RESUMO
O presente artigo analisa juridicamente e eticamente o crime de maus-tratos e o abandono de animais nas vias públicas das cidades brasileiras, fenômeno crescente e brutal que reflete a falência moral e funcional de parte da sociedade e do Poder Público. A proteção aos animais está consagrada no ordenamento jurídico brasileiro e em tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (Convenção de Bruxelas). O artigo destaca o papel omissivo de gestores públicos, cuja inércia, à luz do artigo 13, §2º do Código Penal, pode configurar conduta penalmente relevante. A prática de maus-tratos se manifesta tanto nos atos cruéis quanto na negligência deliberada, como o abandono. Ao final, reforça-se a necessidade de políticas públicas efetivas, educação ambiental e punição severa aos autores de tais atrocidades.
Palavras-chave:
Maus-tratos. Abandono de animais. Dignidade animal. Responsabilidade penal. Omissão do poder público. Proteção ambiental. Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
INTRODUÇÃO – Quando o silêncio grita e a omissão sangra
Num país onde a indiferença virou hábito e a crueldade se disfarça de rotina, o abandono de animais é uma ferida aberta na alma da civilização. Seres sencientes, dotados de vida, afeto e sofrimento, são lançados às ruas como entulho descartável, à margem da dignidade, do respeito e do amparo jurídico. Essa tragédia silenciosa é tão real quanto cotidiana.
A proteção aos animais não é luxo moral, tampouco agenda de nicho. É dever de toda a sociedade, expressão de um pacto civilizatório que reconhece a dignidade da vida em todas as suas formas. O legislador brasileiro, atento a essa realidade, criminalizou condutas como maus-tratos e abandono, estabelecendo penas rigorosas para quem viola tais princípios.
No entanto, o que se vê nas ruas das cidades é um retrato de horror: cães e gatos famintos, doentes, feridos, sendo invisibilizados por olhares apressados e gestões públicas omissas. O abandono não é apenas ato isolado de crueldade de indivíduos perversos. É, também, consequência da omissão sistemática de políticas públicas, da negligência de prefeitos, vereadores, governadores e até legisladores que deveriam atuar como defensores dos seres indefesos.
ANÁLISE CRÍTICA – O abandono animal como indicador de falência ética do Estado
A violência contra os animais é um reflexo direto da decadência de valores humanitários. Abandonar um animal é negar-lhe o direito à existência digna. É relegá-lo à dor, à fome, às doenças, aos atropelamentos, à violência de rua. Trata-se de um crime multifacetado, que se divide entre a ação direta do agressor e a omissão deliberada do gestor público.
O crime de maus-tratos não se limita à agressão física. A jurisprudência, a doutrina e os tratados internacionais reconhecem que a negligência, o abandono e a privação de necessidades básicas — como água, alimento e abrigo — configuram condutas criminosas com gravidade equiparada.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em Bruxelas (1978), reconhece em seu artigo 6º, alínea “a”, que “o abandono de um animal é um ato cruel e degradante”. Isso equivale a dizer que a omissão do Estado que assiste passivamente ao abandono coletivo de animais nas ruas é tão grave quanto o ato de quem os abandona pessoalmente.
DO CRIME DE MAUS-TRATOS
O crime de maus-tratos encontra previsão no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998, que define como crime o ato de abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena, em regra, é de detenção de 3 meses a 1 ano e multa, podendo ser agravada conforme a gravidade da conduta.
Quando se trata de cães e gatos, a pena é significativamente mais severa, passando a ser de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa e proibição da guarda. A lei também tipifica como maus-tratos a realização de experiências dolorosas, tatuagens ou piercings com fins estéticos.
Importante destacar que o abandono de um animal, à luz da Declaração de Bruxelas e da doutrina penal, configura uma forma cruel de maus-tratos. Largar um animal à própria sorte, sem acesso a alimento, água ou cuidados, é submetê-lo a sofrimento físico e psicológico, sendo juridicamente punível.
ANIMAIS ABANDONADOS NAS RUAS DA CIDADE
O abandono de animais nas ruas é uma chaga urbana que desafia os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. Segundo o artigo 225 da Constituição Federal, é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações — e os animais estão inquestionavelmente incluídos nesse conceito.
O gestor público que, por inércia, permite que animais vivam e morram nas ruas, famintos, doentes e vulneráveis, pode incorrer em responsabilidade penal por omissão relevante, conforme artigo 13, §2º, do Código Penal. Tal dispositivo estabelece que a omissão é penalmente relevante quando o agente tinha o dever legal de agir para evitar o resultado. Esse dever pode decorrer da função pública, da assunção voluntária de responsabilidade ou da criação de risco pela conduta anterior.
Assim, a omissão de prefeitos e secretários municipais, por exemplo, na criação e manutenção de políticas públicas de proteção animal — como castração, vacinação, abrigos e campanhas de adoção — pode ser juridicamente enquadrada como forma de maus-tratos por omissão dolosa ou culposa.
CONCLUSÃO – A omissão como ferida moral e jurídica de uma nação que sangra animais
A proteção dos animais não é uma gentileza — é um imperativo constitucional, ético e jurídico. Gatos, cachorros, equinos, aves e todos os seres sencientes que compartilham conosco o planeta são titulares do direito à existência digna.
O abandono de animais é uma forma repulsiva de crueldade. Praticado por indivíduos, é ato criminoso. Praticado por omissão do Estado, é crime institucional. A leniência diante desse quadro é inadmissível. A sociedade brasileira precisa despertar para a gravidade do problema, exigindo do poder público ações concretas e estruturantes.
A ausência de políticas públicas voltadas à causa animal, aliada à covardia de certos agentes políticos que se aproveitam do sofrimento dos inocentes para fins eleitoreiros, configura o estelionato moral da administração pública.
Animais abandonados não representam apenas uma tragédia para si mesmos, mas um risco para a coletividade. São vítimas e, ao mesmo tempo, peças expostas num cenário de omissão criminosa. Que a justiça, a compaixão e a lei caminhem juntas para, enfim, romper o silêncio que ecoa dos olhos tristes de cada animal abandonado nas ruas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 225.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 13, § 2º.
BRASIL. Lei de Crimes Ambientais. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Art. 32.
BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Art. 64.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. Proclamada em Bruxelas pela UNESCO, em 27 de janeiro de 1978.
FIÚZA, César. Direito Ambiental. Atlas, 2020.
ONU. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável — Objetivo 15: Vida terrestre.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. Forense, 2021.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 28 de junho de 2025.