Resumos de Inteligência Artificial em Plataformas de Busca: desafios jurídicos, econômicos e concorrenciais

18/09/2025 às 12:23

Resumo:


  • O uso de resumos de inteligência artificial em plataformas de busca gera impactos jurídicos e econômicos, incluindo questões de propriedade intelectual, concorrência e sustentabilidade do jornalismo digital.

  • A introdução de resumos de IA desafia modelos tradicionais de tráfego e receita entre big techs e veículos de mídia, levando à necessidade de novas soluções regulatórias para conciliar inovação tecnológica, proteção de direitos autorais e preservação da atividade jornalística.

  • A discussão envolve temas como direitos autorais, transparência, concorrência e sustentabilidade do mercado, destacando a importância de regulamentações que equilibrem inovação e proteção dos produtores de conteúdo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumos de Inteligência Artificial em Plataformas de Busca: desafios jurídicos, econômicos e concorrenciais

Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Resumo

Este artigo examina os impactos jurídicos e econômicos decorrentes da utilização de resumos de inteligência artificial (AI Overviews) em plataformas de busca, com destaque para as implicações sobre a propriedade intelectual, a concorrência e a sustentabilidade do jornalismo digital. A análise aborda a ruptura do modelo tradicional de tráfego e receita entre big techs e veículos de mídia, discute a ausência de mecanismos de compensação aos produtores de conteúdo e avalia iniciativas regulatórias internacionais. O estudo toma como referência casos concretos, como a recente ação judicial da Penske Media contra o Google, a fim de ilustrar as tensões emergentes no campo. Conclui-se que o avanço da IA aplicada às buscas exige novas soluções regulatórias e contratuais que conciliem inovação tecnológica, proteção de direitos autorais e preservação da atividade jornalística.

Palavras-chave: Inteligência Artificial; Plataformas Digitais; Propriedade Intelectual; Concorrência; Jornalismo Digital.

Abstract

This article examines the legal and economic impacts of artificial intelligence summaries in search platforms, with particular emphasis on their implications for intellectual property, competition, and the sustainability of digital journalism. The analysis addresses the breakdown of the traditional traffic and revenue model between big tech companies and media outlets, discusses the lack of compensation mechanisms for content producers, and evaluates international regulatory initiatives. The study uses concrete cases, such as the recent lawsuit filed by Penske Media against Google, to illustrate emerging tensions in the field. It concludes that the advancement of AI in search engines requires new regulatory and contractual solutions that reconcile technological innovation, copyright protection, and the preservation of journalistic activity.

Keywords: Artificial Intelligence; Digital Platforms; Intellectual Property; Competition; Digital Journalism.

1. Contexto tecnológico e impactos no jornalismo

A transformação digital alterou radicalmente os hábitos de consumo de informação. Se no início da popularização da internet os buscadores funcionavam como meros intermediários entre o usuário e o conteúdo original, a incorporação de inteligência artificial vem modificando esse paradigma.

Os chamados resumos de IA (no caso do Google, o AI Overviews, lançado em 2024) representam uma nova camada de mediação informacional, em que a resposta ao usuário não é apenas a indicação de links, mas uma síntese gerada automaticamente a partir de fontes diversas.

Essa inovação atende a um comportamento crescente dos usuários, que demandam rapidez e objetividade na obtenção de informações, sem necessariamente visitar páginas externas.

No entanto, ao internalizar a resposta dentro da própria plataforma, o buscador reduz o incentivo ao clique, comprometendo a lógica do tráfego digital que até então sustentava o modelo de negócios da imprensa online.

Tal mudança não é marginal, mas sim sistêmica, pois representa a migração de parte substancial do público do ambiente dos veículos de mídia para o espaço controlado pelas big techs.

As consequências econômicas são igualmente expressivas. Muitos veículos de imprensa dependem não apenas de publicidade própria, mas também de receitas provenientes de links afiliados, que remuneram a cada conversão de venda gerada a partir do tráfego encaminhado pelo buscador. A redução desse fluxo de audiência implica perda direta de receitas, como demonstrado pela Penske Media, que relatou queda superior a 30% em sua renda com links afiliados.

Portanto, a questão transcende o aspecto tecnológico. Trata-se de uma alteração profunda no ecossistema informacional e econômico, capaz de fragilizar a sustentabilidade de empresas jornalísticas e, por consequência, comprometer a pluralidade informativa necessária à vida democrática.

2. Direitos autorais e propriedade intelectual

No campo jurídico, os resumos de inteligência artificial colocam em evidência a tensão entre inovação tecnológica e proteção da propriedade intelectual. A Lei nº 9.610/1998, no Brasil, e legislações similares em outros países, reconhecem os conteúdos jornalísticos como obras intelectuais protegidas, ainda que em forma de reportagens, análises ou notícias. Assim, qualquer uso que extrapole o simples acesso por parte do leitor exige autorização prévia ou amparo em hipóteses legais de limitação dos direitos.

