A substituição de magistrado nas comarcas, ainda que medida legítima e necessária à manutenção da regularidade da prestação jurisdicional, revela-se, na prática, como fator gerador de consequências negativas que comprometem princípios fundamentais do Direito Processual Penal, notadamente a razoável duração do processo, a segurança jurídica, a paridade de armas entre as partes e a efetividade da tutela jurisdicional.
É recorrente a constatação de que o cancelamento ou a remarcação de audiências de instrução e julgamento decorrem da vacância na titularidade da unidade jurisdicional e da consequente designação de magistrado substituto. A necessidade de adaptação desse novo magistrado ao contexto dos autos e ao calendário previamente estabelecido ocasiona inevitável desequilíbrio nos prazos processuais. Ainda que o Código de Processo Civil admita a realização de audiências por videoconferência, tal medida não tem logrado, na prática, suprir as exigências de celeridade e segurança jurídica de forma eficaz e uniforme.
A flexibilização dos prazos processuais, sobretudo após o advento do CPC de 2015, passou a admitir justificativas variadas, tais como dificuldades logísticas, complexidade das causas ou situações excepcionais, conforme previsto nos artigos 222 e seguintes. Essa permissividade, somada à substituição de magistrados, autoriza sucessivos pedidos de dilação temporal por ambas as partes, retardando sobremaneira o desenvolvimento regular do processo e, por consequência, comprometendo sua duração razoável.
Outro reflexo sensível da substituição de juízes refere-se ao relaxamento precoce de prisões preventivas ou temporárias, frequentemente convertidas em medidas cautelares diversas. Considerando que, segundo entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, inexiste prazo legal máximo para a vigência dessas medidas, há risco concreto de sua manutenção por tempo indefinido, sem definição objetiva acerca de seu termo final, circunstância que afronta diretamente os princípios constitucionais da presunção de inocência e da liberdade individual, insculpidos nos incisos LVII e LXII do artigo 5º da Constituição Federal.
Em termos de segurança jurídica, a substituição abrupta do magistrado titular fragiliza o princípio da confiança legítima depositada pelas partes no juízo natural previamente estabelecido, prejudicando a continuidade da estratégia probatória e a condução uniforme dos atos processuais. A doutrina especializada, especialmente no campo dos litígios de alta complexidade, ressalta que a figura do juiz titular representa elemento de estabilidade e previsibilidade indispensáveis, ambos gravemente comprometidos quando substituições improvisadas geram decisões desconexas ou contraditórias com o histórico processual.
Sob a ótica do princípio do juiz natural, não se questiona a legitimidade formal da substituição de magistrado, desde que observados os parâmetros legais e aleatoriedade na designação, conforme sedimentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na prática, essa substituição frequentemente precede pedidos reiterados de adiamento, enfraquece a autoridade judicial estabelecida, altera rumos probatórios já traçados e enfraquece a célula acusatória, gerando insegurança não apenas para o órgão acusador, mas também para a defesa.
Ainda que a jurisprudência reconheça inexistir ofensa ao juiz natural em tais situações, desde que respeitado o juízo competente, os impactos concretos permanecem inegáveis. Cada novo magistrado demanda tempo para conhecer os autos e absorver as particularidades do processo, gerando riscos de incoerência entre os atos já praticados e os que se seguirão. Tal situação é notória em mutirões judiciais ou em substituições emergenciais, onde os prazos são extremamente reduzidos e a urgência é a regra.
Quanto ao cancelamento de audiências, já existem precedentes que reconhecem a necessidade de novo agendamento e de criação de marcos processuais adequados, ainda que não decorrentes de culpa das partes. A remarcação, todavia, invariavelmente induz à fixação de novos prazos, cada vez mais elásticos desde o CPC/2015, impactando negativamente o contraditório e comprometendo a paridade entre acusação e defesa.
Especial destaque merece o fenômeno do relaxamento excessivo de prisões preventivas. Fundamentadas em cláusulas abertas, como gravidade do delito, garantia da ordem pública ou conveniência da instrução, essas prisões vêm sendo flexibilizadas diante da substituição de magistrado, que, por vezes, adota postura excessivamente cautelosa por não dispor de pleno conhecimento dos autos, optando pela concessão de liberdade provisória ou pela imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
O efeito prático dessa realidade é paradoxal: ao invés de imprimir celeridade ao feito, verifica-se aumento da morosidade para a prolação de decisão meritória, além do prolongamento indefinido de medidas restritivas sem definição objetiva de seus limites. Conforme entendimento recente do STJ, a ausência de prazo máximo para vigência de medidas cautelares acarreta risco de perpetuação de restrições, ofendendo a duração razoável do processo, fomentando embates processuais e corroendo a credibilidade da resposta penal estatal.
Essa desarticulação entre atos, prazos e autoridade judicial é incompatível com a segurança jurídica exigida pelo artigo 926 do CPC, que impõe aos tribunais o dever de assegurar uniformidade, integridade e coerência da jurisprudência. Na prática, cada juízo substituto pode adotar entendimento diverso acerca da necessidade ou da adequação das medidas cautelares, potencializando desigualdades regionais e iniquidades processuais entre réus em situações semelhantes.
Diante desse cenário, impõe-se a formulação de diretrizes objetivas e normativas, visando mitigar os impactos negativos da substituição de magistrados, dentre as quais se destacam:
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Estabelecimento de normas internas prevendo prazo máximo de vacância judicial inferior a 10 dias, com designação antecipada de magistrados substitutos ou remessa imediata dos feitos ao juízo adjunto.
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Ratificação automática de todos os atos processuais já praticados, salvo vício de forma ou conteúdo que prejudique o contraditório ou a isonomia processual.
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Limitação expressa da flexibilização de prazos processuais, especialmente nos casos em que o réu se encontra em liberdade, exigindo fundamentação concreta e circunstanciada para qualquer dilação.
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Fixação de prazo máximo para a vigência de medidas cautelares diversas da prisão, a exemplo do que já ocorre com a prisão temporária ou com medidas protetivas de urgência.
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Padronização da atuação dos magistrados substitutos, com orientações formais da Corregedoria-Geral de Justiça, assegurando a realização de atos urgentes, preferencialmente por videoconferência ou em estrutura local previamente habilitada.
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Monitoramento institucional permanente dos efeitos da substituição de magistrados, mediante levantamento de dados e indicadores sobre audiências canceladas, prazos prorrogados e medidas cautelares decretadas ou relaxadas, com publicação periódica de relatórios públicos.
Em conclusão, a substituição de magistrados, embora se configure como mecanismo necessário à continuidade da atividade jurisdicional, demanda disciplina normativa rigorosa para que seus efeitos não comprometam os princípios constitucionais e processuais penais fundamentais. A adoção de medidas administrativas, regulamentares e estruturais, além da atuação proativa das corregedorias, mostra-se imprescindível para assegurar a efetividade do sistema de justiça penal, preservando-se a duração razoável do processo, a segurança jurídica e a igualdade de tratamento entre os jurisdicionados.