O Termo de Compromisso da CGU e a Responsabilização de Pessoas Jurídicas na Lei Anticorrupção
Luiz Carlos Nacif Lagrotta
Resumo
O presente artigo analisa a natureza jurídica, os requisitos e os efeitos do termo de compromisso instituído pela Portaria Normativa nº 155/2024 da Controladoria-Geral da União, no âmbito da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Diferenciando-se do acordo de leniência, o termo de compromisso surge como instrumento alternativo de responsabilização de pessoas jurídicas, mediante admissão de responsabilidade, reparação do dano e aplicação proporcional de sanções. Busca-se examinar suas implicações para a efetividade da política de integridade, bem como os desafios interpretativos e práticos que poderão advir da sua utilização. Conclui-se que a inovação normativa reforça a cultura de compliance no setor privado, mas demanda aplicação criteriosa para não enfraquecer a persecução de ilícitos.
Palavras-chave: termo de compromisso; leniência; compliance; CGU; Lei nº 12.846/2013.
Abstract
This article analyzes the legal nature, requirements, and effects of the “Term of Commitment” established by Normative Ordinance CGU No. 155/2024 of the Office of the Comptroller General of Brazil, within the framework of Law No. 12,846/2013 (Brazilian Anti-Corruption Law). Differentiating itself from the leniency agreement, the term of commitment arises as an alternative instrument for holding legal entities accountable, based on the admission of responsibility, damage repair, and the proportional application of sanctions. The paper discusses the role of this mechanism in strengthening the culture of corporate integrity, highlighting its preventive and reparatory dimensions. It concludes that this normative innovation expands the set of tools available to the Brazilian State to enforce anti-corruption law and to foster compliance in the private sector.
Keywords: term of commitment; leniency agreement; compliance; Comptroller General; Brazilian Anti-Corruption Law.
Sumário: 1. Introdução — 2. Natureza Jurídica do Termo de Compromisso — 3. Requisitos para Celebração — 4. Efeitos Jurídicos — 5. Distinção em Relação ao Acordo de Leniência — 6. Julgamento Antecipado do PAR e o Termo de Compromisso — 7. Razoabilidade e Proporcionalidade como Parâmetros de Legitimidade — 8. Considerações Finais. Referências
1. Introdução
A luta contra a corrupção tornou-se, nas últimas décadas, um dos principais eixos estruturantes do Estado brasileiro, em especial após a redemocratização e o fortalecimento das instituições de controle.
Nesse cenário, a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, representou um marco normativo ao inaugurar a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Diferentemente da responsabilização penal das pessoas físicas, a Lei 12.846/2013 busca atingir diretamente as organizações empresariais, estimulando-as à adoção de mecanismos de compliance, integridade e governança.
A experiência de mais de uma década de vigência da lei revelou, contudo, dificuldades práticas na sua aplicação.
A negociação de acordos de leniência, prevista no art. 16 da Lei, foi instrumento essencial para viabilizar investigações de grande escala, mas mostrou-se limitada a hipóteses em que a colaboração efetiva das empresas se mostrava imprescindível para a elucidação de esquemas complexos.
Em muitos casos, a mera admissão de responsabilidade e a reparação do dano já poderiam, em tese, satisfazer a função sancionatória e preventiva da lei.
É nesse contexto que a Portaria Normativa CGU nº 155/2024 introduz o termo de compromisso, definido como ato administrativo negocial firmado entre a Controladoria-Geral da União e a pessoa jurídica investigada.
O novo instituto pretende oferecer alternativa negocial menos onerosa do ponto de vista investigativo que a leniência, mas suficientemente robusta para garantir responsabilização efetiva, reparação de danos e estímulo à integridade corporativa.
O presente artigo busca, assim, analisar de forma sistemática a natureza jurídica, os requisitos e os efeitos do termo de compromisso, destacando sua originalidade no contexto brasileiro e discutindo seus potenciais impactos positivos e riscos jurídicos.
