A imagem mais vívida e correta feita do mundo atual nas décadas passadas não foi criada por Bill Gates ou Mark Zuckerberg e sim por George Orwell. Mas nem mesmo o autor de “1984” foi capaz de visualizar o que realmente estava por vir.
O primeiro deu uma vívida descrição da casa do futuro:
“O crachá eletrônico que você vai usar dirá à casa quem você é e onde se encontra. A casa vai usar tais informações para tentar satisfazer e até prever suas necessidades – tudo da maneira menos invasiva possível. Algum dia, no lugar do crachá, talvez seja possível ser identificado a partir de uma câmera com capacidade para reconhecimento de imagem. Mas isso está além da tecnologia existente. Quando estiver escuro lá fora, o crachá fará com que uma área de luz o acompanhe pela casa. Cômodos vazios permanecerão no escuto. À medida que andar por um corredor, talvez não perceba que as luzes à sua frente se acendem gradualmente, enquanto as luzes para traz se apagam. A música também vai se mover junto com você. Parecerá estar por toda parte, apesar de que outras pessoas na casa estarão ouvindo uma música completamente diversa, ou nenhuma. Um filme ou noticiário também poderão acompanha-lo ao longo da casa. Se você receber uma chamada telefônica, apenas o aparelho mais próximo tocará.” (A Estrada do Futuro, Bill Gates, Companhia das Letras, São Paulo, 1995, p. 270-271)
Quando anunciou pomposamente a criação do metaverso, Mark Zuckerberg disse que “Você pode pensar no metaverso como uma internet materializada, onde em vez de apenas visualizar o conteúdo, você está nele”. (vide o G1 Tecnologia). A casa real high tech de Bill Gates deixaria de ser um espaço físico porque o mundo inteiro seria transplantado com os usuários do metaverso para dentro da internet. O anúncio bombástico provocou uma verdadeira febre de especulação imobiliária no mundo virtual. Mas em pouco tempo depois o metaverso naufragou e ninguém mais fala desse assunto, exceto talvez o próprio Zuckerberg quando lamenta o prejuízo econômico que sofreu.
Na última entrevista que deu, George Orwell disse “If you want a picture of the future, imagine a boot stamping on a human face – for ever.” A imagem da bota de um policial pisando na cara de cada pessoa que discorda do genocídio em Gaza já pode ser vista na Alemanha, Inglaterra, EUA e até em Israel. A violência policial contra aqueles que ousam criticar o militarismo criminoso israelense está se tornando insuportável, sendo desnecessário reproduzir aqui as imagens grotescas de pacifistas alemães, ingleses, norte-americanos e israelenses agredidos, arrastados, algemados e sangrando durante operações policiais.
Em Londres a polícia metropolitana não poupa nem mesmo os idosos, os quais felizmente têm sido detidos sem violência. Recentemente, o ex-parlamentar, líder partidário e jornalista George Galloway e a esposa dele foram detidos num aeroporto inglês ao retornar da Rússia (vide RT e BBC). O famigerado Ato Anti-Terrorismo e de Controle de Fronteiras de 2019 usado contra o produtor do famoso The Mother of All Talk Shows não permite a contratação de advogado e obriga a pessoa detida a responder todas as perguntas que lhe forem feitas. O silêncio, garantido nos demais processos criminais na Inglaterra, não é permitido nesses casos. Se o detido se recusar a responder as questões formuladas ele pode ser acusado de outro crime que levará inevitavelmente à sua condenação e encarceramento.
As liberdades de reunião, de ir e vir, de manifestação e de opinião foram revogadas em diversos países. Inclusive e principalmente naqueles que fornecem armamentos e cobertura diplomática para as forças genocidas israelenses devastarem Gaza com uma violência desproporcional submetendo milhões de não combatentes à fome.
E para piorar, as novíssimas tecnologias da informação estão sendo utilizadas tanto no campo de extermínio quanto pelas polícias da Alemanha, Inglaterra, EUA e Israel. Empresas de tecnologia que colaboram com a desdemocratização dos aliados dos genocidas obtém lucro facilitando a localização de pacifistas acusados de terrorismo. Aquelas que ousam tentar furar o cerco policialesco são desencorajadas a fazer isso (vide Engadget).
A bota não está apenas estampada na cara de cada adversário alemão, inglês, norte-americano e israelense dos crimes de guerra. Os manifestantes jovens pintam as caras para dificultar o reconhecimento facial, mas isso não é capaz de salvá-los da repressão policial. Ela os acompanha onde quer que eles levem e utilizem seus smartphones. A polícia do pensamento algoritmizada é incansável e pode ver todos o tempo todo em todos os lugares.
A estrutura tecnológica criada para facilitar a violência policial e a opressão política na Alemanha, Inglaterra, EUA e Israel já existe em outros países. Ela certamente existe no Brasil.
Entre nós essa tecnologia ajudou o MPF e o STF a colocar milhares de bolsonaristas nos locais dos crimes cometidos em 08/01/2023, mas existe uma diferença fundamental aqui. Os bolsonaristas que atacaram o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto não eram pacifistas lutando contra um genocídio, mas terroristas dando um golpe de estado que se fosse bem sucedido rapidamente se transformaria numa ditadura assassina. Não por acaso eles apoiam Israel de maneira incondicional e comemoram a violência policial contra os adversários do genocídio em Gaza. Violência policial que muitos deles gostariam que fosse empregada em nosso país contra aqueles que criticam os crimes de guerra cometidos pelos israelenses.
Frear a escalada autoritária nesse momento significa apenas uma coisa: limitar o emprego de tecnologias de informação pelas polícias e/ou submeter o uso delas às autoridades do sistema de justiça, únicas capazes de avaliar e julgar de maneira adequada quando e onde é justificável o emprego de meios invasivos de investigação. Além disso, a investigação de atos criminosos deve ser feita sempre ex post facto mediante o devido processo legal. Direitos e garantias constitucionais podem agora ser totalmente esvaziadas sem que isso seja percebido pelos cidadãos usuários de smartphones. Portanto, é preciso reforçar a garantia constitucional de que os agentes policiais somente podem atuar dentro dos limites da Lei e com autorização judicial.
Isso significa que o monitoramento eletrônico e algorítmico em tempo real de cidadãos que participam de manifestações pacíficas não pode em hipótese alguma ser realizado. A democracia não pode ser virada de ponta cabeça porque agências policiais dominadas por uma cultura autoritária querem transformar as ruas numa versão real ditatorial do metaverso utilizando os smartphones dos cidadãos. As liberdades de reunião, manifestação e expressão não podem ser transformadas em exceções. Excessos policialescos como o que nós estamos vendo na Alemanha, Inglaterra, EUA e Israel são intoleráveis.
Empresas como a Apple, que nos EUA se curvam ao fascismo de Donald Trump, devem começar a ser banidas de concorrências públicas no Brasil. Afinal, o que já fazem lá fora elas certamente poderiam fazer com lucro em nosso país causando um dano inestimável à nossa democracia e aos direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros. É preciso redobrar o esforço e a vigilância, porque os regimes democráticos estão se tornando paradoxalmente mais frágeis à medida que as tecnologias da informação se tornam mais rápidas, eficientes, invasivas, invisíveis e se expandem de maneira incontrolável.
Alemanha, Inglaterra, EUA e Israel não podem servir de exemplos para a estruturação e o funcionamento das corporações policiais brasileiras. Portanto, instrutores policiais alemães, ingleses, norte-americanos e israelenses devem ser proibidos de vir dar cursos no Brasil. Os policiais brasileiros não devem ficar expostos à cultura tecnológicas autoritária que rapidamente dominou as polícias naqueles países. Um regime democrático requer sempre mais democracia e nunca mais vigilância e violência policial.