Marca e Reputação Empresarial: a Proteção dos Sinais Distintivos Notoriamente Conhecidos e os Limites da Concorrência Desleal
Resumo
O presente estudo analisa a tutela jurídica da reputação empresarial a partir da proteção conferida aos sinais distintivos notoriamente conhecidos e do enfrentamento da concorrência desleal, com especial enfoque na jurisprudência recente das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. São examinados três paradigmas ilustrativos — CrossFit LLC v. Eco Vida Reciclagens Ltda., Victorinox AG v. FID Comércio Exterior EIRELI e Automobili Lamborghini S.p.A. v. Fabio Lamborghini Brasil Ltda. —, que consolidam uma hermenêutica de proteção ampliada à distintividade, à imagem corporativa e ao prestígio econômico da marca. O trabalho demonstra que a violação marcária, a contrafação figurativa e o parasitismo reputacional configuram ilícitos que transcendem a esfera patrimonial, justificando indenização moral in re ipsa e restrições à apropriação simbólica indevida. Conclui-se pela consolidação de um modelo de tutela integral da marca, que equilibra o princípio da especialidade com a proteção da reputação empresarial como bem jurídico autônomo.
Palavras-chave: marca; reputação empresarial; concorrência desleal; sinais distintivos; parasitismo econômico; responsabilidade civil.
Abstract
This paper examines the legal protection of corporate reputation through the safeguard of well-known distinctive signs and the repression of unfair competition, focusing on recent jurisprudence from the São Paulo Court of Justice’s Business Law Chambers. It analyzes three emblematic cases — CrossFit LLC v. Eco Vida Reciclagens Ltda., Victorinox AG v. FID Comércio Exterior EIRELI, and Automobili Lamborghini S.p.A. v. Fabio Lamborghini Brasil Ltda. — that shape an expanded interpretation of distinctiveness, corporate image, and brand prestige. The study argues that trademark infringement, figurative counterfeiting, and reputational parasitism constitute wrongful acts beyond economic loss, legitimizing in re ipsa moral damages and restrictions on symbolic appropriation. It concludes that Brazilian jurisprudence advances toward an integrated protection model that harmonizes the principle of specialty with corporate reputation as an autonomous legal asset.
Keywords: trademark; corporate reputation; unfair competition; distinctive signs; economic parasitism; civil liability.
Sumário: 1. Introdução — 2. A marca e a reputação empresarial — 3. O caso CrossFit: marca de fantasia e princípio da especialidade — 4. O caso Victorinox: contrafação figurativa e dano moral in re ipsa — 5. O caso Lamborghini: identidade, nome civil e parasitismo reputacional — 6. A função pedagógica da indenização e os limites da concorrência — 7. Conclusão — 8. Referências
1. Introdução
A marca, em sua acepção contemporânea, deixou de ser apenas um instrumento de distinção de produtos ou serviços. Ela passou a representar a identidade simbólica da empresa, condensando valores, percepções e compromissos éticos perante o público e o mercado. No contexto da economia digital e da comunicação instantânea, o valor da marca é determinado não só por sua presença física ou comercial, mas, sobretudo, por sua capacidade de gerar confiança e projetar reputação.
Essa evolução impõe ao Direito Empresarial uma tarefa mais complexa: proteger a marca não apenas como sinal distintivo, mas como bem jurídico imaterial dotado de conteúdo ético e reputacional. Trata-se de reconhecer que a lesão à marca é, muitas vezes, uma forma de dano moral empresarial, na medida em que atinge a honra objetiva da pessoa jurídica e compromete o equilíbrio da concorrência.
A jurisprudência brasileira tem acompanhado esse movimento. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em especial, desponta como protagonista de uma linha interpretativa que transcende a rigidez registral da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) e integra ao sistema de tutela marcária valores como lealdade concorrencial, boa-fé objetiva e função social da empresa.
É dentro dessa moldura que se inserem os casos paradigmáticos CrossFit LLC v. Eco Vida Reciclagens Ltda., Victorinox AG v. FID Comércio Exterior EIRELI, Automobili Lamborghini S.p.A. v. Fabio Lamborghini Brasil Ltda. e PUMA SE v. Andreoli & Andreoli Confecções Ltda..
Esses julgados, oriundos das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, refletem a consolidação de um novo modelo de proteção jurídica da marca — mais abrangente, sensível ao componente reputacional e atento à moralidade concorrencial.
O presente artigo busca, assim, demonstrar como o Direito Empresarial brasileiro vem reconfigurando a tutela marcária a partir do reconhecimento da marca como expressão da reputação corporativa. Parte-se da análise dos quatro precedentes referidos, examinando os fundamentos jurídicos, os critérios de responsabilização e os limites éticos da concorrência desleal, com o objetivo de evidenciar a construção de um paradigma de proteção integral da distintividade.