O problema de pesquisa que orienta a investigação é: em que medida o termo de compromisso fortalece a política de integridade e responsabilização corporativa prevista na Lei 12.846/2013, sem fragilizar os mecanismos de leniência e de combate sistêmico à corrupção?
2. Natureza Jurídica do Termo de Compromisso
A natureza jurídica do termo de compromisso deve ser compreendida a partir de três perspectivas: (i) sua inserção no âmbito da Lei Anticorrupção; (ii) sua configuração como ato administrativo negocial; e (iii) sua força como título executivo extrajudicial.
Primeiramente, o termo de compromisso insere-se como instrumento específico de responsabilização administrativa no âmbito da Lei nº 12.846/2013. Trata-se de instituto exclusivo da Controladoria-Geral da União, que exerce competência privativa para sua celebração.
Diferencia-se de outros instrumentos de negociação jurídica, como os termos de ajustamento de conduta (TACs) previstos no âmbito do Ministério Público, pois é celebrado unicamente a partir da lógica sancionatória da Lei Anticorrupção, e não como mecanismo geral de tutela de direitos difusos.
Em segundo lugar, trata-se de ato administrativo negocial: embora seja expressão do poder sancionador do Estado, sua efetividade depende da manifestação de vontade da pessoa jurídica interessada. Esse caráter híbrido — ao mesmo tempo imperativo e consensual — revela aproximação com a tendência contemporânea de adoção de modelos consensuais de enforcement, inspirados na justiça negocial e no compliance regulatório.
Assim, o termo de compromisso não é mera renúncia punitiva do Estado, mas forma de responsabilização pactuada, que condiciona benefícios a compromissos claros assumidos pela empresa.
Por fim, a Portaria estabelece que o termo de compromisso, uma vez aprovado pela Secretaria de Integridade Privada e pelo Ministro de Estado da CGU, adquire força de título executivo extrajudicial.
Isso significa que, em caso de descumprimento, suas cláusulas poderão ser executadas diretamente no Poder Judiciário, nos termos do art. 784 do Código de Processo Civil.
Essa característica reforça sua eficácia coercitiva e o aproxima de outros instrumentos administrativos de composição de conflitos dotados de força executiva, como os acordos de leniência e os TACs.
Dessa forma, a natureza jurídica do termo de compromisso pode ser sintetizada como: ato administrativo negocial, sancionatório e consensual, com eficácia executiva, inserido no rol de instrumentos da Lei Anticorrupção para promover a responsabilização célere e a cultura de integridade empresarial.
3. Requisitos para Celebração
A Portaria Normativa CGU nº 155/2024 estabelece um rol de requisitos que configuram a essência do termo de compromisso. Esses requisitos traduzem não apenas condições formais, mas também pressupostos materiais indispensáveis para a sua validade e legitimidade.
Em primeiro lugar, exige-se a admissão expressa de responsabilidade pela pessoa jurídica. Esse ponto marca uma diferença estrutural em relação ao acordo de leniência, no qual a colaboração é central e a admissão pode ter caráter estratégico.
No termo de compromisso, a confissão do ilícito é condição sine qua non para a negociação. Essa característica, embora possa gerar resistências empresariais, confere maior objetividade à responsabilização.
Além disso, a empresa deve apresentar provas e relatos detalhados dos atos praticados, quando disponíveis.
Não se trata, aqui, de obrigação de delação de terceiros, mas de obrigação de transparência em relação aos próprios fatos de que a empresa tenha conhecimento. Essa exigência contribui para a integridade do processo e evita o risco de celebração de acordos frágeis ou artificiais.
Outro requisito essencial é a cessação completa da prática lesiva, a partir da propositura do termo. A lógica é impedir que a empresa continue a se beneficiar de condutas ilícitas enquanto negocia a responsabilização. Isso reforça a seriedade do compromisso e confere credibilidade à atuação estatal.
No campo financeiro, a Portaria impõe o compromisso de reparação integral da parcela incontroversa do dano causado, além da perda dos valores obtidos ilicitamente. Soma-se a isso a obrigação de pagar a multa prevista no art. 6º da Lei nº 12.846/2013 em até 30 dias após a decisão de deferimento do termo.
