Licitação pública e pessoa jurídica sob regime recuperatório

03/09/2025 às 09:48

Resumo:


  • A Lei 14.133/2021 afastou a necessidade de juntada de certidão negativa de concordata e recuperação empresarial.

  • Uma entidade em regime recuperatório pode assinar contrato administrativo com o Poder Público, desde que demonstre capacidade econômico-financeira para cumprir o contrato.

  • O afastamento do óbice legal existente na Lei 8.666/93 visa estimular a atividade econômica de empresas em crise, mas com potencial de soerguimento e atuação competitiva no mercado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Carlos Roberto Claro1

03 set 2025

A Lei 8.666/93 dispunha sobre as licitações e contratos da Administração Pública, previa no art. 31 – qualificação econômico-financeira -, a necessidade de apresentação de certidão negativa de falência ou concordata (inciso II).

Era motivo para rescisão do contrato a abertura judicial da falência da entidade econômica ou a insolvência civil (art. 78, inc. IX).

Por outro lado, a Lei 14.133/2021 - que trata das licitações e contratos administrativos -, prevê a necessidade de o interessado apresentar certidão negativa de falência (art. 69, inc. II).

Destaque-se que a extinção contratual pode ocorrer em virtude da decretação da falência ou insolvência civil, a dissolução da sociedade empresária ou falecimento do contratado (art. 137, inc. IV).

Este texto tratará da recuperação empresarial e licitação pública, apresentando algumas considerações do porquê de se tentar o soerguimento empresarial e isso passa pela possibilidade de contratação com o Poder Público.

Em mais de uma oportunidade tratei, neste espaço, da questão relativa à reorganização da empresa mergulhada em crise econômico-financeira (a exemplo: “A função social da empresa e o art. 47 da Lei 11.101/05” – 07/02/2024; “Crise e recuperação da empresa” – 14/09/2023).

É interessante sempre colocar em relevo o escopo da Lei 11.101/05, no que se refere, primeiramente, a tentativa de recuperação da empresa em crise, que tenha condições de soerguimento.

Com a entrada em vigor da Lei 11.101/05, em 09/06/2005, o microssistema brasileiro da falência e reestruturação empresarial passou a contar com texto normativo mais moderno, seguindo as legislações de ponta, como a francesa, a estadunidense e a italiana, por exemplo.

Deixou-se de lado a ideia de comerciante – Teoria dos Atos de Comercio – e passou-se a tratar da crise da empresa – como agente econômico organizado (Código Civil, art. 966; Código Civil Italiano, de 1942, em seu art. 2.082).

Portanto, em 1942 a Itália abandonou a Teoria dos Atos de Comércio para adotar a Teoria da Empresa, de caráter muito mais amplo.

De fato, a globalização econômica foi muito mais acentuada no século XX, com a instalação de grandes transnacionais e multinacionais, inclusive no Brasil.

Não mais poder-se-ia continuar com a ideia de comerciante, qual consta do ab-rogado Decreto-Lei 7.661/45. Por outro lado, havia decretação da falência das pessoas jurídicas que, não obstante ostentarem a qualidade de “sociedade civil”, a bem da verdade exerciam atividade econômica.

Diz a Lei 14.133/2021, em seu art. 137, inc. IV, que ocorre a extinção do contrato com o Poder Público quando ocorrer a abertura judicial da falência do contratante.

A decretação da falência do devedor faz surgir no mundo jurídico, imediatamente, em decorrência da falência que retira o devedor do mercado, a figura da massa falida. Inexiste personalidade jurídica da massa falida, porquanto é pessoa formal.

Existe a massa falida apenas e tão somente enquanto perdurar o processo de falência.

É de consignar que a decretação da falência não extingue imediatamente a personalidade jurídica do agente econômico. Esta extinção somente ocorre se, apenas se houver liquidação de ativos arrecadados e partilha de eventual saldo entre os que participam de tal pessoa jurídica.

Destarte, não pode haver continuação de contrato tendo como participante uma massa falida.

Aliás, a regra do art. 99, inc. XI, da Lei 11.101/05 é no sentido de que, em tese, pode ocorrer a continuação [provisória] da atividade econômica, agora da massa falida.

