Segundo o demógrafo Mark McCrindle1, estima-se que a “Geração Beta” - indivíduos nascidos entre 2025 e 2039 - representará cerca de 16% da população global em 2035, em um contexto de elevada integração tecnológica, inteligência artificial, automação, realidade virtual e ambientes imersivos como elementos constitutivos de sua infância.
Esta geração distingue-se das anteriores, como a Geração Alpha e a Geração Z, precisamente por sua imersão total em um ambiente hiperconectado. Enquanto os Alpha foram os primeiros a nascer em contato direto com dispositivos digitais, os Beta são os primeiros a crescer em um ecossistema marcado pela ubiquidade tecnológica, em que a inteligência artificial, os algoritmos e a realidade aumentada permeiam de maneira orgânica a vida cotidiana.
Tal contexto proporciona maior rapidez no processamento de informações e elevada adaptabilidade cognitiva, mas também acarreta riscos evidentes a redução da capacidade de concentração em virtude da sobrecarga de estímulos, a baixa tolerância à frustração e o enfraquecimento das relações interpessoais, uma vez que a gratificação imediata, compromete a maturação socioemocional, produzindo sujeitos mais ansiosos, menos resilientes e menos preparados para a resolução colaborativa de problemas, conforme apontado no relatório da UNESCO2 sobre o futuro da educação.
Importante destacar que na literatura educacional contemporânea, as skills – habilidades ou competencias – traduzem-se nas capacidades específicas que uma pessoa possui ou desenvolve para desempenhar tarefas , resolver problemas ou interagir com outras pessoas. Distinguem-se as hard skills, de natureza técnica e mensurável, específicas de uma área de conhecimento ou profissão das soft skills, que dizem respeito às competencias socioemocionais ou comportamentais, à empatia, à resiliência, à cooperação e à inteligência emocional.
Embora de natureza distintas, referidas habilidades apresentam-se intrinsecamente interligadas, pois a aplicação eficaz de habilidades técnicas requer alicerce na maturidade socioemocional.
Portanto, a análise que se faz deve ser realizada a partir de uma perspectiva interdisciplinar, conjugando aportes jurídicos, pedagógicos e sociológicos, estabelecendo conexões entre a normatividade constitucional, consagrada no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, as determinações contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei n. 9.394/1996), e as diretrizes pedagógicas emanadas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Isto porque: i) o ordenamento jurídico brasileiro assegura a educação como direito fundamental, cuja teleologia é promover o pleno desenvolvimento da pessoa, preparar para a cidadania e qualificar para o trabalho; ii) A LDB, em consonância com esse preceito, estabelece em seu art. 2º que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento do educando, e; iii) a BNCC, aprovada em 2017, inclui entre suas competências gerais a promoção da saúde emocional e o reconhecimento da diversidade humana.
Destarte, a expressão “pleno desenvolvimento da pessoa” não pode ser interpretada de modo restritivo ou meramente instrucional, mas deve ser compreendida em consonância com a principiologia inalienável constitucional, entre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III).
Contudo, a concretização desses dispositivos normativos encontra barreiras significativas. As escolas brasileiras ainda privilegiam conteúdos relegando as soft skills a um plano periférico, frequentemente tratadas como “projetos complementares” e não como elementos estruturantes do processo educativo. Tal distanciamento entre o texto normativo e a prática escolar agravaria a lacuna formativa desta geração, cujas necessidades emergentes são ignoradas pelo modelo pedagógico vigente.
A realidade do mercado de trabalho confirma essa dissonância. Recente Pesquisa do LinkedIn (Global Talent Trends Report, 2022)3 indica que 89% dos gestores atribuem o insucesso de contratações não a lacunas técnicas, mas à ausência de competências socioemocionais.
Isso demonstra que, embora as hard skills sejam imprescindíveis para o desempenho laboral, seu desenvolvimento e aplicação somente se tornam possíveis em ambientes sustentados por sólidas soft skills, tais como comunicação, colaboração, gestão de conflitos e empatia. Tal informação é corroborada com a pesquisa do Fórum Econômico Mundial (2023)4, em seu Future of Jobs Report, na qual destaca-se que 93% dos empregadores atribuem importância igual ou superior às soft skills em comparação às habilidades técnicas, revelando que o mundo do trabalho contemporâneo demanda competências híbridas, nas quais o domínio técnico se articula indissociavelmente à capacidade relacional.
Nesse sentido, é possível afirmar que o déficit das escolas brasileiras em promover uma formação integral implica não apenas prejuízos individuais, mas também limitações coletivas ao desenvolvimento econômico e social do país.
Em síntese, a Geração Beta enfrenta o árduo desafio de se constituir em um mundo saturado de estímulos digitais que tendem a fragilizar vínculos humanos e a comprometer o desenvolvimento socioemocional. Todavia, não se pode admitir que tal geração seja negligenciada por políticas e práticas pedagógicas que ainda insistem em um modelo fragmentário, alheio à integralidade do ser humano.
A educação, compreendida como direito fundamental e dever do Estado, da família e da sociedade, deve promover não apenas a instrução técnica e cognitiva, mas igualmente a formação afetiva, moral e comunitária, pois somente assim se realiza o ideal de “pleno desenvolvimento da pessoa” consagrado pela Constituição de 1988.
Nesse diapasão, considerando ainda a abrangência do dispositivo constitucional, por que não afirmarmos que as dimensões espirituais e religiosas do educando mostram-se não como acessórios, mas como parte constitutiva de uma verdadeira educação integral, capaz de conferir sentido, propósito e humanidade ao percurso formativo.
A Geração Beta, mais do que qualquer outra, carece de uma pedagogia que una hard skills e soft skills, ciência e virtude, técnica e transcendência, de modo que possa florescer em sua inteireza e, assim, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e plenamente humana.
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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Brasília, 2017.
FORBES. Geração Beta Será a Primeira a Presenciar IA em Todas Áreas da Vida, 2025.
LINKEDIN. Global Talent Trends Report. 2022.
MCCRINDLE, Mark. Generation Beta Report. Sydney: McCrindle Research, 2023.
OECD. Future of Education and Skills 2030. Paris, 2021.
UNESCO. Reimagining Our Futures Together: A New Social Contract for Education. Paris, 2022.
WORLD ECONOMIC FORUM. Future of Jobs Report. Geneva, 2023.
Geração Beta Será a Primeira a Presenciar IA em Todas Áreas da Vida, Diz Criador do Termo. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2025/01/geracao-beta-sera-a-primeira-a-presenciar-ia-em-todas-areas-da-vida-diz-criador-do-termo/ Acessado em: 14/09/2025.︎
Reimaginar nossos futuros juntos: Um novo contrato social para a educação. Disponível em: https://losfuturosdelaeducacion.fundacion-sm.org/pt-br/noticias-pt-br/unesco-pt-br/o-relatorio-da-unesco-endossa-a-abordagem-cognitivo-emocional-da-educacao/. Acessado em: 14/09/2025.︎
2022 Global Talent Trends, The Reinvention of Company Culture. Disponível em: https://business.linkedin.com/talent-solutions/global-talent-trends/archival/global-talent-trends-january-2022. Acessado em: 14/09/2025.︎
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The Future of Jobs Report 2023. Disponível em: https://www.weforum.org/publications/the-future-of-jobs-report-2023/. Acessado em: 13/09/2025.︎