Essas disposições reafirmam o caráter de responsabilização e de recomposição ao erário, afastando a crítica de que o instituto seria uma anistia disfarçada.
Ainda no plano processual, a pessoa jurídica deve desistir de eventuais ações judiciais relativas ao processo e renunciar a recursos administrativos, bem como dispensar a apresentação de defesa quando cabível.
Essa renúncia de resistência processual é coerente com a lógica da consensualidade, mas pode gerar questionamentos sobre sua compatibilidade com garantias constitucionais, especialmente o direito de petição e de acesso à justiça.
Por fim, a CGU poderá condicionar a celebração do termo à adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade.
Esse requisito confere dimensão prospectiva ao instituto, vinculando-o à prevenção de novas infrações e ao fortalecimento da cultura de compliance, alinhado a padrões internacionais de governança corporativa.
Em síntese, os requisitos estabelecidos refletem uma tentativa de equilibrar: responsabilização imediata (admissão de culpa, pagamento de multa e reparação de danos), efetividade processual (renúncia a recursos e ações); e prevenção futura (implementação de programas de integridade).
4. Efeitos Jurídicos
A celebração do termo de compromisso gera efeitos jurídicos de grande relevância, que devem ser examinados à luz da Lei 12.846/2013, do Decreto nº 11.129/2022 e da própria sistemática da responsabilidade administrativa.
O primeiro efeito é a aplicação isolada da multa prevista na Lei Anticorrupção, sem a cumulação com a sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória.
Essa exclusão da publicidade vexatória representa um incentivo significativo para as empresas, já que preserva sua imagem institucional. No entanto, tal benefício suscita debate sobre a proporcionalidade, pois pode reduzir o efeito dissuasório da lei.
Outro efeito relevante é a possibilidade de atenuação das sanções restritivas de contratar com o poder público, quando cabíveis. Essa atenuação pode se dar pela redução do tempo de impedimento ou pelo abrandamento da modalidade da sanção.
Contudo, a Portaria estabelece limite mínimo de sessenta dias de suspensão, assegurando que não haja isenção total.
A Portaria também prevê um sistema de gradação de benefícios conforme o momento processual da proposta: quanto mais cedo a empresa manifestar interesse, maiores serão os percentuais de redução da multa.
Assim, propostas apresentadas antes da instauração do processo podem gerar até 2% de redução em determinados fatores de cálculo, enquanto propostas tardias, após as alegações finais, geram reduções ínfimas de 0,5%. Essa técnica visa estimular a celeridade e a autocomposição desde os estágios iniciais.
Importa destacar que, em nenhuma hipótese, a multa poderá ser inferior à vantagem auferida pela empresa, quando for possível estimá-la.
Essa regra protege a função dissuasória da sanção e evita que o termo seja economicamente mais vantajoso que a prática ilícita.
No caso de descumprimento do termo, os efeitos são rigorosos: perda de todos os benefícios concedidos, vencimento antecipado das parcelas não pagas, execução imediata do valor integral da multa e dos danos, impedimento de celebrar novo termo pelo prazo de três anos e registro do descumprimento no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP).
Essa lógica reforça a seriedade do instituto e evita que ele seja utilizado de forma oportunista.
Em síntese, os efeitos jurídicos do termo de compromisso combinam benefícios claros para empresas colaborativas e adimplentes com mecanismos punitivos severos em caso de inadimplemento, construindo um equilíbrio entre incentivo à responsabilização voluntária e preservação da função repressiva da Lei Anticorrupção.
5. Distinção em Relação ao Acordo de Leniência
A diferenciação entre o termo de compromisso e o acordo de leniência é essencial para compreender a função de cada instituto dentro da política de responsabilização empresarial. Embora ambos compartilhem a lógica da justiça negocial e da consensualidade administrativa, apresentam finalidades e requisitos profundamente distintos.