Nossa posição, de há muito fixada, é que inexiste tal possibilidade, por várias razões.

A respeito, nosso artigo científico publicado: A continuação provisória da atividade econômica na falência. CLARO, Carlos R. In – ABRÃO, Carlos H.; TSOUROUTSOGLOU, Irini; WIEDEMANN Neto, Ney; LUCON, Paulo H. dos S. ; BENETI, Sidnei (coord.). A disrupção do direito empresarial: Estudos em homenagem à Ministra Nancy Andrighi. São Paulo: Quartier Latin, 2021.

A Lei 14.133/2021 afastou a necessidade de juntada de certidão negativa de concordata (Dec.-Lei 7.661/45) e recuperação empresarial. Andou bem a lei.

Ora, se uma massa falida não pode contratar com o Poder Público ou mesmo manter o contrato então existente, por outro lado, plenamente possível, por lei, que uma entidade sob algum regime recuperatório (judicial ou extrajudicial) assine contrato administrativo.

Por outro lado, estando a pessoa jurídica em plena atividade econômica, distante da Lei 11.101/05, assina contrato com base na Lei 14.133/2021, posteriormente se submetendo a regime recuperatório, poderá continuar cumprindo a avença contratual.

Evidentemente, uma pessoa jurídica, ao ajuizar ação de recuperação judicial, e ocorrendo a decisão prevista no art. 52, da Lei 11.101/05, sabe de todos os riscos advindos de seu ato – ajuizamento da ação – inclusive de abertura judicial da falência.

Prosseguindo, foi muito importante exigir, quanto a qualificação econômico-financeira, tão somente a certidão negativa de falência.

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Ora, se o escopo da Lei 11.101/05 é que se tente, quanto possível a reestruturação da empresa em crise, nada mais lógico que afastar a exigência de certidão negativa de recuperação judicial daquele que pretende contratar com o Poder Público.

Havendo capacidade econômico-financeira visando a honrar a avença contratual, possível a participação de pessoa jurídica, sujeita a regime recuperatório, em licitação pública.

Há de demonstrar, na fase de licitação, sua viabilidade [aptidão] econômica, para fins de cumprir, efetivamente, o contrato.

Neste exato sentido, já decidiu o c. Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. CONSTRUÇÃO DE CAMPUS UNIVERSITÁRIO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PARTICIPAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE FINANCEIRA DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. |I - Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado por empresa que se sagrou vencedora em licitação para construção de outra etapa do campus da Universidade Federal de Cariri/CE, mas fora informada, posteriormente, que o referido contrato não seria assinado, em razão da impetrante encontrar-se em recuperação judicial. II - Ordem concedida, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal a quo em grau recursal, sob o principal fundamento de não caber à Administração, em consonância com o princípio da legalidade, interpretar restritivamente quando assim a lei não dispuser. III - Sem negar prima facie a participação de empresa em processo de licitação pela exigência e apresentação de Certidão Negativa de Débitos (CND), aplica-se a vontade expressa pelo legislador da Lei de Recuperação Judicial, viabilizando, de forma efetiva, à sociedade empresária a superação da crise econômico-financeira" (AgInt no REsp n. 1.841.307/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/12/2020). IV - Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem registrou a presença de situação fática peculiar de que a empresa comprovou possuir capacidade econômico-financeira para honrar o contrato, concedendo a ordem pleiteada. V - Recurso especial improvido.

(STJ, 2ª Turma, Recurso Especial n. 1.826.299-CE, relator Min. Francisco Falcão, julg. 16/08/2022)

O afastamento do então óbice legal existente na Lei 8.666/93, é no sentido de estimular a atividade econômico da pessoa jurídica que passa por momentânea crise econômico-financeira, mas que reúne condições de soerguimento e plena atuação no mercado competitivo.

Eram essas as breves considerações a respeito de tão importante tema.


  1. Advogado em Direito Empresarial; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial; Parecerista e Pesquisador; Membro e Diretor Acadêmico da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-PR (gestão 2025-2027).

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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