Flanelinhas no Brasil: a ilegalidade que sobrevive da coerção e do medo

18/07/2025 às 22:02
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A presença dos flanelinhas nas grandes cidades brasileiras é uma realidade que mistura ilegalidade com conivência social. Embora, em tese, essas pessoas apenas cuidem de carros estacionados em via pública, algo que por si só não caracteriza crime, muitos acabam transformando esse “serviço informal” em prática extorsiva. Essa evolução se dá, frequentemente, por meio da intimidação, ameaças e até danos aos veículos caso o motorista se recuse a contribuir.

No campo jurídico, a atividade de guardar automóveis em áreas públicas sem licença pode ser considerada atípica. Porém, quando o guardador exige pagamento sob coação, ou ameaça implícita ou explícita, ele incorre em crimes graves, como extorsão (art. 158 do Código Penal) ou até constrangimento ilegal (art. 147). Casos emblemáticos, como a condenação de um flanelinha em Brasília a 12 anos de prisão por cobrar propina e danificar carro, evidenciam o caráter criminoso dessa prática quando baseada na força ou no medo.

A ilegalidade persiste com suporte da omissão estatal. Em São Paulo e Rio, locais de grande fluxo, como estádios, eventos e centros comerciais, tornaram-se território fértil para isso. Muitos motoristas pagam por medo de represálias ou por vergonha de contestar, acreditando ser mais “barato” dar dinheiro do que lidar com possíveis danos futuros ao veículo. Essa lógica, infelizmente, fortalece os flanelinhas enquanto a fiscalização falha.

Relatos em redes sociais denunciando ameaças, como impedir a saída do carro, danificar a lataria ou rasgar pneus, comprovam que negar a contribuição expõe o cidadão a riscos concretos. Essa coerção, que ocorre mesmo frente a agentes públicos, demonstra que o flanelinha atua respaldado tanto pela cultura de tolerância quanto por uma imagem de impunidade.

A iniciativa legislativa em tramitação na Câmara, proposta pelo deputado General Pazuello, visa justamente tipificar como crime a extorsão por guardadores informais, com pena de 2 a 8 anos e agravantes em caso de violência velada ou vítima vulnerável. Essa proposta busca dar voz ao cidadão e responsabilizar quem se apropria indevidamente do espaço público, convertendo uma prática informal em crime tipificado.

Enquanto isso, a sociedade urbana está dividida. Muitos enxergam nos flanelinhas alguém que oferece um “serviço” essencial, especialmente em áreas sem estacionamento organizado. Outros enxergam extorsão pura, um tipo de crime cotidiano que corrói a confiança pública e reforça a ideia de que, em vez de ordem, vivemos em zonas de permissividade.

O ponto central é que negar pagamento deveria ser um direito. Recusar sem sofrer consequências desagradáveis, retaliação, danos ou ameaças é parte do pacto social de convivência nas cidades. A atuação do Estado, por seu lado, precisa ser firme: a criminalização adequada, combinada a campanhas educativas e presença policial, é vital para que essa prática deixe de existir em condições de normalidade.

É urgente construir mecanismos de resposta rápida: denunciar flanelinhas ameaçadores, notificar prefeituras, pressionar por fiscalização e apoiar legislações que transformem abuso em crime. Só com ações coordenadas será possível destituir o flanelinha daquele falso poder de patrulheiro de rua, devolvendo ao cidadão a tranquilidade e a segurança que deveria ter ao estacionar seu carro.

Por fim, é preciso resgatar a dignidade do motorista que, muitas vezes constrangido, acaba reforçando o ciclo extorsivo por medo ou pena, uma pena institucionalizada que não deveria existir. O espaço urbano não pode ser mercado livre para intimidação. Quando o medo vira moeda nas ruas, o direito de estacionar vira luxo, e o cidadão, alvo em seu próprio chão.

Sobre o autor
Gabryel Fraga Lima

Estagiário de Pós-Graduação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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