O acordo de leniência, previsto no art. 16 da Lei nº 12.846/2013, pressupõe a colaboração efetiva da pessoa jurídica com as autoridades, especialmente no fornecimento de informações e documentos que permitam a identificação dos demais envolvidos na infração, a obtenção de provas e a ampliação da investigação.
Sua finalidade primária é viabilizar a persecução estatal de ilícitos complexos, em que a participação da empresa se torna condição essencial para desmantelar esquemas de corrupção estruturados.
Por isso, o acordo de leniência exige um nível elevado de cooperação e confidencialidade, além de ser frequentemente negociado em conjunto com a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público, justamente para assegurar a eficácia processual e a segurança jurídica.
Já o termo de compromisso, conforme estabelecido pela Portaria Normativa CGU nº 155/2024, tem finalidade distinta.Ele se volta para situações em que a investigação já dispõe de elementos suficientes de materialidade e autoria, dispensando a colaboração ativa da empresa.
Nesse caso, o foco recai sobre a admissão de responsabilidade pela própria pessoa jurídica, acompanhada de medidas reparatórias e do pagamento da multa. Assim, a ênfase está na celeridade sancionatória e na efetiva recomposição dos danos, e não na obtenção de novas provas.
Essa distinção tem consequências relevantes:
* Amplitude do benefício – enquanto a leniência pode gerar benefícios expressivos, inclusive imunidade parcial para a pessoa jurídica e seus administradores, o termo de compromisso restringe-se a atenuar a sanção, sem afastá-la.
* Destinatários – a leniência é mais atraente para empresas envolvidas em esquemas complexos de corrupção, já que pode garantir maiores vantagens em troca de cooperação; o termo de compromisso é adequado para ilícitos menos complexos ou de prova já consolidada.
* Integração institucional – a leniência exige negociação conjunta com órgãos diversos; o termo de compromisso é celebrado exclusivamente pela CGU, ainda que deva ser comunicado ao Ministério Público e à AGU após sua celebração.
* Função preventiva – o termo de compromisso pode ser condicionado à implementação de programa de integridade, alinhando-se à política de compliance, ao passo que a leniência prioriza a investigação.
Em síntese, enquanto a leniência atua como ferramenta de investigação e cooperação, o termo de compromisso funciona como mecanismo de responsabilização célere e reparatória. Ambos são complementares, e não substitutivos, dentro do arsenal jurídico da Lei Anticorrupção.
6. Entre o Julgamento Antecipado do PAR e o Termo de Compromisso: Continuidade e Evolução
O julgamento antecipado do processo administrativo de responsabilização (PAR), introduzido pela Portaria Normativa CGU nº 19/2022, surgiu como alternativa para dar celeridade à responsabilização de empresas investigadas pela prática de atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/2013.
Nesse modelo, a pessoa jurídica poderia reconhecer sua responsabilidade de forma abreviada, prescindindo de produção probatória extensa e de instrução processual complexa, em troca de benefícios como redução de sanções e simplificação procedimental.
Embora inovador, esse instituto foi alvo de críticas relevantes. Em primeiro lugar, questionava-se sua baixa densidade negocial, uma vez que o papel da empresa se restringia, em grande medida, à confissão e ao pagamento de multa, sem contrapartidas adicionais relacionadas à integridade corporativa.
Em segundo lugar, havia dúvidas quanto à segurança jurídica, sobretudo pela ausência de articulação expressa com órgãos como a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público, o que poderia resultar em duplicidade de responsabilizações e conflitos interinstitucionais.
Finalmente, o julgamento antecipado foi considerado, por parte da doutrina, uma espécie de “leniência simplificada”, mas sem os elementos essenciais de colaboração, transparência e benefício público que caracterizam o acordo de leniência.
