Resumo: O presente artigo busca compreender, com profundidade inédita, as ações recentes dos Estados Unidos da América direcionadas a conter, enfraquecer e influenciar os países membros do BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, configurando uma ameaça persistente à soberania econômica e política dessas nações. O estudo se fundamenta em uma abordagem interdisciplinar, combinando economia política internacional, teoria crítica das relações internacionais e análise empírica de políticas comerciais, financeiras e diplomáticas. Por meio da identificação das estratégias explícitas e implícitas implementadas por Washington para limitar a ascensão do BRICS, o artigo examina as tentativas de deslegitimar iniciativas como a desdolarização, a expansão do Banco dos BRICS e o aumento da influência do grupo no Sul Global. Argumenta-se que as práticas coercitivas dos EUA refletem um padrão clássico de hegemonia defensiva, revelando a fragilidade do sistema internacional liberal diante do avanço da multipolaridade. O texto ainda discute as respostas institucionais e políticas adotadas pelos Estados do BRICS para reforçar sua coesão interna, aumentar sua autonomia estratégica coletiva e consolidar alternativas ao domínio monetário e diplomático norte-americano. Ao longo da análise, demonstra-se que a resiliência desses emergentes não é apenas reação à pressão externa, mas uma oportunidade histórica para promover justiça econômica global e afirmar princípios de autodeterminação dos povos.
Palavras-chave: BRICS. Soberania. Hegemonia Americana. Desdolarização. Multipolaridade. Guerra Econômica. Coesão do Sul Global. Resiliência.
Introdução
A emergência do BRICS como bloco político e econômico articulador de uma nova ordem multipolar desafia, desde sua formação em 2009, os fundamentos do sistema internacional sob hegemonia norte-americana. Composto por cinco países que representam cerca de 40% da população mundial e mais de 25% do PIB global, o BRICS passou de um acrônimo econômico para um fórum político capaz de propor reformas nas instituições financeiras internacionais, questionar o monopólio do dólar nas transações internacionais e dar voz às demandas do Sul Global. Essa trajetória, contudo, tem gerado crescente desconforto em Washington, sobretudo após a consolidação de iniciativas como o Banco dos BRICS, o sistema de pagamentos do BRICS, as discussões sobre a criação de uma moeda comum e o progressivo abandono do dólar em transações bilaterais — fenômeno conhecido como desdolarização. Durante o governo de Donald Trump, a reação americana ao fortalecimento do bloco ganhou contornos agressivos, combinando tarifas punitivas, pressões diplomáticas, sanções seletivas e campanhas para dividir politicamente seus membros. Em 2025, essas ações foram intensificadas, com a justificativa formal de proteger os interesses nacionais e a estabilidade financeira internacional. Na prática, contudo, as medidas foram amplamente interpretadas como tentativas de minar a autonomia do BRICS, enfraquecer sua coesão interna e preservar a hegemonia americana sobre as instituições multilaterais e os mercados globais. Este artigo tem por objetivo mapear as dinâmicas contemporâneas de interferência dos EUA nos países do BRICS, evidenciar os mecanismos de resistência e resiliência adotados pelo bloco e analisar como essas disputas refletem um momento crucial de transição para uma ordem internacional menos assimétrica e mais representativa. Para isso, a análise se organiza em três partes: um diagnóstico dos mecanismos de interferência, um exame dos impactos sobre a soberania e a coesão do bloco e uma avaliação das estratégias de resiliência em curso.
1. Mecanismos de Interferência Americana sobre o BRICS
Os EUA recorreram ao aumento unilateral de tarifas sobre produtos exportados por países do BRICS, alegando práticas comerciais desleais. Além disso, intensificaram sanções financeiras a bancos, estatais e empresas de infraestrutura vinculadas ao bloco, com foco especial em setores estratégicos como energia, tecnologia e defesa. Tais medidas geram impactos imediatos na capacidade de financiamento e na estabilidade macroeconômica dos países atingidos, obrigando-os a redirecionar fluxos comerciais e a buscar alternativas de liquidez fora do sistema financeiro ocidental.
A diplomacia americana mobilizou recursos para isolar politicamente o BRICS em organismos multilaterais, promovendo narrativas que associam o bloco a ameaças à “ordem baseada em regras” e a riscos para a estabilidade financeira global. Ao mesmo tempo, Washington procura dividir o grupo por meio de acordos bilaterais seletivos, oferecendo concessões comerciais ou vantagens financeiras a países dispostos a distanciar-se das pautas coletivas do BRICS, explorando as assimetrias e interesses divergentes entre seus membros.
Um dos fatores centrais da ofensiva americana contra o BRICS é o temor crescente da desdolarização. À medida que mais países passam a realizar transações comerciais e financeiras em moedas locais ou alternativas ao dólar, a capacidade dos EUA de financiar seu déficit externo, controlar fluxos monetários globais e impor sanções eficazes diminui significativamente. Para Trump e sua administração, a desdolarização ameaça a espinha dorsal da hegemonia americana, justificando a adoção de medidas coercitivas como forma de retardar ou inviabilizar o processo.
2. Impactos sobre a Soberania e Coesão do BRICS
A ofensiva americana impôs custos elevados aos países do BRICS, limitando sua capacidade de implementar políticas econômicas autônomas e aumentando sua vulnerabilidade a oscilações externas. Restrições ao crédito internacional e a interrupção de cadeias de fornecimento penalizaram os setores produtivos estratégicos dos membros, reduzindo suas margens de manobra.
