Muito Além das Drogas: Análise Profunda da Operação Militar dos EUA na América Latina
A projeção de poder dos Estados Unidos na América Latina sob o prisma da segurança nacional e do combate ao narcotráfico
Luiz Carlos Nacif Lagrotta
Resumo
A mobilização militar dos Estados Unidos, em agosto de 2025, em águas da América Latina e do Caribe, envolveu um contingente de mais de quatro mil militares e ativos navais de alta capacidade. A operação foi oficialmente justificada pela administração Trump como uma resposta ao combate a cartéis de drogas designados como “organizações terroristas estrangeiras”. A ação, contudo, é analisada sob múltiplas perspectivas que apontam para implicações geopolíticas mais amplas, como a contenção da influência da China e da Rússia na região e o controle de rotas estratégicas como o Canal do Panamá. Este artigo apresenta as diferentes análises sobre a operação militar, abordando seus possíveis impactos nas esferas geopolítica, econômica e jurídico-internacional, assim como as reações dos governos latino-americanos.
Palavras-chave: Geopolítica; Direito Internacional; Narcotráfico; América Latina; Estados Unidos; Soberania.
Abstract
The military mobilization of the United States, in August 2025, in the waters of Latin America and the Caribbean, involved a contingent of over four thousand military personnel and high-capacity naval assets. The operation was officially justified by the Trump administration as a response to combat drug cartels designated as “foreign terrorist organizations.” The action, however, is analyzed from multiple perspectives that point to broader geopolitical implications, such as the containment of China's and Russia's influence in the region and the control of strategic routes like the Panama Canal. This article presents the different analyses of the military operation, addressing its possible impacts in the geopolitical, economic, and international legal spheres, as well as the reactions of Latin American governments.
Keywords: Geopolitics; International Law; Drug trafficking; Latin America; United States; Sovereignty.
Sumário: 1. Introdução. 2. Análise Geopolítica. 3. Análise Econômica. 4. Análise Jurídico-Internacional. 5. Desafios para a América Latina e o Brasil. 6. Conclusão. Referências
1. Introdução
Em agosto de 2025, a imprensa noticiou o deslocamento de um grupo anfíbio de prontidão da Marinha e do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe.
A operação, envolvendo mais de quatro mil militares, um porta-helicópteros, destróieres e um submarino nuclear, foi oficialmente justificada pelo governo dos EUA como parte de uma ofensiva para combater o tráfico de drogas e o que a Casa Branca classificou como "narcoterrorismo" (CNN BRASIL, 2025; INFOMONEY, 2025).
Analistas e governos, no entanto, levantam questões sobre o escopo e as intenções de uma operação dessa escala, considerando os ativos militares mobilizados, que não são típicos de missões de interdição.
Este artigo busca apresentar uma análise das diversas perspectivas em torno da operação, examinando as implicações nas esferas geopolítica, econômica e jurídica.
2. Análise Geopolítica
A mobilização militar dos EUA é interpretada por alguns analistas como uma continuação de uma política histórica de projeção de poder na América Latina.
Essa perspectiva traça um paralelo com a Operação Brother Sam de 1964, quando os EUA mobilizaram uma força-tarefa naval para apoiar um golpe de Estado no Brasil, justificando a ação com a necessidade de conter a influência soviética na região. (BBC, 2025)
A operação atual, embora justificada pelo combate a cartéis, é vista como uma forma de enfrentar a crescente influência de potências rivais como a China e a Rússia, que têm expandido seus laços econômicos e de segurança no hemisfério.
O envio de uma força naval de alta capacidade é percebido por críticos como uma demonstração de força e uma medida de pressão contra países cujos governos são considerados desafiadores aos interesses de Washington, como a Venezuela, Cuba e Nicarágua.
A operação também é notada por sua relevância estratégica em relação ao Canal do Panamá, um ponto vital para o comércio global e uma área onde a influência da China tem crescido. A presença militar americana na região é interpretada por analistas como uma forma de dissuasão e de proteção de interesses estratégicos.
As reações regionais à operação têm sido diversas. O governo do Brasil expressou preocupação com a presença militar, enquanto o México, por meio de sua presidente, Claudia Sheinbaum, afirmou que a operação ocorre em águas internacionais e não constitui intervenção, embora o governo mexicano rechaçasse a ideia de qualquer invasão.
A falta de uma resposta unificada dos países latino-americanos reflete a complexidade das relações diplomáticas na região e a dificuldade em coordenar uma posição conjunta.
3. Análise Econômica
Os custos diretos da operação militar são significativos, e a despesa com a manutenção de uma força-tarefa naval dessa magnitude sugere que os objetivos da missão vão além do combate ao narcotráfico. A mobilização também pode ter um impacto econômico na região, afetando o comércio e os investimentos internacionais.
A presença militar dos EUA pode ser vista por investidores como um fator de risco geopolítico, o que poderia levar à redução de investimentos estrangeiros e à maior volatilidade dos mercados.