É nesse cenário que surge a Portaria Normativa CGU nº 155/2024, revogando expressamente a Portaria nº 19/2022 e instituindo o termo de compromisso. Este novo instrumento mantém a lógica de celeridade e de estímulo à autocomposição, mas a aperfeiçoa substancialmente em três aspectos centrais:
* Maior densidade negocial: ao contrário do julgamento antecipado, o termo de compromisso é formalmente concebido como ato administrativo negocial, em que as obrigações são pactuadas entre CGU e empresa. Além da confissão e da multa, pode incluir condicionantes como a adoção ou aperfeiçoamento de programas de integridade, o que projeta efeitos preventivos e prospectivos sobre a cultura empresarial.
* Força executiva: diferentemente do julgamento antecipado, o termo de compromisso, uma vez celebrado e aprovado pelo Ministro da CGU, adquire a qualidade de título executivo extrajudicial, conferindo maior efetividade à Administração Pública para a cobrança de valores e cumprimento das obrigações pactuadas.
* Integração institucional: a nova Portaria estabelece a necessária articulação com a AGU e comunicação ao Ministério Público, reduzindo os riscos de fragmentação de atuações e aumentando a segurança jurídica do instituto.
Dessa forma, pode-se sustentar que o termo de compromisso constitui uma evolução natural do julgamento antecipado do PAR.
Ambos compartilham a lógica da celeridade e da simplificação procedimental, mas o termo de compromisso representa um modelo de segunda geração, mais sofisticado, com maior capacidade de induzir mudanças institucionais e preventivas nas empresas.
Do ponto de vista crítico, entretanto, permanece o desafio de diferenciar claramente o termo de compromisso do acordo de leniência, para que não seja percebido como simples substituto “mais brando” deste último.
Em conclusão, pode-se afirmar que o termo de compromisso não apenas substitui, mas aperfeiçoa o julgamento antecipado, configurando-se como etapa de maturidade do modelo brasileiro de consensualidade administrativa em matéria de combate à corrupção.
7. Razoabilidade e Proporcionalidade como Parâmetros de Legitimidade
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade exercem papel estruturante na análise da validade e da legitimidade de atos administrativos sancionatórios, especialmente quando se trata de instrumentos negociais no âmbito da responsabilização de pessoas jurídicas.
Ao introduzir o termo de compromisso como alternativa ao processo administrativo de responsabilização integral, a Portaria Normativa CGU nº 155/2024 assume, implícita e explicitamente, a necessidade de que sua aplicação seja filtrada por esses princípios constitucionais.
O princípio da razoabilidade demanda que a Administração Pública atue com coerência, equilíbrio e adequação entre meios e fins. Em matéria sancionatória, exige-se que o Estado não adote soluções arbitrárias, desproporcionais ou irracionais em relação aos objetivos legais.
A celebração de termo de compromisso, portanto, só será legítima se, no caso concreto, for razoável concluir que sua adoção cumpre a finalidade de responsabilizar, reparar e prevenir. Isso implica evitar que o instituto seja utilizado como mero expediente de conveniência para encerrar processos sem adequada ponderação do interesse público.
A proporcionalidade, por sua vez, desdobra-se em três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação exige verificar se o termo é apto a promover a responsabilização efetiva e a prevenir novas infrações.
A necessidade implica escolher o termo de compromisso apenas quando não houver outro instrumento menos gravoso e igualmente eficaz, como o julgamento completo do PAR ou a leniência em hipóteses de maior complexidade.
Já a proporcionalidade em sentido estrito requer que se pondere o benefício concedido à empresa (atenuação de sanções, dispensa da publicação extraordinária, redução da multa) em face das vantagens concretas para a sociedade e para a Administração (celeridade, recomposição do erário, implementação de compliance).
A própria Portaria nº 155/2024 reconhece a importância desses princípios ao prever que a atenuação das sanções restritivas deve observar as peculiaridades do caso concreto.
Ou seja, a Administração não pode aplicar benefícios de forma automática ou indistinta, devendo avaliar elementos como a gravidade da conduta, o grau de colaboração da empresa, a extensão do dano causado e as medidas adotadas para prevenir novas infrações.
