O regulamento interno de licitações e contratos das empresas estatais e a possibilidade ou não de utilizar a Lei nº 14.133/2021

31/07/2025 às 17:03
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Resumo: Este artigo analisa os limites e possibilidades de utilização da Lei nº 14.133/2021 pelas empresas estatais regidas pela Lei nº 13.303/2016. A partir da análise legislativa, doutrinária e jurisprudencial, sobretudo de julgados recentes do Tribunal de Contas da União (TCU), busca-se responder em que medida as estatais podem aplicar dispositivos da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e quais cuidados devem ser observados na atualização dos regulamentos internos dessas entidades.

Palavras-chave: Empresa Estatal. Licitação. Contratação. Lei nº 13.303/2016 (Leis das Estatais). RILC. Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021). TCU.


1. INTRODUÇÃO

A promulgação da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) representou um marco normativo para empresas públicas e sociedades de economia mista. Seu objetivo é conferir maior governança, controle e transparência nas contratações dessas entidades.

Da mesma forma, com o advento da Lei nº 14.133/2021, novo regime geral das licitações, surgiram dúvidas quanto à sua aplicabilidade às estatais.


2. ANÁLISE JURÍDICA

A Lei das Estatais possui caráter especial e, conforme o art. 1º, §1º, da Lei nº 14.133/2021, essas entidades não estão submetidas à nova legislação geral. O dispositivo é claro ao afirmar que empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias estão excluídas do escopo da NLLC, excetuando-se as cláusulas penais do art. 178.

A Lei das Estatais 13.303/2016 trouxe uma série de mudanças no âmbito do Direito Administrativo tratando o estatuto jurídico de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, abrangendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Portanto, temos aqui uma lei específica para as Estatais, que veio servir de norte para sua gestão, e, dentre as principais mudanças, destacam-se as licitações e contratações.

Apesar da exclusão formal, muitas empresas estatais passaram a aplicar, por analogia, de forma subsidiária, institutos da nova lei geral. Ressata-se que o TCU reconheceu essa prática, como se observa no Acórdão nº 533/2022 – Plenário, vejamos:

“16.10. Em que pese a Lei 14.133/2021 não ser diretamente aplicável ao caso, já que o Banco do Brasil foi constituído na forma de sociedade de economia mista, a recepção do credenciamento pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos evidencia que tal instituto é relevante e se coaduna com o interesse público. Vale assinalar que, tradicionalmente, o ordenamento pátrio se mostra mais restritivo nas contratações pela administração direta. Nesse sentido, parece ser razoável que a jurisprudência desta Corte se posicione pela validade de tal instituto também para as estatais, apesar de não constar do texto da Lei 13.303/2016 .”

( Acórdão nº 533/2022 – Plenário ) (GRIFO NOSSO)

Não obstante, o próprio TCU, em processo mais recente, agora em 2025, sob a relatoria do Ministro Benjamin Zymler (Acórdão 1.008/2025 – Plenário), revisitou o tema e chamou atenção para o fato de uma estatal (ABGF, empresa pública vinculada ao Ministério da Economia), ter se valido da lei geral de licitações para o procedimento, apesar da expressa menção no texto da Lei 14.133/2021 (art. 1º, § 1º) de que ela não abrange as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias.

No Acórdão nº 1.008/2025, o Min. relator destacou que as empresas estatais não devem aplicar essa norma (Lei nº 14.133/2021) diretamente em suas contratações. Porque a própria lei geral de licitações exclui expressamente essas entidades de sua abrangência. Além disso, as contratações dessas empresas devem seguir regulamentos específicos, elaborados conforme as regras da Lei nº 13.303/2016.

O processo levantou dúvidas sobre a legalidade de uma situação específica (que não vamos adentrar) e a utilização da Lei 14.133/2021 em conjunto com a Lei 13.303/2016, que rege as estatais.

No caso concreto desse acórdão, a empresa pública utilizou os artigos 6º, XLIII, e 79 da Lei 14.133/2021 para fundamentar a contratação, ambos tratam especificamente do instituto do Credenciamento. Contudo, o TCU aceitou esse uso por analogia, considerando a jurisprudência existente (se lembrem do Acórdão nº 533/2022 – Plenário que citamos anteriormente), mas deixou um recado.

E qual foi o recado do Acórdão?

Vejamos o que trouxe ainda o referido acórdão, para entendermos qual foi o seu recado:

“30. De todo modo, entendo que as empresas estatais devem evitar recorrer à aplicação direta da Lei 14.133/2021, em suas contratações , seja porque o próprio legislador previu a não abrangência da norma às empresas públicas e sociedades de economia mista, seja porque a conformação das contratações das empresas estatais deve ser realizada, nos espaços permitidos pela Lei 13.303/2016, mediante a edição de regulamentos.