Esse cenário é de particular interesse no contexto da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), o projeto de infraestrutura global da China, que tem investido em portos, ferrovias e outras obras na América Latina. A instabilidade percebida na região pode aumentar o custo de financiamento desses projetos, afetando sua viabilidade e o crescimento econômico dos países participantes.
4. Análise Jurídico-Internacional
A legalidade da operação sob o direito internacional público é objeto de um intenso debate. A Carta das Nações Unidas proíbe, em seu Artigo 2º, §4º, a ameaça ou o uso da força contra a soberania dos Estados.
A operação é vista por analistas como um teste a esse princípio, com a mobilização militar sendo interpretada por alguns como uma ameaça à soberania de países da região, sendo que a justificativa do governo americano para a operação se baseia na designação de cartéis de drogas como “organizações terroristas estrangeiras”.
Essa classificação tem gerado controvérsia, pois não existe um consenso legal sobre se a luta contra o tráfico de drogas, em si, constitui uma base para a ação militar internacional nos termos do direito internacional.
A falta de uma autorização do Conselho de Segurança da ONU e o fato de a operação não ter o consentimento explícito de todos os Estados da região levantam questionamentos sobre sua conformidade com o princípio da não intervenção, consagrado também na Carta da OEA e no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).
5. Desafios para a América Latina e o Brasil
A situação atual coloca a América Latina diante do desafio de proteger sua soberania e autonomia em um cenário de crescente competição entre as potências globais. Para o Brasil, o desafio é particularmente complexo.
O país tem uma relação histórica e estratégica com os EUA, mas a China se tornou seu principal parceiro comercial, o que exige um equilíbrio diplomático cuidadoso. A militarização regional, justificada pelo conceito de "segurança hemisférica", pode ser instrumentalizada para servir a interesses unilaterais, o que coloca em risco a estabilidade e a autonomia da região.
A ausência de uma resposta diplomática coordenada entre os países latino-americanos enfraquece a capacidade de a região negociar de forma mais equitativa e de defender seus interesses em fóruns internacionais.
6. Conclusão
A mobilização militar dos Estados Unidos na América Latina em 2025, embora justificada oficialmente como uma missão de combate ao narcotráfico, é um evento de profunda complexidade.
Suas múltiplas camadas de significado indicam que a operação é, simultaneamente, uma demonstração de força, uma resposta à crescente influência da China e da Rússia na região e uma reafirmação da hegemonia norte-americana.
A escalada tática, que envolve ativos militares de alto valor, reflete uma mudança na política externa dos EUA de uma abordagem de cooperação para uma de projeção unilateral de poder.
As consequências dessa ação são percebidas em diferentes frentes. Economicamente, a instabilidade gerada pode impactar negativamente os fluxos de investimento e comércio, especialmente para os projetos ligados à Iniciativa do Cinturão e Rota da China, colocando em xeque o desenvolvimento regional. Do ponto de vista jurídico, a operação testa a validade de princípios fundamentais do direito internacional, como a soberania e a não intervenção, e evidencia a fragilidade dos mecanismos de segurança hemisférica quando confrontados com interesses geopolíticos de grandes potências.
Para a América Latina, o desafio imediato é evitar a instrumentalização da região como palco de uma nova Guerra Fria. Para o Brasil, em particular, a situação exige um manejo diplomático habilidoso, que preserve os laços comerciais e de segurança com as potências globais sem renunciar à autonomia.
A capacidade dos países da região de articular uma resposta conjunta e de defender o multilateralismo em fóruns como a ONU e a OEA será crucial para garantir que a segurança hemisférica não se torne um pretexto para a submissão a interesses externos. A operação militar de 2025 pode, portanto, ser um ponto de inflexão na história recente da América Latina, redefinindo sua posição no xadrez global.
Referências
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. São Francisco, 26 jun. 1945.
CNN BRASIL. EUA enviarão mais de 4 mil tropas para América Latina para combater cartéis. 16 ago. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-enviarao-mais-de-4-mil-tropas-para-america-latina-para-combater-carteis/. Acesso em: 16 ago. 2025.
GAZETA DO POVO. NYT: Trump autoriza Exército a atuar contra cartéis fora dos EUA. 8 ago. 2025. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/trump-assinou-ordem-secreta-para-o-exercito-atuar-contra-carteis-fora-eua-diz-nyt/. Acesso em: 16 ago. 2025.
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INFOMONEY. EUA enviam fuzileiros e submarino nuclear para águas próximas à América Latina. 16 ago. 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/politica/eua-enviam-fuzileiros-e-submarino-nuclear-para-o-caribe-em-ofensiva-antidrogas/. Acesso em: 16 ago. 2025.
O GLOBO. Governo Lula acompanha com preocupação envio de militares dos EUA à América Latina. 15 ago. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/08/15/governo-lula-acompanha-com-preocupacao-envio-de-militares-dos-eua-a-america-latina.ghtml. Acesso em: 16 ago. 2025.
TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Rio de Janeiro, 1947.
VEIGA, Edison. Quando os EUA enviaram até porta-aviões para interferir na política brasileira. BBC News Brasil, 6 ago. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj0yz3q07leo. Acesso em: 16 ago. 2025.