O papel das juntas médicas e sua importância regulatória no Brasil

02/09/2025 às 16:28

Resumo:


  • A junta médica no Brasil é essencial para conferir imparcialidade em avaliações clínicas com efeitos jurídicos, como licenças e aposentadorias por invalidez.

  • As juntas médicas devem seguir protocolos específicos baseados em diretrizes médicas e legislação vigente para embasar suas decisões de forma objetiva e justa.

  • No setor de Saúde Suplementar, a Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS padronizou a composição, prazos e deveres de informação das juntas médicas e odontológicas, visando maior transparência e redução da judicialização.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.
Introdução histórica

No Brasil, o instituto da junta médica consolidou-se a partir da necessidade de conferir colegialidade e imparcialidade às avaliações clínicas que produzem efeitos jurídicos — como concessão de licenças, aposentadorias por invalidez e solução de divergências técnico-assistenciais entre médicos assistentes e operadoras de planos de saúde.

Na deontologia médica, a junta é tradicionalmente definida como a atuação coordenada de dois ou mais médicos (geralmente três) para examinar um mesmo caso, especialmente quando há discordância pericial relevante. Na prática, a junta médica funciona como um órgão pericial, garantindo uma análise criteriosa e imparcial do estado de saúde do paciente.

Os médicos que compõem a junta devem seguir protocolos específicos, baseados em diretrizes médicas e na legislação vigente, para embasar suas decisões de forma objetiva e justa.

No setor de Saúde Suplementar, a formalização regulatória moderna das juntas deu um salto em 26 de junho 2017, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Resolução Normativa nº 424 para padronizar composição, prazos, hipóteses de cabimento e deveres de informação em situações de divergência técnico-assistencial. O próprio art 2º da citada resolução, traz em seu inciso II a conceituação da junta médica ou odontológica, em textual:

“Junta médica ou odontológica: junta formada por profissionais médicos ou cirurgiões-dentistas para avaliar a adequação da indicação clínica do profissional assistente que foi objeto de divergência técnico-assistencial pelo profissional da operadora, podendo ocorrer na modalidade”.

A agência registrou, à época, a expectativa de maior transparência, celeridade e redução de judicialização com a adoção do rito, na medida em que ao reunir médicos especialistas para avaliar um determinado caso, a junta reduz o risco de decisões equivocadas, assegurando um parecer com respaldo em evidências clínicas e diretrizes médicas/odontológicas

Conceito, bases normativas e éticas

A Constituição consagra a saúde como direito de todos e dever do Estado (art. 196) — fundamento que inspira mecanismos administrativos de solução de conflitos técnico-assistenciais, inclusive por meio de juntas.

A Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) organiza o SUS e reforça a diretriz de acesso universal e igualitário à saúde, expressando em seu art. 2º que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”, sobretudo “na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” — o que não exclui o dever de instituições privadas, da família e da sociedade como um todo.

1) Serviço público (servidores) — perícia e junta oficial

No regime estatutário federal, a Lei nº 8.112/1990 e o Decreto nº 7.003/2009, (com redação atualizada dada pelo Decreto nº 11.255/2022) tratam da perícia oficial em saúde e da junta médica oficial, em hipóteses como licenças, acidentes em serviço e reversão de aposentadoria por invalidez.

Colaciona-se o art 230 da citada lei dos servidores, com redação dada pelas Leis nº 9.257/1997 e 11.302/2006:

Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e de sua família compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e farmacêutica, terá como diretriz básica o implemento de ações preventivas voltadas para a promoção da saúde e será prestada pelo Sistema Único de Saúde – SUS, diretamente pelo órgão ou entidade ao qual estiver vinculado o servidor, ou mediante convênio ou contrato, ou ainda na forma de auxílio, mediante ressarcimento parcial do valor despendido pelo servidor, ativo ou inativo, e seus dependentes ou pensionistas com planos ou seguros privados de assistência à saúde, na forma estabelecida em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 11.302 de 2006)

§ 1o Nas hipóteses previstas nesta Lei em que seja exigida perícia, avaliação ou inspeção médica, na ausência de médico ou junta médica oficial, para a sua realização o órgão ou entidade celebrará, preferencialmente, convênio com unidades de atendimento do sistema público de saúde, entidades sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública, ou com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o Na impossibilidade, devidamente justificada, da aplicação do disposto no parágrafo anterior, o órgão ou entidade promoverá a contratação da prestação de serviços por pessoa jurídica, que constituirá junta médica especificamente para esses fins, indicando os nomes e especialidades dos seus integrantes, com a comprovação de suas habilitações e de que não estejam respondendo a processo disciplinar junto à entidade fiscalizadora da profissão.

O conceito da junta oficial, por sua vez, é inferido da redação atualizada do art. 2º, II, do citado Decreto 7.003, que regulamenta a licença para tratamento de saúde, e a situa como “perícia oficial realizada por, no mínimo, dois médicos ou dois cirurgiões-dentistas”.

2) Saúde Suplementar — juntas médicas e odontológicas

A Lei nº 9.656/1998 estrutura os planos privados de assistência à saúde de forma complementar ao SUS, e a Lei nº 9.961/2000, por sua vez, cria a Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANS), outorgando-lhe competência regulatória e fiscalizatória, esta que se consubstancia na base legal sobre a qual se assentam as resoluções sobre juntas médicas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assim dispõe o art. 6 da Resolução Normativa 424/2017 da ANS:

Art. 6º As operadoras devem garantir, em situações de divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto, a realização de junta médica ou odontológica, com vistas a solucionar referida divergência quanto ao procedimento indicado.