As assimetrias estruturais entre os membros do BRICS tornam o grupo suscetível a pressões externas. As iniciativas americanas buscam explorar essas diferenças, fomentando divisões internas que minam a capacidade do bloco de atuar de forma coordenada. O risco é que a fragmentação política comprometa avanços em áreas como integração financeira, investimentos conjuntos e representação multilateral.
Os ataques americanos à desdolarização e ao Banco dos BRICS ameaçam diretamente os esforços para criar uma arquitetura financeira paralela à do Ocidente. Sanções a bancos participantes e campanhas para deslegitimar tais projetos visam desestimular investimentos e reduzir a confiança internacional nas iniciativas do bloco.
3. Estratégias de Resiliência e Perspectivas Futuras
Em resposta às pressões, os membros do BRICS têm ampliado a institucionalização de mecanismos próprios, como a capitalização do Banco dos BRICS, a criação de fundos de estabilização em moedas locais e o desenvolvimento de um novo sistema para pagamentos internacionais.
O bloco intensificou a busca por parcerias com outras economias emergentes do Sul Global e reforçou alianças regionais, ampliando sua base de apoio internacional e aumentando seu peso negociador em fóruns multilaterais.
Por fim, o BRICS acelerou as discussões sobre a criação de uma moeda comum para transações comerciais internas e externas, bem como a ampliação do uso das moedas nacionais, reduzindo gradualmente sua dependência do dólar e mitigando os efeitos de sanções americanas.
Conclusão
As ações coercitivas dos Estados Unidos contra os países do BRICS evidenciam, em toda a sua complexidade, um padrão clássico de hegemonia defensiva, característico de potências em declínio relativo no sistema internacional. Ao lançar mão de tarifas punitivas, sanções direcionadas, pressões diplomáticas e campanhas de desinformação para minar a coesão do bloco, Washington demonstra a importância que atribui ao controle sobre a arquitetura financeira global — com destaque para a centralidade do dólar como moeda de reserva internacional e meio de pagamento quase universal. A escalada dessas ações nos últimos anos reflete não apenas a preocupação com o avanço econômico e geopolítico do BRICS, mas também um receio existencial de que a desdolarização e a institucionalização de mecanismos alternativos fragilizem irremediavelmente os instrumentos tradicionais de poder dos EUA. O medo de perder a capacidade de financiar déficits por meio da emissão monetária, de impor sanções financeiras eficazes e de moldar os fluxos comerciais mundiais está no cerne da resposta agressiva americana.
Para os países do BRICS, entretanto, a conjuntura atual deve ser encarada não apenas como um teste à sua resiliência coletiva, mas sobretudo como uma oportunidade histórica para avançar em um projeto de transformação sistêmica. A pressão externa, por mais dura que seja, tem forçado o bloco a acelerar reformas internas, ampliar a institucionalização de suas iniciativas e aprofundar a integração financeira e comercial entre os membros e com o Sul Global. O fortalecimento do Banco dos BRICS, a criação de mecanismos como o BRICS Pay, a intensificação das discussões sobre uma moeda comum e o aumento da participação de novos membros refletem uma estratégia deliberada de longo prazo para reduzir a dependência do dólar, diversificar alianças e construir uma governança econômica mais equitativa e representativa.
Além disso, a luta pela preservação da soberania nacional e coletiva no seio do BRICS deve ser interpretada como parte de um movimento mais amplo por justiça econômica global. A ordem liberal internacional, moldada para servir aos interesses do Atlântico Norte, mostrou-se incapaz de atender às aspirações legítimas dos países em desenvolvimento, perpetuando desigualdades estruturais e limitando a autonomia política e econômica de vastas regiões. Nesse sentido, a resistência do BRICS e sua agenda de reformas representam uma alternativa concreta a um modelo excludente e hierárquico.
Transformar vulnerabilidade em protagonismo requer visão estratégica, paciência histórica e coesão interna. Os países do BRICS precisarão não apenas reforçar sua capacidade técnica e financeira para implementar projetos ambiciosos, mas também mobilizar legitimidade política junto às suas populações e aos parceiros internacionais. É preciso superar assimetrias internas, mitigar desconfianças recíprocas e alinhar prioridades para que a soma de suas forças seja maior do que a mera agregação de interesses nacionais. A desdolarização, por exemplo, não é apenas uma meta técnica, mas um símbolo poderoso de autonomia coletiva, que exige confiança política, estabilidade macroeconômica e coordenação institucional robusta.
Por fim, o momento histórico atual impõe a necessidade de redefinir as bases da ordem mundial a partir de princípios de solidariedade, equidade e respeito à autodeterminação dos povos. A resiliência do BRICS, portanto, não deve ser vista como mero reflexo defensivo frente às pressões americanas, mas como a construção consciente de um novo paradigma internacional — mais justo, menos assimétrico e verdadeiramente multipolar. É nessa encruzilhada entre resistência e renovação que reside a verdadeira força dos emergentes. O sucesso dessa empreitada não apenas beneficiará os Estados-membros, mas também abrirá caminhos para outros países do Sul Global participarem de uma ordem internacional mais inclusiva e sustentável.