Carlos Roberto Claro1
03 set 2025
O administrador judicial é um dos órgãos do processo de recuperação judicial, tendo o dever de praticar alguns atos processuais (dentro e fora do processo de recuperação judicial) e administrativos. Dentre os administrativos, deve apresentar mensalmente o relatório mensal das atividades da recuperanda, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor, conforme redação do art. 22, inc. II, letra “c”, da Lei 14.112/2020.
Tal órgão do processo responde pessoalmente pelos eventuais prejuízos casalados ao devedor recuperando ou aos credores deste por dolo ou culpa [atos comissivos ou omissivos]. Sobre o tema, disserta Haroldo Malheiros D. Verçosa:
Verifica-se quão delicada é a situação do administrador judicial e dos membros do Comitê de Credores, tendo em vista esta eventual responsabilidade patrimonial, determinada por atos ou omissões originados de atos de dolo ou culpa.
Quanto ao administrador judicial de empresa em processo de recuperação, esta condição é particularmente problemática, tendo em vista as decisões que deve tomar na execução do plano que foi aprovado, as quais apresentam o risco de perdas financeiras que deverão ser-lhes imputadas, bastando para isto ficar caracterizada culpa nas modalidades de negligencia, imprudência ou imperícia2
Este pequeno texto tem como objetivo apresentar algumas reflexões a respeito do “relatório mensal das atividades do devedor” sob regime de recuperação judicial, comumente denominado de “RMA”.
Uma das responsabilidades do administrador judicial – que é órgão do processo e não administra, mas tão somente fiscaliza a atividade econômica do devedor - é anexar mensalmente aos autos do processo o denominado “relatório mensal das atividades do devedor”, por força do art. 22, inc. I, letra “c”.
O administrador judicial é incumbido de várias outras obrigações legais, previstas no art. 22, inc. I e inc. II, da Lei 11.101/05.
Cabe-lhe fiscalizar “a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor”, de acordo com o enunciado legal3.
O agente econômico sob regime recuperatório, por sua vez, deve apresentar as contas demonstrativas mensais ao administrador judicial (art. 52, inc. IV), sendo que tal documentação dará suporte ao aludido relatório4.
Determina a lei que tal apresentação ocorra enquanto tramitar o processo de recuperação judicial (arts. 52, inc. IV, 61 e 63), sob pena de destituição dos administradores da pessoa jurídica em recuperação judicial5.
Destaque-se que a “destituição”, prevista na regra legal sob análise nada tem a ver com a excepcionalidade prevista no art. 64, que trata do afastamento dos gestores da empresa sob recuperação judicial6.
O agente econômico que está em Juízo – sob regime recuperatório - tem o dever, sob pena de destituição dos administradores, de apresentar as contas demonstrativas mensais [informações contábeis, financeiras e operacionais] ao administrador judicial, mensalmente.
Este, por sua vez, elaborará relatório mensal das atividades do devedor e anexará aos autos do processo principal de recuperação.
Escreve Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa acerca do relatório mensal as atividades do devedor e relatório acerca da execução do plano de reestruturação:
Trata-se de atribuição decorrente do direito de fiscalizar, a qual terá em vista, principalmente, as atividades comissivas e omissivas gerais do devedor, no primeiro caso, e daquelas especialmente ligadas ao cumprimento do plano de recuperação, no segundo7
Um pequeno parênteses: a apresentação das contas demonstrativas e relatório mensal somente ocorrem em recuperação plenamente judicial e não em recuperação extrajudicial, cujo regramento legal nada prevê a respeito.
Prosseguindo, conforme exposto, ao administrador judicial cabe, sob pena de responsabilização pessoal, fiscalizar a veracidade e conformidade das informações apresentada pela entidade recuperanda.
O administrador judicial não tem a função de auditar contas do devedor recuperando, mas cabe-lhe fiscalizar a atividade daquele que se encontra em recuperação judicial, conforme doutrina8.
