Uma trajetória de ataques digitais
Nos últimos anos, tem se difundido um tipo peculiar de fraude, com sérios impactos no Direito Digital, no Direito do Consumidor e no Direito Penal.
Em minha atividade profissional, venho observando uma sucessão de golpes que utilizam nomes e imagens de advogados ou escritórios reais para enganar vítimas.
A primeira modalidade foi a falsa identidade no WhatsApp: houve dias em que precisei registrar até três boletins de ocorrência em um mesmo dia, contra números de diferentes DDDs que usavam minha foto e nome para ludibriar clientes.
Em seguida, enfrentei o spoofing de e-mail — tentativas de envio de mensagens forjadas como se partissem do setor administrativo da minha empresa, usando exatamente meu endereço oficial. As mensagens nunca chegaram a clientes, graças às medidas técnicas adotadas e às denúncias feitas aos provedores.
Logo depois, surgiu o spoofing de telefone: simularam ligações como se partissem do meu próprio número. Quem me conhece sabe que não ligo para clientes, pois a rotina já exige dedicação intensa ao WhatsApp. Ainda assim, esse golpe serve de alerta: podem clonar o número de um familiar, usar voz ou imagem captada em redes sociais e até simular um sequestro-relâmpago. Nessas situações, a conduta correta é manter a calma, desligar e contatar imediatamente o parente para confirmar sua segurança.
O episódio mais recente, porém, ultrapassou os limites do absurdo: anúncios patrocinados em plataformas digitais, como Facebook e Instagram, exibindo meu nome para conferir credibilidade à fraude. O último deles prometia indenizações mágicas para quem tivesse sobrenome português. Esse golpe, conhecido como “Golpe Digital do Sobrenome”, baseia-se em uma promessa simples e sedutora: “Se você tem sobrenome português, tem direito a uma indenização.”
Há cerca de um mês, venho recebendo dezenas de mensagens diárias de pessoas pedindo informações sobre esse suposto direito. Nesta semana, um relato chamou atenção: ao clicar em um anúncio do Facebook sobre a falsa “indenização por sobrenome português”, a pessoa era direcionada a um WhatsApp com minha foto, mas com número diferente do meu oficial. Outras pessoas logo me confirmaram ter visto publicações semelhantes nas redes da Meta, todas promovendo a mesma farsa.
Como funciona o golpe
O esquema segue um roteiro previsível.
Primeiro, perfis falsos são criados para imitar escritórios de advocacia sérios, utilizando brasões, logotipos e símbolos jurídicos que conferem aparência de legitimidade.
Em seguida, surgem anúncios patrocinados nas redes sociais, prometendo indenizações automáticas vinculadas a sobrenomes portugueses, espanhóis ou italianos. A promessa é simples e atraente, mas serve apenas de isca.
Ao clicar no anúncio, a vítima é direcionada para sites falsos ou números de WhatsApp, onde os criminosos solicitam documentos pessoais, selfies, dados bancários e até depósitos antecipados.
Já acompanhei relatos de pessoas que acreditaram estar prestes a receber uma indenização de R$ 11.000,00, desde que pagassem “taxas administrativas” superiores a R$ 300,00. Trata-se da velha lógica do golpe: oferecer um milagre grande e exigir um sacrifício pequeno.
Base jurídica
As práticas descritas configuram múltiplas violações legais:
Código Penal (art. 171) – caracteriza o crime de estelionato, pela indução da vítima em erro com o objetivo de obter vantagem ilícita.
Código de Defesa do Consumidor (art. 37) – proíbe toda forma de publicidade enganosa ou abusiva.
Marco Civil da Internet (art. 19 da Lei nº 12.965/2014) – prevê a responsabilização das plataformas digitais quando, notificadas, não removerem conteúdo ilícito.
Constituição Federal (art. 5º, V e X) e Código Civil (art. 20) – asseguram o direito à imagem e ao nome, estabelecendo a reparação civil em caso de uso indevido.
Código de Ética e Disciplina da OAB – veda anúncios enganosos e a mercantilização da advocacia.
Medidas indispensáveis
Para advogados
Registrar boletim de ocorrência (BO) imediatamente ao constatar o uso indevido do nome ou da imagem, comunicando também à respectiva seccional da OAB.
Reunir provas, como prints dos anúncios, mensagens e links. Com base nelas, é possível buscar reparação contra a própria plataforma que manteve a publicidade irregular, conforme reconhecem decisões judiciais.
Ações judiciais podem ser propostas tanto contra os autores do golpe quanto contra o provedor que, após ser notificado, não retirou o conteúdo ilícito.
Para consumidores
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Registrar boletim de ocorrência digital
Em São Paulo: Delegacia Eletrônica – Polícia Civil de SP → selecionar “Estelionato cometido pela internet”.
Nos demais estados: acesse a delegacia virtual correspondente ou Delegacia Virtual Nacional (Sinesp).
No BO, descreva onde viu o anúncio, informe o link, prints, número de telefone utilizado, datas e conversas mantidas.
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Guardar provas
Salve prints completos, contendo o link do anúncio, horário e perfil exibido.
Inclua também registros de conversas e contatos de WhatsApp associados ao golpe.
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Reclamar ao Procon
Utilize o Procon Digital do seu estado (ex.: Procon-SP Digital).
Embora o consumidor.gov.br seja útil, casos envolvendo plataformas como a Meta costumam ser arquivados; o Procon estadual possui maior poder coercitivo.
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Procurar advogado especializado
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Em caso de prejuízo financeiro não ressarcido, leve toda a documentação a um advogado de confiança para avaliação e eventual ação de indenização.
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Conclusão
O chamado “Golpe Digital do Sobrenome” é apenas uma nova máscara para fraudes antigas. Ao explorar o imaginário de reparações históricas e a esperança de ganhos fáceis, criminosos se aproveitam da credibilidade da advocacia para enganar consumidores.
Das clonagens simples às estratégias sofisticadas de marketing digital criminoso, o objetivo permanece o mesmo: iludir e explorar a boa-fé alheia.
É fundamental reforçar: não existem indenizações mágicas vinculadas a sobrenome, origem ou descendência. Todo direito à reparação exige fatos concretos, base legal e decisão judicial.
A prevenção começa com a desconfiança saudável. Quando o milagre é grande, o santo desconfia. E, em caso de dúvida, antes de fornecer dados ou efetuar qualquer pagamento, procure os canais oficiais do advogado ou da empresa mencionada. Assim, você perceberá rapidamente que se tratava de um golpe.