Carlos Roberto Claro1
O presente ensaio acadêmico apresentará algumas reflexões a respeito da participação de acionistas de sociedade anônima no processo de recuperação judicial do agente econômico.
De fato, o art. 53 é silente [lacuna] a respeito de quem – pela entidade em recuperação – deverá elaborar o plano de recuperação e ser o responsável direito por seu conteúdo.
Possível é a constituição de acionistas de pessoa jurídica em recuperação judicial a fim de que colaborem na estruturação e elaboração de tal documento, considerando o objetivo comum dos acionistas (bem como de todos os credores), que é a superação da crise e preservação da empresa no ambiente econômico, bem como pagamento das dívidas.
O jurista Jorge Lobo levantou a importante questão em 2016, no brilhante artigo científico intitulado “Omissão da lei de Falências permite que acionistas decidam por comitê”2, ao qual serão feitas referências.
Destaque-se que, segundo a lei de regência, o plano de recuperação judicial deve ser apresentado no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias a contar da publicação da decisão que determina o processamento da recuperação judicial (art. 53 da Lei 11.101/05).
É de se notar que não sendo cumprimento do prazo legal o magistrado pode determinar, por sentença, a convolação da recuperação judicial em falência, a teor do art. 73, inc. II, da lei de regência [o qual contém hipóteses específicas de convolação].
O enunciado constante art. 53 é silente a respeito de quem, efetivamente, deve elaborar e ser o responsável pelo plano de reestruturação.
Exsurge, nesse passo, a importante participação dos acionistas minoritários de uma companhia aberta que esteja sob regime recuperatório, para fins de elaboração do imprescindível documento.
Tal plano de recuperação, que deverá cumprir rigorosamente todos os requisitos elencados pelo art. 53, é quiçá o documento mais importante a ser apresentado no processo de recuperação judicial, justamente porque é ele que apresentará as balizas a respeito da forma como haverá (em tese) o soerguimento empresarial.
É ele, o plano de soerguimento, que dará o norte, a linha, o caminho a ser percorrido na reestruturação da empresa; estabelecerá, de maneira pormenorizada e rigorosa, quais serão os meios utilizados pelo devedor visando a tentativa de recuperação do agente econômico em momentânea crise.
Ressalte-se um detalhe: a consistência do plano, no aspecto econômico, poderá (em tese) contribuir para a superação da crise, com efetivo retorno ao mercado competitivo daquela entidade que está em momento deficitário.
Evidentemente que fatores externos (os mais variados, inclusive oscilação da moeda norte-americana, - com efetiva influência na economia mundial -, mudança climática, oscilações de mercado etc.) podem alterar de forma significativa os rumos do processo recuperatório e influir diretamente no cumprimento do plano de reestruturação.
Na companhia aberta, regida pela Lei 6.404/76, há o acionista majoritário, aquele que detém o maior número de ações com direito a voto, e o acionista minoritário, com menor número de ações.
Conforme ensinamento do jurista Ricardo Negrão, acionista minoritário é o proprietário de ações com direito a voto, cujo total não lhe garante o controle da sociedade3.
O acionista minoritário pode ser o investidor “rendeiro”, é aquele que investe nas ações da companhia visando resultados a longo prazo. Mantem suas ações como investimento, visando lucro futuro.
Há também o denominado “acionista especulador”, que visa o ganho, com base na análise de mercado, adquirindo ações em baixa e vendendo quando alterado o valor. Trabalha, assim, com os riscos de mercado, sempre visando a rentabilidade das ações.
Pode haver minoria com mais ações que dão direito a voto e, por outro lado, maioria, com menos ações com direito de voto.
Quanto ao acionista controlador, o conceito está previsto no art. 116 da Lei 6.404/76. Em resumo, é a pessoa natural ou jurídica, ou mesmo grupo de “pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
Conforme exposto, o art. 53 da Lei 11.101/05, em linhas gerais, estabelece que o plano de reestruturação deve ser apresentado pelo devedor no improrrogável prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da decisão que determina o processamento da recuperação judicial. Cabe, por força de lei, anexar toda a documentação prevista nos incisos do art. 53.
A Lei 11.101/05 faz referência a “devedor”, ou seja, o empresário ou a sociedade empresária que desenvolve atividade econômica organizada e que esteja sob regime recuperatório.
Entrementes, o enunciado legal não chega a detalhes sobre quem, representando tais entidades, deve ser o responsável acerca de tal documento apresentado no processo de reestruturação.
De acordo com Jorge Lobo, o problema é justamente este:
Os acionistas de companhias em regime de recuperação judicial podem participar da discussão e elaboração do plano de reestruturação?
O jurista entende que, visando a suprir a lacuna verificada no art. 53, possível se utilizar da denominada “heterointegração”, que consiste na integração operada através do recurso a ordenamentos diversos…, a ordenamentos vigentes contemporâneos” (Norberto Bobbio, “Teoria do Ordenamento Jurídico”, edipro, 2016, p. 138), conforme texto mencionado.