Ademais, a razoabilidade e a proporcionalidade atuam também como parâmetros de controle jurisdicional. Eventual termo de compromisso celebrado sem respeito a esses princípios pode ser questionado perante o Poder Judiciário, que tem reiteradamente aplicado tais postulados como fundamentos para anular atos administrativos arbitrários ou desproporcionais.
Assim, tais princípios não são meros adornos retóricos, mas condições materiais de validade. Eles evitam que o termo de compromisso seja reduzido a um expediente burocrático de encerramento de processos e asseguram que se mantenha como instrumento legítimo de enforcement, equilibrando as necessidades do Estado e os direitos das empresas.
9. Considerações Finais
O termo de compromisso inaugurado pela Portaria Normativa CGU nº 155/2024 insere-se como um marco na trajetória de consolidação da Lei nº 12.846/2013 e da política pública de integridade no Brasil.
Ao lado do acordo de leniência, ele amplia as alternativas disponíveis para a Administração Pública no enfrentamento dos atos lesivos à administração, trazendo pluralidade de respostas estatais que permitem calibrar a atuação conforme a gravidade da conduta, a complexidade da prova e a postura colaborativa da pessoa jurídica envolvida.
Sob a ótica jurídico-institucional, o termo de compromisso reforça a ideia de que a responsabilização de pessoas jurídicas não deve se limitar a sanções tradicionais, mas pode ser estruturada em modelos negociais consensuais, capazes de equilibrar eficiência administrativa e segurança jurídica.
Sua configuração como ato administrativo negocial com força executiva garante eficácia na cobrança de obrigações, ao mesmo tempo em que preserva a lógica do processo administrativo como espaço de responsabilização formal e legítima.
No plano prático, o instituto favorece a celeridade processual ao permitir a conclusão abreviada de processos em que não se faz necessária investigação aprofundada. Essa característica gera benefícios tanto para o Estado, que pode redirecionar esforços a casos mais complexos, quanto para as empresas, que alcançam maior previsibilidade e estabilidade jurídica em suas relações contratuais e institucionais.
Outro aspecto relevante é sua dimensão preventiva. Ao possibilitar a inclusão de compromissos relacionados à implementação ou ao aperfeiçoamento de programas de integridade, o termo de compromisso não apenas sanciona condutas passadas, mas também atua na promoção de uma cultura de conformidade no setor privado. Esse caráter pedagógico e transformador é fundamental para consolidar padrões de governança corporativa alinhados às melhores práticas internacionais.
O instituto também contribui para o fortalecimento da cooperação institucional, uma vez que prevê articulação com a Advocacia-Geral da União e comunicação ao Ministério Público. Esse desenho normativo confere maior harmonia e previsibilidade ao sistema, evitando sobreposições e garantindo unidade de atuação estatal.
Em termos macroestruturais, pode-se afirmar que o termo de compromisso reforça a construção de um ambiente de negócios mais íntegro, estável e confiável, com reflexos positivos para a economia e para a competitividade do país. Ele projeta uma mensagem clara de que o Brasil valoriza mecanismos de responsabilização equilibrados, que associam repressão a estímulos para a integridade.
Em conclusão, o termo de compromisso deve ser compreendido como um avanço normativo relevante, que se soma ao acordo de leniência e ao julgamento integral do PAR para compor um sistema plural de enforcement da Lei Anticorrupção.
Sua criação representa um passo significativo na evolução da justiça administrativa consensual, na modernização do direito sancionador e no fortalecimento da cultura de integridade empresarial no Brasil.
Referências
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 3 out. 2025.
BRASIL. Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 2013, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 jul. 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/d11129.htm. Acesso em: 3 out. 2025.
BRASIL. Portaria Normativa CGU nº 19, de 22 de julho de 2022. Dispõe sobre o julgamento antecipado no âmbito da Lei nº 12.846/2013. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 2022.
BRASIL. Portaria Normativa CGU nº 155, de 21 de agosto de 2024. Dispõe sobre a celebração de termo de compromisso no âmbito da Lei nº 12.846/2013. Diário Oficial da União, Brasília, 29 ago. 2024.