A geração de resumos por algoritmos suscita a dúvida: trata-se de mera compilação, possível dentro dos limites do direito de citação, ou de criação de obra derivada, que demandaria autorização e remuneração do titular?

A resposta não é trivial. Enquanto alguns defendem que a síntese automática não passa de uma reorganização de informações públicas, outros sustentam que o produto final — o resumo — constitui uma nova obra baseada em material protegido, o que configuraria violação de direitos autorais.

Nos Estados Unidos, a discussão é frequentemente associada ao instituto do fair use (uso justo), que permite determinadas utilizações não autorizadas de obras protegidas, desde que atendidos requisitos como finalidade, natureza do uso e impacto econômico sobre o mercado da obra original.

Em contextos como o jornalismo digital, no entanto, esse último critério — o efeito econômico — pesa contra a legitimidade do uso pela IA, uma vez que os dados de queda de audiência e perda de receita demonstram impacto concreto e relevante sobre os produtores de conteúdo.

A ação judicial movida pela Penske Media contra o Google é emblemática nesse ponto. O grupo alega que cerca de 20% de seus conteúdos indexados já são apresentados acompanhados de resumos de IA, e que essa prática não apenas viola direitos autorais, mas compromete diretamente a remuneração que sustenta suas operações. Ainda que a decisão judicial esteja em aberto, o caso pode representar um precedente importante na definição dos contornos jurídicos do uso de conteúdos jornalísticos por sistemas de IA.

Além da questão autoral, há também o problema da transparência e da atribuição. Pesquisas do Pew Research Center indicam que menos de 1% dos usuários clica nos links apresentados como fontes dos resumos de IA.

Ou seja, mesmo quando há indicação formal da origem, esta não se traduz em retorno efetivo ao veículo de mídia, o que esvazia a função compensatória da atribuição. Assim, a simples menção ao site de origem não basta para equilibrar a equação entre big techs e produtores de conteúdo.

Em síntese, a discussão autoral sobre os resumos de IA não se limita à análise formal da obra, mas deve considerar os impactos econômicos e sociais do uso não autorizado. A questão desafia os marcos normativos vigentes e aponta para a necessidade de atualização legislativa e regulatória, sob pena de se consolidar uma assimetria que fragiliza a imprensa e favorece a concentração de poder informacional nas plataformas digitais.

3. Concorrência e sustentabilidade do mercado

Além da dimensão autoral, os resumos de inteligência artificial levantam sérias preocupações no campo do direito concorrencial. As plataformas de busca, em especial o Google, ocupam posição dominante no mercado global de indexação e distribuição de informações. A concentração de poder é tamanha que, para a maioria dos veículos jornalísticos, o buscador representa a principal fonte de tráfego externo, sendo responsável por parcela significativa da audiência.

Esse cenário cria uma relação assimétrica de dependência. Os veículos necessitam do tráfego encaminhado pelas plataformas para garantir sua visibilidade e receita publicitária, ao passo que as plataformas, por sua posição monopolística, podem alterar o design e o funcionamento de suas ferramentas sem que os produtores de conteúdo tenham real capacidade de reação. A introdução dos resumos de IA exemplifica esse desequilíbrio: ao oferecer respostas completas diretamente na página de busca, o Google retém a atenção do usuário dentro de seu próprio ecossistema, reduzindo a necessidade de redirecionamento para os sites originais.

Do ponto de vista concorrencial, essa prática pode configurar abuso de posição dominante, previsto em legislações como a brasileira Lei nº 12.529/2011. O abuso se caracterizaria pela apropriação indevida de valor econômico gerado por terceiros — os produtores de conteúdo — e pela limitação artificial do acesso dos usuários às fontes originais de informação.

Além disso, ao enfraquecer os veículos de comunicação, o modelo compromete a diversidade informativa e favorece a concentração de mercado, o que representa risco não apenas econômico, mas também democrático.

Outro aspecto relevante é o impacto sobre a sustentabilidade do jornalismo. A perda de receitas decorrente da redução de audiência pode levar a cortes em redações, diminuição da produção jornalística independente e fechamento de veículos menores, criando um ciclo vicioso de fragilização do setor.

Isso coloca em risco o pluralismo informacional, elemento essencial à democracia. O jornalismo de qualidade depende de recursos financeiros para investigar, verificar e contextualizar fatos, e a erosão desse modelo ameaça diretamente a produção de informação confiável.

Portanto, a questão dos resumos de IA não deve ser analisada apenas como uma disputa entre empresas privadas, mas como um problema de política pública que envolve a preservação da livre concorrência, da diversidade informativa e do próprio direito fundamental à informação.