Ainda, Jorge Lobo faz referência à denominada autointegração, aplicando-se a regra do art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942).
Interessa aqui, por importante, o teor do Bankruptcy Code norte-americano, mais especificamente o Capítulo 11 [Chapter Eleven], que trata do processo de reestruturação de empresa com desequilíbrio financeiro e a proteção judicial.
Em termos, o estatuto falimentar estadunidense foi uma das bases para a redação da Lei 11.101/05, nela incorporando, por exemplo, os institutos denominados de cram down e automatic stay period.
Nessa esteira, conforme bem apontado por Ricardo Negrão, a lei estadunidense tradicionalmente não é adotada no Brasil4.
Quer-se crer, as leis italiana e francesa guardam muito maior correspondência com os diplomas falimentares brasileiros nos últimos cem anos, pelo menos.
Da lei norte-americana consta que o devedor poderá apresentar um plano de reestruturação, no prazo de até 120 dias após a ordem de tutela. Por outro lado, o comitê de credores, o comitê de títulos patrimoniais, o credor etc., também poderão registrar o plano, se:
a trustee has been appointed under this chapter;
the debtor has not filed a plan before 120 days after the date of the order for relief under this chapter; or
the debtor has not filed a plan that has been accepted, before 180 days after the date of the order for relief under this chapter, by each class of claims or interests that is impaired under the plan
Seção 1.1221 (c)(1) (2) (3)
A legislação norte-americana sobre o tema permite a nomeação e instalação de comitê de acionistas visando a participação na elaboração do plano de reorganização.
Na Seção 1.102 (a) (1), que trata dos Comitês de credores e detentores de títulos patrimoniais, poderá haver tal nomeação, visando a assegurar uma representação adequada dos credores ou dos detentores de títulos de capital.
O Trustee faz a nomeação:
Except as provided in paragraph (3), as soon as practicable after the order for relief under chapter 11 of this title, the United States trustee shall appoint a committee of creditors holding unsecured claims and may appoint additional committees of creditors or of equity security holders as the United States trustee deems appropriate.
De acordo com a Seção 1.103 – que trata dos poderes e deveres, tal Comitê poderá:
consult with the trustee or debtor in possession concerning the administration of the case;
Seção 1.103 (c) (1)
investigate the acts, conduct, assets, liabilities, and financial condition of the debtor, the operation of the debtor’s business and the desirability of the continuance of such business, and any other matter relevant to the case or to the formulation of a plan;
Seção 1.103 (c) (2)
participate in the formulation of a plan, advise those represented by such committee of such committee’s determinations as to any plan formulated, and collect and file with the court acceptances or rejections of a plan;
Seção 1.103 (c) (3)
O jurista Jorge Lobo faz constar de seu brilhante texto, já referenciado, que:
Da interpretação do art. 53, conclui-se que os acionistas podem – e devem – tomar parte ativa, quiçá decisiva, ainda que indiretamente, no enfrentamento da crise da empresa, porquanto a LRFE não proíbe, nem expressa, nem implicitamente, que eles discutam e participem da elaboração do plano de reestruturação e reerguimento, e, portanto, no momento, no país, da discussão e elaboração do plano de dezenas de companhias de capital aberto de grande porte em recuperação judicial, com passivos bilionários e centenas de milhares de acionistas, denominados minoritários, mas que, em verdade, possuem juntos a maioria do capital social
E finaliza:
Em resumo e em conclusão: a omissão do art. 53 da LRFE deve ser suprida com o recurso (a) ao Direito Comparado, que prevê a criação do “comitê de acionistas”, (b) ao princípio geral do direito, segundo o qual “tudo o que não é proibido, presume-se (juridicamente) permitido”, e (c) à analogia, aplicando-se, por inferência, as normas de constituição e funcionamento do conselho fiscal e de eleição dos membros do conselho de administração das companhias, quando adotado o “processo do voto múltiplo”5
O objeto cognoscível (Lei 11.1015) colocado diante do sujeito cognoscente (intérprete) é muito rico, permitindo que pesquisas acadêmicas sejam levadas a efeito acerca dos mais variados temas e institutos a respeito da crise empresarial.
A regra do art. 53 da Lei 11.101/05 é um dos palpitantes temas que poderão ser objeto de aprofundado estudo, sendo que novas reflexões serão apresentadas, oportunamente, visando ao debate acadêmico.
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Advogado em Direito Empresarial; Mestre em Direito; Especialista em Direito Empresarial; Parecerista e Pesquisador; Membro e Diretor Acadêmico da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-PR (gestão 2025-2027).
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https://www.conjur.com.br/2016-set-12/omissao-lei-falencias-permite-acionistas-formem-comite/.
Acesso: 16/09/2025).︎
Manual de direito comercial e de empresa. Volume 1: teoria geral da empresa e direito societário. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 477.︎
Curso de Direito Comercial e de Empresa, Volume 3. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 254.︎
Destaques no original.︎