Ser rico não significa ser generoso. É fato conhecido (ou ficção divulgada por seus adversários), que numa certa oportunidade o milionário Henry Ford teria cobrado a refeição dos parentes dele. Mas não é ficção o ambíguo comportamento de Sam Altman em relação à sua irmã Annie.
No curto espaço de tempo em que Sam Altman se tornou mundialmente famoso e bilionário, com investimentos em diversas companhias, o dono da OpenAI se recusou ajudar financeiramente a irmã Annie. Isso aconteceu num momento de extrema fragilidade dela, após a morte do pai de ambos. Desempregada, sem fonte de renda ou ajuda da família, Annie Altman foi obrigada a se prostituir on-line (e fisicamente também) para poder pagar suas contas.
Ela ajuizou uma ação contra o irmão pleiteando indenização. Annie Altman alegou ter sofrido abusos sexuais na infância. Não entrarei no mérito dessa disputa, porque o caso está sendo debatido na justiça dos EUA. Annie tem a seu favor um longo histórico de problemas psicológicos e o abandono familiar no momento em que mais precisou de ajuda e sua história parece ser corroborada por um terapeuta que a tratou. A família nega as alegações de abuso e o credita à própria doença mental de Annie.
Num caso como esse fazer prova segura é muito difícil. Especialmente porque o incidente teria ocorrido há décadas, quando Annie Altman era criança. Além disso, é cediço que memórias de eventos traumáticos podem ou não ser verdadeiras. Crianças são impressionáveis e podem relatar emocionadas e com detalhes abusos sexuais que de fato não ocorreram. Abusos que foram de certa maneira plantados nas cabecinhas delas por policiais e/ou inventados sob pressão familiar por causa da cobertura jornalística de um episódio controverso que iniciou com boatos. Não seria conveniente transformar o caso Annie Altman numa versão adulta e norte-americana da Escola de Base.
O valor pleiteado pela irmã de Sam Altman pequeno (75 mil dólares). Portanto, a condenação teria terá um impacto financeiro direito muito pequeno na vida do bilionário Sam Altman. Todavia, Sam Altman tem um valor de mercado maior que o da irmã. Caso ele seja condenado porque a Justiça considerou verossímil a acusação de abuso sexual o estrago na carreira do jovem empresário que popularizou a IA ao lançar o ChatGPT será devastador.
A imprensa brasileira noticiou o drama familiar dos Altman, mas de certa maneira deu mais ênfase às alegações de Sam do que às acusações de Annie (vide 1 e vide 2). O valor de mercado dele parece ter mais valor jornalístico, o que de certa maneira faz sentido porque a OpenAI torra muito dinheiro com propaganda e as empresas de comunicação não recebem nada para enfatizar a versão da irmã dele da história.
Se a situação fosse inversa, se Annie fosse acusada de abusar de Sam Altman, ela seria retratada pela imprensa como uma predadora sexual imperdoável? A pergunta é pertinente, apesar de ser irrelevante. É claro que o todo-poderoso dono da OpenAI, jovem empresário capaz de ser ouvido no Congresso dos EUA e viajar pelo mundo fazendo propaganda do ChatGPT, não estragaria sua própria imagem fazendo uma acusação tão desagradável contra a própria irmã.
Esse drama familiar talvez diga mais sobre a cultura tóxica em que Sam Altman e Annie Altman estão mergulhados do que sobre o comportamento deles presente e passado. Nos EUA, o sucesso material, a aquisição de fortuna, é celebrado como uma espécie de indício inegável de superioridade moral, intelectual e até espiritual. E a pobreza é odiada por todos (inclusive pelos próprios pobres). Sam Altman ficou famoso e rico no período em que a irmã dele começou a passar por sérios problemas de saúdo e financeiros sendo obrigada à se prostituir.
O abismo entre ambos não foi apenas criado pelas características da economia norte-americana. Ele provavelmente foi aprofundado pela cultura tóxica que existe nos EUA, em quem a humanidade de alguns (empresários ambiciosos, inovadores e que sabem cultivar um círculo de amigos política e economicamente poderosos) é mais humana que a de outros (pessoas que ficam doentes e sofrem problemas econômicos). A única coisa que protegeria alguém numa situação como a enfrentada por Annie Altman seria a compreensão e o suporte familiar, algo que ela obviamente não teve nem da mãe nem dos irmãos.
Nem mesmo o irmão bilionário e bem-sucedido foi capaz ser generoso no momento em que Annie precisava de ajuda. E se levarmos em conta o relato detalhado do episódio que foi feito por Karen Hao (Empire of AI, Penguin Press, New York, 2025, p. 326/340), Sam Altman praticamente abandonou a irmã a própria sorte durante alguns anos acreditando que a estava ajudando a cuidar sozinha dos problemas dela. Quem o ajudará se ele cair em desgraça se a sentença declarar que a irmã deve ser indenizada porque sofreu abusos sexuais na infância?
Não é preciso ter uma bola de cristal para imaginar que o dono da OpenAI pode acabar em situação pior do que a irmã. Caso faça um acordo com Annie, ele será eternamente suspeito de ter abusado sexualmente da irmã na infância. Se o processo for julgado procedente, o reconhecimento público do histórico de predador sexual será uma mancha capaz de diminuir sensivelmente o valor de mercado de Sam Altman. Algo assim num país tão puritano como os EUA dificilmente deixará de ter consequências, sendo plausível ele perder o controle sobre o ChatGPT.
A queda em desgraça de Annie Altman foi dolorosa e poderá ser, de certa maneira, interrompida pela condenação do irmão. A perda do processo talvez não mude muito a situação dela. Mas o desmoronamento de sua imagem pública e o afastamento da OpenAI talvez seja fatal para Sam Altman. A derrota dele será completa num país em que os derrotados são execrados e rapidamente isolados. Ser milionário ajuda, mas o dinheiro não é um antidepressivo.
Quando Annie Altman estiver bem e o irmão dela no fundo do poço, haverá alguma possibilidade de relacionamento entre os dois? Essa é a única pergunta que não pode ser respondida aqui. Mas se levarmos em conta as características da cultura tóxica norte-americana, não consigo ver Annie estendendo a mão para o irmão desgraçado.
