Assalto a mão algoritmizada no portal do TJSP

10/09/2025 às 16:17

Resumo:


  • O TJSP e o CNJ tiveram uma disputa sobre a plataforma de processos digitais a ser utilizada.

  • O E-proc foi definido como o sistema único pelo CNJ, causando problemas de transição para os advogados em São Paulo.

  • A exigência de recolhimento duplicado de custas processuais gerou conflitos entre os sistemas E-SAJ e E-proc, resultando em prejuízos para os advogados e partes envolvidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Durante vários anos, o Judiciário paulista e o CNJ disputaram uma quebra de braço em torno da plataforma de processos digitais que deveria ser utilizada pelo TJSP.

Em São Paulo, a justiça estadual utiizava o E-SAJ, um sistema cujo acesso e manuseio pelos advogados não eram muito problemáticos. Esse sistema é diferente dos sistemas empregados nos portais da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, que serviram de base para a criação do E-proc.

O CNJ definiu o E-proc como único sistema que poderia ser utilizado por todo o Judiciário brasileiro. Esse sistema foi enfiado goela abaixo do TJSP e recentemente começou a ser implantado em todo Estado de São Paulo.

A pressa é a mãe dos abusos e a parteira das monstruosidades. Isso pode ser facilmente percebido pelos advogados paulistas. Abaixo narro o que ocorreu comigo.

Contratado por um cliente, estudei a questão jurídica de fundo e defini qual seria a melhor estratégia processual para obter êxito. Elaborei a petição inicial tomando os cuidados de praxe, reuni os documentos necessários, paguei as custas e fiz o login no sistema E-SAJ. Ao tentar ajuizar a ação de um cliente, descobri que a Comarca em que o processo correrá já migou para o E-proc. Isso significa que não pode ser utilizado o sistema E-SAJ.

OK, nenhum problema. Estou acostumado a contratempos. Após fazer o cadastro indispensável e ter alguma dificuldade para me adaptar ao login com chaves duplas do E-proc, acessei o sistema, cadastrei o processo e anexei todos os documentos e o comprovante de pagamento das custas.

As custas já haviam sido pagas pelo link disponível à quem utiliza o sistema E-SAJ. Importante notar aqui que o sistema do TJSP não se recusou a emitir o boleto, nem tampouco emitiu um alerta de erro, apesar da Comarca destino do processo ter migrado para o E-proc.

Reproduzo abaixo a primeira decisão proferida no processo:

“Verifica-se que a parte autora procedeu o recolhimento das custas processuais devidas de forma incorreta, sendo as guias emitidas pelo sistema E-SAJ (eventos 1 e 2).

Tendo em vista que o recolhimento pelo sistema E-proc é obrigatório, providencie a parte interessada a regularização no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de cancelamento da distribuição (art. 290 do CPC).”

O despacho me deixou furioso, por três motivos:

1- O CPC obriga a parte a comprovar o recolhimento das custas, não sendo possível ao Judiciário cobrar uma segunda vez custas que já foram pagas pelo cidadão jurisdicionado;

2- O valor das custas é idêntico, não existindo prejuízo para o Estado caso o valor tenha sido recolhido pelo sistema E-SAJ.

3- O sistema E-SAJ não recusou a emitir guia de custas para uma Comarca que migrou para o E-proc.

Paguei as custas com meu dinheiro, para que o processo possa prosseguir e imediatamente enviei a mensagem abaixo para a corregedoria do CNJ, para o corregedor do TJSP, para a OAB e para a AASP.

“Antes de ajuizar a ação *************, o requerente emitiu e pagou custas e despesas pelo sistema SAJ. Ao proferir o primeiro despacho, o juiz da causa exigiu o novo pagamento das custas alegando que ele deve ser feito pelo E-proc.
Isso é ridículo. O Estado não pode cobrar duas vezes pelo mesmo ato. As custas foram pagas e o TJSP tem que compatibilizar os dois sistemas, porque não pode extorquir do cidadão jurisdicionado custas que já foram pagas.
Note-se, ademais, que o sistema SAJ não se recusou a emitir o boleto de custas mesmo sendo evidente que a Comarca de ajuizamento da ação já havia migrado pelo E-proc.
Quem deve compatibilizar os dois sistemas não é o cidadão jurisdicionado e seu advogado, mas o TJSP. Todavia, isso não foi feito. E o resultado é o assalto virtual a mão algoritmizada, porque se o advogado não pagasse novamente as custas o processo não poderia prosseguir.
Vocês tem que resolver essa questão, sendo certo que ela será levada ao conhecimento do CNJ, da AASP e da OAB."