§ 1º A junta médica ou odontológica será formada por três profissionais, quais sejam, o assistente, o da operadora e o desempatador.

§ 2º O profissional assistente e o profissional da operadora poderão, em comum acordo e a qualquer momento, estabelecer a escolha do desempatador.

§ 3º O comum acordo na escolha do desempatador, previsto no § 2º, não desobriga a operadora do cumprimento das demais exigências para a realização da junta médica ou odontológica.

§ 4º O parecer do desempatador será acatado para fins de cobertura.

§ 5º A operadora deverá garantir profissional apto a realizar o procedimento nos termos indicados no parecer técnico conclusivo da junta

Do ponto de vista ético-profissional, a junta médica (ou odontológica) não substitui a responsabilidade do médico assistente, como visto no art. 2º da RN 424/2017; ela serve para, presencialmente ou à distância, dirimir divergência técnica sobre eventual negativa, preferencialmente com um terceiro profissional desempatador escolhido de comum acordo entre o assistente e a operadora.

Entre os requisitos éticos corriqueiros encontram-se a independência técnica dos pareceristas e a prevenção de conflitos de interesse, em ordem a diminuir a judicialização dos litígios.

Cabe ainda uma breve alusão à RN nº 259/2011 da ANS, que fixa prazos máximos para marcação e realização de atendimentos e procedimentos — parâmetro que baliza a tempestividade das juntas previstas na RN nº 424; e à RN nº 623/2024 da agência, que moderniza o relacionamento entre operadoras e beneficiários, exigindo justificativas formais e claras para negativas, rastreabilidade das demandas e canais de atendimento. Interage com a junta ao estruturar o fluxo de informações que antecede (ou substitui) o conflito técnico-assistencial.

2.1) Notificação de Intermediação Preliminar - NIP (RN nº 388/2015 )

Em ordem a diminuir a judicialização dos litígios, é relevante trazer à baila o procedimento administrativo denominado “NIP (Notificação de Intermediação Preliminar)”, mecanismo de mediação entre consumidor e operadora conduzido pela ANS, que pode antecipar ou acompanhar o rito da junta médica/odonotógica no âmbito da Saúde Suplementar, resolvendo o conflito, como dito, sem judicialização.

O mesmo é definido no art. 5º e seguintes da RN 388/2015, que assim dispõe:

Art. 5º O procedimento da Notificação de Intermediação Preliminar - NIP consiste em um instrumento que visa à solução de conflitos entre beneficiários e Operadoras de planos privados de assistência à saúde - operadoras, inclusive as administradoras de benefícios, constituindo-se em uma fase pré-processual.

Assim, como uma solução implementada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para resolver questões como negativas de cobertura, demora no atendimento e outras eventuais falhas nos serviços prestados, a NIP tem como objetivo proporcionar uma solução rápida e eficiente para divergências relacionadas a coberturas, serviços e atendimentos prestados pelas operadoras, antes que a questão seja levada ao Judiciário.

As juntas médicas/odontológicas integram-se à NIP no âmbito da Saúde Suplementar, oferecendo via rápida e eficaz de mediação entre clientes e prestadoras.

Conclusão

Por todo exposto conclui-se que as juntas médicas exercem papel estratégico no Direito da Saúde brasileiro. Ao organizar o contraditório técnico de forma célere e transparente, prestigiam a autonomia médica, reduzem a judicialização (inclusive-se integrando-se às NIP) e promovem eficiência regulatória, aprimorando ainda a informação ao paciente, ao conceber justificativas formais para eventuais negativas.

O arcabouço normativo brasileiro fornece instrumentos concretos para que conflitos técnico-assistenciais sejam solucionados administrativamente, com ganhos de segurança jurídica, qualidade assistencial e eficiência regulatória.

Referências normativas e institucionais

- CRFB/1988, art. 196 (direito à saúde)

- Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde)

- Lei nº 8.112/1990 (Regime jurídico dos servidores públicos civis federais)

- Lei nº 9.656/1998 (Planos de Saúde)

- Lei nº 9.961/2000 (criação da ANS)

- Decreto nº 7.003/2009, atualizado pelo Decreto nº 11.255/2022 (perícia oficial e junta médica oficial de servidores)

- RN ANS nº 259/2011 (prazos máximos de atendimento)

- RN ANS nº 424/2017 (junta médica/odontológica)

- RN ANS nº 623/2024 (atendimento ao beneficiário)

- RN ANS nº 388/2015 (NIP)

- “Entenda a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP)”, disponível em https://vlvadvogados.com/notificacao-preliminar-de-intermediacao/. Acesso em 02.09.2025

Sobre o autor
Raphael Wider

Formado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e após atuar como advogado pleno no setor contencioso estratégico do escritório Siqueira Castro Adv. busquei a advocacia autônoma para que pudesse me dedicar, em paralelo, ao estudo para concursos públicos. Pós-graduação em Direito Privado pela Univ. Gama Filho. Atuação como advogado majoritariamente na seara cível.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos