4. DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ARTIGO 37
Apesar de sua clareza e importância constitucional, a aplicação dos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (LIMPE) na Administração Pública brasileira enfrenta uma série de desafios complexos. A lacuna entre a previsão normativa e a realidade prática é muitas vezes acentuada por fatores históricos, culturais, políticos e estruturais que dificultam a plena observância desses pilares.
4.1. Desafios da Aplicação dos Princípios
Cultura Patrimonialista e Clientelista: Historicamente, a Administração Pública brasileira foi marcada por uma cultura onde o público e o privado se misturavam, e as relações pessoais frequentemente se sobrepunham ao interesse coletivo. Essa herança patrimonialista ainda se manifesta em práticas de nepotismo, favorecimento pessoal e uso da máquina pública para fins privados, desafiando a impessoalidade e a moralidade. O clientelismo, por sua vez, distorce a finalidade pública, ao condicionar a prestação de serviços e a concessão de benefícios a lealdades políticas ou eleitorais.
Burocracia Excessiva e Rigidez Normativa: Embora a legalidade seja fundamental, a excessiva formalidade e a complexidade das normas podem levar à burocracia disfuncional, que impede a agilidade e a eficiência da gestão. A multiplicidade de leis e regulamentos, muitas vezes contraditórios, dificulta a tomada de decisão e a inovação, gerando morosidade e ineficácia na prestação de serviços. A rigidez procedimental pode, paradoxalmente, abrir brechas para práticas ilegais, se houver interpretações oportunistas das normas.
Corrupção e Improbidade Administrativa: A corrupção é um dos maiores entraves à plena aplicação dos princípios do artigo 37. Atos de improbidade administrativa, desvio de recursos, fraudes em licitações e pagamentos de propinas violam diretamente a moralidade, a legalidade, a impessoalidade e a eficiência, comprometendo a credibilidade das instituições e desviando recursos que poderiam ser aplicados em serviços essenciais para a população.
Ausência de Transparência Efetiva e Controle Social Frágil: Embora o princípio da publicidade esteja expresso, a efetividade da transparência ainda é um desafio. Muitos dados públicos são disponibilizados de forma fragmentada, complexa ou inacessível, dificultando o controle social. A falta de engajamento da sociedade civil, seja por desinformação, apatia ou descrença, enfraquece a fiscalização e permite que desvios de conduta e violações dos princípios passem despercebidos.
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Falta de Profissionalização e Meritocracia: A gestão pública, em muitas esferas, ainda carece de profissionalização, com quadros de servidores que nem sempre são selecionados ou mantidos por critérios de mérito e desempenho. A influência política em nomeações de cargos de confiança, a falta de capacitação continuada e a ausência de sistemas de avaliação de desempenho eficazes comprometem a eficiência e a impessoalidade.
Pressões Políticas e Interesses Particulares: A Administração Pública está constantemente sujeita a pressões de grupos de interesse, de partidos políticos e de agendas particulares que podem desviar o foco do interesse público. Essas pressões podem levar à tomada de decisões que violam a impessoalidade, a moralidade e a eficiência, privilegiando determinados segmentos em detrimento da coletividade.
4.2. Perspectivas e Propostas para o Aprimoramento
A superação dos desafios na aplicação dos princípios do artigo 37 exige um esforço contínuo e abrangente, envolvendo o Estado, a sociedade civil e a academia.
Fortalecimento da Governança Pública: Implementação de mecanismos robustos de governança, incluindo planejamento estratégico, gestão de riscos, controle interno e auditoria, para garantir a conformidade com as normas e a efetividade das ações.
Transparência Ativa e Participação Social: Ampliação da divulgação de dados em formatos abertos e acessíveis, fomento à participação cidadã em todas as etapas da gestão pública (planejamento, execução e fiscalização), e uso intensivo de tecnologias para facilitar o controle social.