A primeira instituição a me responder foi a AASP. Fui aconselhado pela AASP a utilizar o sistema adequado para recolher custas, como se o TJSP não tivesse obrigação de adotar rotinas “on line” para impedir o cidadão/advogado de pagar duas vezes pelo mesmo serviço. A mensagem me enviada foi tão desanimadora que enviei um e-mail bem grosseiro para o representante da AASP:

“Eu entendo. A AASP virou um puxadinho do TJSP e apoia o assalto a mão algoritmizada.”

Sou inscrito na OAB desde 1990 e comecei a estagiar no primeiro ano de Faculdade. Nunca deixei de recolher custas de maneira adequada, nem fui obrigado a recolher custas duas vezes quando os processos eram físicos. A informatização do Judiciário foi me imposta goela abaixo e tive que me adaptar para continuar advogando. Todavia, o fato da estrutura do processo ser digital não significa que a Lei processual ou Tributária pode ser definida pelos engenheiros de TI que prestam serviços ao Judiciário ou que um Tribunal não tenha obrigação de cumpri-la.

As custas iniciais devem ser recolhidas pela parte e comprovadas nos autos do processo. Mas elas não podem ser exigidas duas vezes. Isso é Lei e a estrutura legal do país deveria ser refletir nas rotinas computadorizadas do E-SAJ e do E-proc. Mas não é isso o que ocorre.

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O CNJ enfiou o E-proc goela abaixo do Estado de São Paulo. O TJSP mantém o E-SAJ em funcionamento e começou a implantar o novo sistema com a rotina automatizada de recolhimento de custas no ato de cadastro das iniciais pelo E-Proc. Mas nem o CNJ exigiu a compatibilização dos sistemas para evitar a cobrança em duplicidade das custas, nem o TJSP foi capaz de criar uma rotina informatizada para impedir o advogado de recolher custas pelo E-SAJ quando a Comarca já migrou para o E-proc.

Em São Paulo, a rotina do sistema E-proc vale mais do que a Lei Processual e do que a Lei Tributária. Isso está patente no despacho que foi transcrito acima. E para piorar a maior Associação de Advogados do país toma conhecimento do problema e dá ombros, culpando o associado dela como se o TJSP não tivesse obrigação legal de cobrar custas uma só vez. Isso é realmente irritante.

A decisão comentada poderia ser objeto de Agravo, mas recurso custaria quase 600 reais e a interposição dele retardaria o andamento do processo do meu cliente. Além disso, o resultado do Agravo nesse caso seria duvidoso. O mais provável seria o TJSP esquecer a Lei Processual e a Lei Tributária arrumando uma desculpa esfarrapada para culpar o advogado. O Acórdão diria que ele foi descuidado e o descuido dele é imperdoável (talvez passível de ser punido pela OAB). De qualquer maneira, mesmo que o prejudicado ganhasse o Agravo ele perderia tempo e dinheiro, porque não seria possível receber de volta as custas do recurso.

O Judiciário analógico tinha vários problemas. Mas, pelo menos, ele havia sido criado para distribuir justiça e um abuso como o que foi narrado aqui seria impossível. O Judiciário informatizado parece cumprir apenas duas funções: produzir lucro para as Big Techs que fornecem seus produtos e serviços aos Tribunais; gerar mais receita para os Tribunais, pouco importando se elas são devidas, indevidas ou recolhidas duas vezes, porque os criadores e responsáveis pelos sistemas informatizados não se preocupam em cumprir a risca o que consta da legislação (e os juízes não entendem nada de programação).

A dogmática jurídica naufragou no oceano de fórmulas matemáticas. Mas quem está sendo torturado e eventualmente roubado pela mão leve automática do sistema é o cidadão jurisdicionado e/ou o advogado dele. Merda.


Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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