PERDA DA GUARDA E SEUS PRINCIPAIS MOTIVOS: ANÁLISE À LUZ DA LEGISLAÇÃO, JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA
INTRODUÇÃO
A guarda é um dos institutos mais relevantes do Direito de Família, pois materializa o dever de cuidado, sustento e educação dos filhos menores. A sua atribuição decorre do poder familiar, que deve ser exercido no interesse da criança ou do adolescente.
Todavia, em determinadas situações, o Poder Judiciário pode decretar a perda da guarda, transferindo-a a outro genitor, a familiares ou até mesmo ao Estado, quando comprovado que a permanência com o responsável atual coloca em risco os direitos fundamentais do menor.
Este artigo visa esclarecer os principais fundamentos legais, jurisprudenciais e doutrinários acerca da perda da guarda no ordenamento jurídico brasileiro.
BASE LEGAL
O Código Civil (arts. 1.583 a 1.590) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990, arts. 22 a 35) tratam diretamente da guarda e suas hipóteses de suspensão ou perda.
O art. 22 do ECA dispõe:
“Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores (...).”
Já o art. 24 prevê que:
“A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que se refere o art. 22.”
Ou seja, a guarda não é absoluta: sua manutenção está condicionada ao cumprimento do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio basilar do Direito de Família contemporâneo.
PRINCIPAIS MOTIVOS PARA A PERDA DA GUARDA
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Maus-tratos ou violência doméstica
A prática de agressões físicas, psicológicas ou abusos configura causa imediata para a perda da guarda.
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Abandono material ou afetivo
O não cumprimento dos deveres de sustento, moradia, educação e assistência moral pode justificar a transferência da guarda.
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Dependência química
O envolvimento com drogas ou álcool, quando compromete a capacidade de cuidado, pode ensejar a medida.
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Exploração ou abuso sexual
Situação de gravidade máxima, que conduz não só à perda da guarda, mas também à suspensão ou destituição do poder familiar.
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Risco à integridade física e psicológica do menor
Qualquer conduta que comprometa o desenvolvimento saudável da criança ou do adolescente pode fundamentar a medida judicial.
JURISPRUDÊNCIA
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reafirmado a prevalência do melhor interesse da criança como critério determinante:
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STJ, REsp 1.159.242/MG (2011): “A guarda deve atender prioritariamente ao princípio do melhor interesse da criança, acima de eventuais conflitos entre os genitores.”
STJ, AgRg no Ag 1.244.820/SP (2010): Reforçou a possibilidade de transferência da guarda em casos de risco à integridade física e psicológica do menor.
STJ, REsp 1.579.015/DF (2016): Admitiu que a guarda seja atribuída a terceiros (avós, tios, padrinhos), quando os pais não reúnem condições para exercê-la.
DOUTRINA
Segundo Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5, 2018), a guarda deve ser entendida como um dever jurídico, e não apenas como um direito, pois o Estado pode retirá-la caso o responsável descumpra sua finalidade essencial: proteger a criança.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito das Famílias, 2021) destacam que a perda da guarda deve sempre ser analisada sob a ótica do princípio da proteção integral, insculpido no art. 227 da Constituição Federal, sendo medida de caráter excepcional.
Já Rolf Madaleno (Curso de Direito de Família, 2022) ressalta que a destituição da guarda não significa o afastamento do vínculo afetivo ou biológico, mas uma intervenção judicial necessária quando os pais se mostram incapazes de cumprir suas funções.
CONCLUSÃO
A perda da guarda é medida excepcional, utilizada apenas quando comprovado que a permanência do menor com o responsável atual compromete seu bem-estar. A legislação, a jurisprudência e a doutrina convergem no sentido de que o critério primordial deve ser o melhor interesse da criança e do adolescente, acima de qualquer disputa patrimonial ou conjugal.
Assim, cabe ao Judiciário intervir sempre que necessário, de modo a preservar o direito fundamental de crianças e adolescentes a uma convivência familiar saudável e segura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
Superior Tribunal de Justiça – REsp 1.159.242/MG; AgRg no Ag 1.244.820/SP; REsp 1.579.015/DF.