4. Regulação e caminhos possíveis

Diante dos desafios apresentados, diversos países e blocos econômicos vêm discutindo soluções regulatórias para equilibrar inovação tecnológica e proteção dos produtores de conteúdo.

A União Europeia, por meio da Diretiva (UE) 2019/790, estabeleceu novos direitos conexos aos editores de imprensa, obrigando as plataformas a negociar licenciamento para o uso de seus conteúdos.

Essa medida representa uma tentativa de corrigir a assimetria entre big techs e veículos, reconhecendo que a utilização de material jornalístico para gerar resumos e exibir trechos não pode ocorrer sem justa compensação.

Na Austrália, o News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code, de 2021, inovou ao criar um mecanismo de negociação obrigatória entre plataformas e empresas jornalísticas.

A lógica do modelo é simples: diante da posição dominante das big techs, a regulação força uma mesa de negociação, permitindo que os veículos tenham condições mínimas de barganha. A experiência australiana já resultou em acordos que garantem repasses financeiros significativos às empresas de mídia.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nos Estados Unidos, embora ainda não exista um marco regulatório específico, cresce a pressão por atualização do Digital Millennium Copyright Act (DMCA), de modo a contemplar os novos desafios da inteligência artificial.

Paralelamente, a judicialização tem desempenhado papel relevante, como demonstram as ações movidas por grupos como a Penske Media contra o Google e, em outros contextos, contra empresas como a OpenAI e a Microsoft.

No Brasil, a discussão avança de forma mais incipiente. O debate sobre regulação das plataformas digitais ainda se concentra em temas como moderação de conteúdo, combate à desinformação e responsabilidade por dados pessoais. Contudo, a questão da remuneração justa pelo uso de conteúdo jornalístico já aparece em projetos legislativos e deverá ganhar relevância diante do avanço dos resumos de IA.

É importante destacar que qualquer medida regulatória deve buscar equilíbrio. De um lado, não se pode inviabilizar a inovação tecnológica, que traz benefícios claros ao usuário final. De outro, é necessário assegurar que os produtores de conteúdo recebam compensação adequada, evitando a concentração de valor nas mãos das plataformas.

Entre as alternativas possíveis, destacam-se: criação de mecanismos de licenciamento compulsório remunerado para o uso de conteúdos jornalísticos por IA, imposição de regras de transparência sobre as fontes utilizadas na geração dos resumos, estímulo à negociação coletiva entre veículos de imprensa e plataformas e implementação de fundos de apoio ao jornalismo, financiados por contribuições das big techs.

Cada uma dessas soluções possui vantagens e limitações, mas o ponto comum é a necessidade de ação regulatória que preserve o ecossistema informacional e garanta a sustentabilidade da atividade jornalística.

5. Conclusão

A análise desenvolvida neste artigo demonstra que os resumos de inteligência artificial em plataformas de busca representam mais do que um avanço tecnológico: constituem uma transformação estrutural no modo como a informação circula na sociedade.

Ao sintetizar conteúdos produzidos por veículos jornalísticos sem compensação financeira proporcional e ao reduzir o tráfego destinado às páginas originais, esse modelo coloca em risco a sustentabilidade econômica do jornalismo e fragiliza a pluralidade informativa.

O caso da Penske Media contra o Google é um exemplo paradigmático que evidencia os impactos concretos desse fenômeno. A queda de audiência e receita relatada pelo grupo confirma que os efeitos não são meramente potenciais, mas já se fazem sentir de forma significativa. Tal litígio sinaliza uma tendência de intensificação das disputas judiciais entre big techs e empresas de mídia, bem como o fortalecimento da agenda regulatória em diferentes países.

Do ponto de vista jurídico, a controvérsia envolve tanto a proteção da propriedade intelectual quanto a preservação da livre concorrência.

No campo econômico, trata-se de assegurar a viabilidade de um setor essencial ao regime democrático. Por fim, sob a ótica política, a questão toca diretamente o direito fundamental à informação e a necessidade de preservar um espaço público plural e acessível.

Diante desse quadro, conclui-se que a regulação é não apenas necessária, mas urgente. O desafio está em construir soluções que não engessem a inovação tecnológica, mas que, ao mesmo tempo, garantam a justa remuneração dos produtores de conteúdo e preservem a diversidade informacional. O equilíbrio entre esses valores será determinante para que a sociedade possa usufruir dos benefícios da inteligência artificial sem comprometer os pilares da democracia.

Referências

PODER360. Google enfrenta primeiros processos de empresas de mídia por resumos de IA. 18 set. 2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-midia/google-enfrenta-primeiros-processos-de-empresas-de-midia-por-resumos-de-ia/. Acesso em: 18 set. 2025.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre os direitos autorais.

UNIÃO EUROPEIA. Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, sobre direitos autorais no mercado único digital.

AUSTRÁLIA. News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code. 2021.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos