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