31. Esse é o caso do credenciamento . A meu ver, as estatais podem disciplinar o tema, na via infralegal, com amparo no art. 40, inciso IV, da Lei 13.303/2016.”

( Acórdão 1.008/2025 – Plenário .) - (GRIFO NOSSO)

Então, podemos entender que o recado do acórdão foi:

a) Que as TODAS as Estatais (da União, dos Estados, do DF e dos Municípios) evitem recorrer à aplicação direta da Lei 14.133/2021, porque esta lei proibiu;

Como vemos, o acórdão não decidiu apenas para o caso concreto em discussão, não foi apenas para a Estatal que era parte, no caso a ABGF, e sim todas as Estatais (da União, Estados, Distrito Federal e Municípios), dizendo que que evitem à aplicação direta da NLLC, porque esta mesma proibiu.

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b) As contratações das estatais devem ser realizadas, nos espaços permitidos pela Lei 13.303/2016, mediante a edição de Regulamentos;

Também, a douta decisão nos disse que as Estatais devem utilizar os “espaços permitidos” pela lei nº 13.303/2016, e que espaços são esses?

Os espaços permitidos pela lei das estatais citados no acórdão, são os RILCs – Regulamentos Internos de Licitações e Contratos, que, devem ser “manter atualizados”, como preceitua o caput do art. 40. da lei nº 13.303/2016, vejamos:

“Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos , compatível com o disposto nesta Lei…” (GRIFO NOSSO)

c) Normatizar o tema na via infralegal, conforme o art. 40, inciso IV, da Lei 13.303/2016;

A Estatal deve se voltar para o espírito inicial do surgimento da sua lei específica e procurar inovar no âmbito interno de seus RILCs, que é a “via infralegal” suscitada pelo acórdão, desde que tudo de forma fundamentada.

Nos termos do art. 40, IV, da Lei nº 13.303/2016, compete às empresas estatais disciplinar os procedimentos de licitação e contratação direta por meio de seus regulamentos internos. Assim, a incorporação de institutos da Lei nº 14.133/2021 exige previsão expressa no RILC.

d) E já disse que o Credenciamento pode ser viabilizado.

Vale salientar que o acórdão diz textualmente: “Esse é o caso do credenciamento. A meu ver, as estatais podem disciplinar o tema, na via infralegal, com amparo no art. 40, inciso IV, da Lei 13.303/2016.”

Sabemos que o credenciamento não foi trazido na lei nº 13.303/2016, mas, foi positivado na lei nº 14.133/2021, que, se trata de um instituto jurídico que cresceu de forma devagar dentro de uma construção da doutrina e da jurisprudência, antes de constar na NLLC.

Na NLLC ele consta como “procedimento auxiliar” da licitação e não como modalidade licitatória. Dessa forma, amparado na mesma construção jurídica, o acórdão permitiu que as Estatais se utilizem do Credenciamente, desde que, positive no seu RILC.

Em resumo, positivem no RILC de sua Estatal os pontos necessários, mas NÃO utilizem diretamente a lei nº 14.133/2021 por analogia.

Ademais, alguns dispositivos da Lei nº 14.133/2021 podem ser estudados e, mediante previsão expressa, incorporados ao RILC, dentre outros,: Credenciamento; Programa de Integridade nas Contratações; Minutas-padrão; Parecer Jurídico Referencial, Planejamento da Contratação, Estudo Técnico Preliminar (ETP), Documento de Formalização da Demanda (DFD) e Termo de Referência (TR), Gestão e Fiscalização Contratual, Publicação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP; Adesão à ARP. etc.

A construção normativa do RILC deve se pautar por:

a) Evitar cópias literais da Lei nº 14.133/2021 sem análise crítica;

b) Adaptar institutos à realidade institucional da estatal;

c) Observar decisões dos órgãos de controle.


3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, entendemos que a aplicação da Lei nº 14.133/2021 às estatais deve ocorrer com cautela. O caminho correto é o estudo técnico dos institutos desejados, análise de compatibilidade com a Lei nº 13.303/2016 e positivação no RILC. A boa regulamentação institucionaliza boas práticas e assegura conformidade com os princípios da legalidade, eficiência e segurança jurídica, na forma do Acórdão nº 1.008/2025 – Plenário – TCU.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. (Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm).

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. (Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm).

Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 533/2022 – Plenário.

Tribunal de Contas da União. Acórdão nº Acórdão 1.008/2025 – Plenário.

Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Doutor em Direito. Advogado e Contador. Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados. Com atuação na assessoria jurídica de órgãos de controle e na advocacia pública e empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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