Trabalho presencial, home office e regime híbrido: limites do poder diretivo do empregador e a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador

12/09/2025 às 11:59

Resumo:


  • Análise das demissões em massa no Itaú Unibanco em 2025

  • Discussão sobre os limites do poder diretivo do empregador e os direitos fundamentais dos trabalhadores

  • Reflexos do monitoramento digital, legislação trabalhista e LGPD nas relações de trabalho no Brasil

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trabalho presencial, home office e regime híbrido: limites do poder diretivo do empregador e a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador

Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Resumo

O artigo analisa as demissões em massa promovidas pelo Itaú Unibanco em 2025, motivadas pela alegada baixa produtividade de empregados em regime remoto ou híbrido. O estudo tem como objetivo discutir os limites jurídicos do poder diretivo do empregador frente às garantias constitucionais dos trabalhadores, especialmente no tocante à dignidade da pessoa humana, ao direito à intimidade e à saúde. Examina-se também a compatibilidade entre o monitoramento digital de colaboradores, a legislação trabalhista e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. A partir desse debate, busca-se compreender os reflexos do fenômeno para o futuro das relações de trabalho no Brasil, propondo a necessidade de parâmetros que conciliem a eficiência empresarial com a proteção dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Trabalho remoto; Poder diretivo; Direitos fundamentais; Monitoramento digital; Demissões coletivas.

Abstract

This article analyzes the mass dismissals carried out by Itaú Unibanco in 2025, motivated by the alleged low productivity of employees working remotely or under a hybrid system. The study aims to discuss the legal limits of the employer’s managerial power in light of workers’ constitutional guarantees, especially regarding human dignity, privacy, and health. It also examines the compatibility between digital monitoring of employees, labor legislation, and the General Data Protection Law (LGPD). Based on this debate, the paper seeks to understand the impacts of this phenomenon on the future of labor relations in Brazil, highlighting the need for parameters that reconcile business efficiency with the protection of fundamental rights.

Keywords: Remote work; Managerial power; Fundamental rights; Digital monitoring; Collective dismissals.

Sumário: 1. Introdução. 2. O caso Itaú e a produtividade no home office. 3. Poder diretivo do empregador e limites jurídicos. 4. Direitos fundamentais do trabalhador em jogo. 5. Monitoramento digital e proteção de dados pessoais. 6. O equilíbrio entre produtividade e direitos sociais. Referências

1. Introdução

A pandemia de Covid-19 impôs mudanças significativas às relações de trabalho em todo o mundo. No Brasil, o home office, antes restrito a poucas funções, passou a ser incorporado em larga escala, originando também o regime híbrido como forma de conciliar presencialidade e flexibilidade. Passados os momentos mais críticos da crise sanitária, diversas empresas iniciaram processos de reavaliação da produtividade no modelo remoto, reacendendo debates sobre eficiência, controle e direitos sociais.

Nesse contexto, o Itaú Unibanco promoveu, em setembro de 2025, centenas de demissões — estimadas por sindicatos em cerca de mil — de trabalhadores em regime remoto ou híbrido, sob a alegação de incompatibilidade entre registros de ponto e atividade em plataformas digitais. O caso reacendeu a polêmica sobre os limites do monitoramento tecnológico da jornada e da produtividade, especialmente quando tais práticas resultam em desligamentos em massa.

O presente artigo parte desse episódio concreto para investigar as implicações jurídicas da dispensa de empregados por suposta baixa produtividade em regime remoto. A análise se concentra em três eixos fundamentais: (i) o alcance e os limites do poder diretivo do empregador à luz da CLT e da jurisprudência trabalhista; (ii) a incidência dos direitos fundamentais dos trabalhadores, previstos na Constituição Federal; e (iii) a conformidade do monitoramento digital com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

2. O caso Itaú e a produtividade no home office

Segundo informações divulgadas, o banco utilizava softwares capazes de monitorar a atividade do computador do empregado, registrando memória em uso, número de cliques, abertura de abas e inclusão de tarefas no sistema. A partir desses indicadores, concluiu pela baixa produtividade e determinou desligamentos. O Sindicato dos Bancários contestou a medida, afirmando que as demissões ocorreram sem feedback prévio e sem diálogo com os trabalhadores.

A discussão ganha contornos ainda mais sensíveis diante da dificuldade inerente de mensurar produtividade no trabalho remoto. Enquanto em um ambiente físico há supervisão direta e interação constante, o home office envolve dinâmicas distintas, com pausas naturais, eventuais falhas de conexão e interferências tecnológicas, que não necessariamente revelam falta de dedicação.

3. Poder diretivo do empregador e limites jurídicos

Nos termos do art. 2º da CLT, cabe ao empregador assumir os riscos da atividade econômica, dirigir a prestação de serviços e exercer o poder fiscalizatório. Já o art. 3º define a subordinação jurídica como elemento essencial da relação de emprego. Assim, o poder diretivo é inerente à condição de empregador.

Entretanto, o art. 482 da CLT prevê que a dispensa por justa causa exige conduta faltosa grave, devidamente comprovada. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho reforça que a punição deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da gradação das sanções. No caso em exame, a dispensa coletiva sem prévia advertência suscita dúvida sobre eventual abuso.

Muito embora o empregador tenha a prerrogativa de fiscalizar o trabalho, esse poder não é absoluto e deve ser exercido em conformidade com limites legais e constitucionais.