Estabelece a lei que o relatório mensal deve ser juntado aos autos (art. 22, inc. II, letra “c”. A interpretação lógica é de que a juntada há de ocorrer no processo de recuperação judicial.
Entrementes, quer-se crer que tal relatório deveria ser autuado em apartado, como “incidente” para não atravancar a marcha processual. Explica-se.
O relatório, elaborado com base na documentação disponibilizada pelo devedor recuperando, é apresentado em determinado dia do mês, relativo ao mês anterior.
Pode ser, em tese, que sejam necessárias informações, a serem prestadas pelo do devedor recuperando.
Cabe ao administrador judicial solicitar tais informações (art. 22, inc. I, letra “d”).
A juntada da documentação aos autos do processo principal pode desencadear a necessidade de intimação da recuperanda para apresentar esclarecimentos, inclusive requisitados pelo Ministério Público, bem como anexar outros, tendentes a esclarecimentos.
Ressalte-se que o processo de recuperação judicial deve observar os princípios da celeridade e da economia processual, de modo que eventuais inconsistências de informações, por exemplo, hão de ser perquiridas no incidente próprio, e não no âmbito do processo principal de recuperação.
Considerando que o relatório mensal da atividade econômica do devedor pode ensejar a necessidade de juntada de vários documentos, por parte do agente econômico recuperando, quer-se crer que o mais razoável seria a autuação em apartado de todos os relatórios mensais. Em tese, pode ocorrer desnecessário tumulto processual e retardar o regular andamento do feito.
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Advogado em Direito Empresarial; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial; Parecerista e Pesquisador; Membro e Diretor Acadêmico da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-PR (gestão 2025-2027).
Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/05 – Artigo por artigo. SOUZA JUNIOR, Francisco S. de.; PITOMBO, Antônio S. A. de M. (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 185.︎
Acentua Haroldo Malheiros D. Verçosa: A exigência de um relatório mensal a ser apresentado ao juiz em processos de grande porte poderá apresentar o feito negativo de desviar a atenção do administrador judicial de outras tarefas, podendo tornar mais moroso o seu andamento. Op. cit., p. 171.︎
A regra do art. 52, inc. IV é de que deverão ser apresentadas contas demonstrativas mensais, pelo devedor. A lei não esclarece a forma como serão tais contas, sendo que a doutrina é no sentido de que balancetes mensais devem ser encaminhados ao administrador judicial, bem como informações detalhadas e documentação correspondente [cabem informações operacionais, contábeis e financeiras].︎
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O art. 64 da Lei 11.101/05 estabelece determinadas situações concretas que podem determinar o afastamento dos gestores da empresa sob regime recuperatório. A regra é que os administradores permaneçam à frente da atividade do devedor, as exceções para afastamento constam do artigo legal em comento. Nessa esteira, entende Marlon Tomazette, discorrendo acerca do art. 52, inc. IV, que a menção a administradores aplica-se perfeitamente às sociedades empresária, mas não serve bem para o empresário individual. No caso destes, não vemos possiblidade de punição, porquanto não há como destituir o próprio devedor. Curso de direito empresarial, Volume 3: falência e recuperação de empresas. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 102. Acentua o mesmo autor, ao comentar o art. 64, que a não apresentação de contas mensais ensejará o afastamento dos administradores. Por outro lado, as contas com dados falsos também importará a destituição. Op. cit., p. 245. Acerca da destituição dos gestores da empresa: ABRÃO, Carlos H.; MARTINS, Lucilaine B. L.; C. CLARO, Carlos R. Destituição do devedor e remoção dos administradores e empresas em recuperação judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2022.︎
Sobre o tema: ABRÃO, Carlos H.;. MARTINS, Lucilaine B. L. C. CLARO, Carlos R. Destituição do devedor e remoção dos administradores e empresas em recuperação judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2022.︎
In – SOUZA JUNIOR, Francisco S.; PITOMBO, Antônio S.A. de M. (coordenação). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/05 – Artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 171,︎
SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p.176.︎