Combate à Corrupção e à Improbidade: Fortalecimento dos órgãos de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal), aperfeiçoamento da legislação anticorrupção, agilidade na punição dos responsáveis e investimento em inteligência para coibir desvios.
Profissionalização e Capacitação Contínua: Valorização dos servidores públicos por meio de concursos públicos rigorosos, planos de carreira baseados no mérito, programas de capacitação e educação ética, e implementação de sistemas de avaliação de desempenho justos e transparentes.
Simplificação e Desburocratização: Revisão de leis e regulamentos para eliminar exigências desnecessárias, adoção de processos digitais e simplificação do acesso a serviços públicos, sem comprometer a segurança e o controle.
Cultura Ética e Integridade: Promoção de uma cultura de integridade e ética em todos os níveis da Administração Pública, com a disseminação de códigos de conduta, canais de denúncia seguros e programas de compliance que incentivem a conduta proba e o respeito aos princípios constitucionais.
Inovação e Tecnologia: Utilização de novas tecnologias para melhorar a eficiência dos serviços, como inteligência artificial, big data e blockchain, que podem otimizar processos, aumentar a transparência e combater fraudes.
A efetivação dos princípios do artigo 37 não deve ser encarada como um fim em si mesmo, mas como um processo dinâmico e permanente que evolui conforme as demandas sociais, as transformações políticas e tecnológicas e o desenvolvimento do país. A busca constante por uma Administração Pública ética, transparente e eficiente é a garantia de um Estado que serve verdadeiramente à população, respeita os direitos humanos e promove o desenvolvimento sustentável.
5. CONCLUSÃO
O artigo 37 da Constituição Federal de 1988, ao enunciar os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (LIMPE), estabeleceu as diretrizes fundamentais para a atuação da Administração Pública brasileira. Esses princípios não são meros preceitos programáticos, mas normas de caráter vinculante que moldam a estrutura, o funcionamento e a conduta de todos os agentes e órgãos estatais, em todas as esferas federativas e em todos os poderes.
A análise detalhada de cada um dos princípios do LIMPE revela sua interconexão e a importância crucial para a construção de um Estado Democrático de Direito robusto e comprometido com o interesse público. A Legalidade assegura que o Estado atue dentro dos limites da lei, protegendo os cidadãos contra a arbitrariedade. A Impessoalidade garante a isonomia de tratamento, coibindo privilégios e favorecimentos indevidos. A Moralidade exige uma conduta ética e proba, transcendendo a mera formalidade legal e buscando a integridade na gestão da coisa pública. A Publicidade promove a transparência e o controle social, permitindo que a sociedade fiscalize e participe das decisões governamentais. Por fim, a Eficiência demanda uma gestão orientada para resultados, com otimização de recursos e entrega de serviços públicos de qualidade.
Apesar dos avanços normativos e institucionais desde a promulgação da Constituição de 1988, a aplicação plena desses princípios ainda enfrenta desafios significativos. A persistência de práticas clientelistas e patrimonialistas, a burocracia excessiva, a corrupção, a fragilidade de alguns mecanismos de controle social e a carência de profissionalização em certas áreas da gestão pública representam obstáculos que necessitam ser superados.
Para tanto, é imperativo o fortalecimento da governança pública, a promoção de uma cultura de transparência ativa e participação social, o combate rigoroso à corrupção, a valorização do servidor público por meio da meritocracia e da capacitação, a simplificação de processos e a adoção de tecnologias inovadoras. Somente com um esforço contínuo e integrado entre Estado, sociedade civil, academia e setor privado será possível consolidar uma Administração Pública que seja verdadeiramente eficiente, ética, transparente e, sobretudo, que sirva à população em sua totalidade.
Assim, este artigo reafirma a relevância do artigo 37 como vetor central da governança pública brasileira e convoca todos os atores envolvidos no setor público a uma reflexão crítica e a uma atuação proativa, visando o fortalecimento dos princípios constitucionais e o aprimoramento contínuo da gestão pública para o benefício da sociedade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2019.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2020.