4. Direitos fundamentais do trabalhador em jogo

A Constituição de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III) e consagra a valorização do trabalho humano como princípio da ordem econômica (art. 170). No âmbito individual, assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X), o direito à saúde (art. 6º) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII).

O monitoramento digital constante pode afetar a privacidade do trabalhador, submetendo-o a níveis de vigilância incompatíveis com a proteção constitucional da intimidade. Ademais, a pressão por produtividade em ambiente remoto pode gerar estresse e adoecimento, em afronta ao direito fundamental à saúde.

5. Monitoramento digital e proteção de dados pessoais

A Lei nº 13.709/2018 (LGPD) estabelece que o tratamento de dados pessoais deve observar a boa-fé e os princípios da finalidade, adequação e necessidade (art. 6º). Além disso, o art. 7º prevê hipóteses de tratamento de dados, que, no contexto da relação de trabalho, devem atender à estrita finalidade de execução do contrato.

O uso de softwares que coletam informações sobre cliques, abas abertas e tempo de atividade deve ser proporcional e transparente. A ausência de comunicação prévia ao trabalhador sobre os critérios de monitoramento pode configurar violação ao princípio da transparência e ao direito fundamental à proteção de dados, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6387 e na ADPF 695.

6. Conflito de princípios constitucionais e ponderação

O episódio das demissões no Itaú Unibanco, decorrentes de alegada baixa produtividade em regime remoto e híbrido, revela um evidente conflito de princípios constitucionais.

De um lado, encontra-se a livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170 da Constituição Federal), que assegura ao empregador a liberdade de organizar a atividade econômica e de exercer o poder diretivo sobre seus empregados, conforme previsto também no art. 2º da CLT. A essa prerrogativa se soma o direito de fiscalizar a prestação de serviços, inclusive com o uso de tecnologias, como expressão legítima da autonomia empresarial.

De outro lado, contrapõem-se direitos fundamentais de caráter trabalhista e personalíssimo, igualmente garantidos pela Constituição.

Destacam-se a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), fundamento da República; a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X); o direito à saúde e segurança no trabalho (art. 7º, XXII); e, mais recentemente, o direito fundamental à proteção de dados pessoais (art. 5º, LXXIX, incluído pela EC nº 115/2022).

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Esse embate exige a aplicação da técnica da ponderação de princípios, segundo a qual não se deve eliminar totalmente nenhum deles, mas buscar uma solução que preserve, tanto quanto possível, o núcleo essencial de cada valor constitucional em jogo.

Logo, embora o empregador detenha poder diretivo, tal prerrogativa não é absoluta, devendo ser exercida de forma proporcional, razoável e compatível com os direitos fundamentais do trabalhador.

Na prática, isso significa que o monitoramento digital pode ser admitido, desde que observe critérios de transparência, adequação e necessidade, em consonância com a LGPD.

Da mesma forma, a dispensa de empregados por suposta baixa produtividade deve respeitar a graduação das penalidades prevista na jurisprudência trabalhista, privilegiando advertências e suspensões antes da ruptura contratual.

Portanto, o conflito de princípios presente no caso do Itaú não se resolve pela supremacia de um sobre o outro, mas pela harmonização entre a eficiência empresarial, que integra a livre iniciativa, e a tutela da dignidade e dos direitos fundamentais do trabalhador, que representam conquistas constitucionais irrenunciáveis.

7. O equilíbrio entre produtividade e direitos sociais

O desafio contemporâneo das relações de trabalho está em compatibilizar as exigências de produtividade com a preservação dos direitos sociais constitucionalmente assegurados. O art. 7º da Constituição consagra um rol de direitos fundamentais trabalhistas, e o art. 170, III, reforça a função social da propriedade e da empresa.

O episódio do Itaú evidencia que, sem parâmetros claros, o trabalho remoto pode se tornar um campo de insegurança jurídica. A ausência de legislação específica para o regime híbrido e a dificuldade de adaptação das normas tradicionais da CLT ao ambiente digital tornam urgente o desenvolvimento de novas balizas normativas.

8. Conclusão

As demissões no Itaú representam mais do que um conflito pontual entre trabalhadores e empregador: revelam o embate estrutural entre tecnologia, produtividade e direitos fundamentais no mundo do trabalho.

Nada obstante o empregador detenha poder diretivo, esse poder deve ser exercido dentro dos limites legais e constitucionais, sob pena de violar a dignidade, a intimidade e a saúde do trabalhador. O monitoramento digital, ainda que legítimo em certa medida, deve ser proporcional, transparente e compatível com a LGPD.

O futuro das relações de trabalho no Brasil exigirá não apenas soluções empresariais de gestão, mas também a construção de um marco jurídico que concilie inovação tecnológica, eficiência produtiva e proteção social.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 ago. 1943.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.387/DF. Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 7 maio 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 695/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 28 maio 2020.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Recurso de Revista nº 1128-13.2015.5.02.0006. 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 23 out. 2017.

PRETO, Otávio. Trabalho presencial, home-office total ou regime híbrido? Demissões no Itaú colocam lenha no debate. Seu Dinheiro, 10 set. 2025. Disponível em: <https://www.seudinheiro.com/2025/economia/trabalho-presencial-home-office-total-ou-regime-hibrido-demissoes-no-itau-colocam-lenha-no-debate-otrp/>. Acesso em: 12 set. 2025.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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