2. A marca e a reputação empresarial
A marca é o rosto jurídico da empresa. Sua função econômica — distinguir produtos e serviços — convive com uma função simbólica de natureza moral: materializar a confiança depositada pelo público no comportamento da organização. Quando um consumidor escolhe um produto pela marca, ele o faz amparado em uma expectativa de qualidade, procedência e integridade. Essa expectativa é a tradução prática do princípio da boa-fé objetiva, elevado à categoria de valor fundante das relações empresariais.
A reputação empresarial, por sua vez, constitui o resultado acumulado dessa relação de confiança. Ela se forma na percepção coletiva de credibilidade, solidez e coerência de conduta da pessoa jurídica. Por isso, a violação de uma marca não é um simples ato de imitação: é um ataque à identidade e à credibilidade de uma empresa.
O reconhecimento dessa dimensão imaterial da marca é progressivamente incorporado pela jurisprudência. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem afirmado, de modo reiterado, que o uso indevido de sinal distintivo acarreta dano in re ipsa, dispensando prova de prejuízo concreto, porque a ofensa incide sobre o valor moral e simbólico da marca, e não apenas sobre seu aspecto econômico.
Nessa perspectiva, a marca funciona como instrumento de proteção da confiança no mercado, e sua violação compromete a integridade da livre concorrência. O direito à marca e o dever de preservá-la não se limitam ao âmbito patrimonial; inserem-se no campo da responsabilidade civil empresarial, na qual a reparação cumpre função pedagógica e de reafirmação da ética concorrencial.
Esse novo enfoque jurídico transforma a tutela marcária em mecanismo de preservação da moralidade econômica. Ao lado do direito de exclusividade, surge o dever de zelo reputacional, que impõe ao titular da marca o compromisso de mantê-la íntegra, e ao concorrente, o dever de respeitar a reputação alheia.
A violação dessa integridade não exige que se prove desvio de clientela efetivo: basta a criação de aparência enganosa ou a tentativa de se beneficiar do prestígio de outrem para configurar o ilícito.
Desse modo, a jurisprudência paulista tem contribuído para sedimentar uma verdadeira teoria da reputação empresarial como bem jurídico autônomo, cuja tutela se insere na confluência entre propriedade industrial e responsabilidade civil.
3. O caso CrossFit: marca de fantasia e princípio da especialidade
O caso CrossFit LLC v. Eco Vida Reciclagens Ltda. representa um marco na consolidação dessa nova hermenêutica da proteção marcária. A controvérsia envolvia o uso indevido da expressão “CrossFit” — marca de fantasia mundialmente conhecida no segmento de condicionamento físico — por uma empresa brasileira que comercializava pisos esportivos e produtos correlatos.
A defesa alegava que suas atividades pertenciam a ramo econômico distinto e que, por isso, não haveria violação ao princípio da especialidade previsto na Lei da Propriedade Industrial. O Tribunal de Justiça de São Paulo, entretanto, rechaçou essa tese e reconheceu a existência de confusão mercadológica e aproveitamento parasitário.
O acórdão destacou que a marca “CrossFit” é de natureza fantasiosa, isto é, dotada de alta distintividade e sem relação semântica direta com o produto ou serviço oferecido. Por essa razão, goza de proteção integral, não se aplicando a ela a limitação da especialidade.
Essa distinção é relevante: marcas descritivas ou evocativas têm proteção restrita; já as marcas de fantasia, por representarem criação arbitrária e investimento simbólico elevado, são tuteladas contra qualquer forma de imitação ou evocação indevida.
O Tribunal também observou que a similitude de público-alvo e o contexto de uso — ainda que em segmentos formalmente distintos — eram suficientes para gerar confusão de origem e associação indevida de prestígio. Assim, mesmo sem identidade de atividade, a conduta da ré configurou concorrência desleal, pois se valeu da fama e do capital simbólico da marca alheia para promover seus produtos.
Outro ponto relevante foi a tentativa da parte ré de invocar a teoria do notice and takedown, como se o ato de retirar publicações ou perfis na internet pudesse afastar o ilícito. O Tribunal refutou essa argumentação, enfatizando que a responsabilidade civil não se extingue com a retirada posterior, já que o dano reputacional se consuma com a mera exposição indevida da marca.
Esse precedente é paradigmático por afirmar, de modo inequívoco, que o núcleo da proteção marcária reside na distintividade. Quando a marca é de fantasia, a proteção se estende a todas as classes e contextos que possam gerar confusão, de modo a resguardar não apenas a exclusividade do uso, mas também a integridade moral do signo distintivo e da reputação que o acompanha.
O caso CrossFit inaugura, assim, uma leitura ampliada do princípio da especialidade, convertendo-o de um limite técnico em um instrumento de concretização da boa-fé objetiva. A decisão consagra a ideia de que a marca não é apenas uma expressão de mercado, mas um patrimônio moral da empresa, que deve ser protegido contra toda forma de diluição simbólica ou aproveitamento parasitário.
4. O caso Victorinox: contrafação figurativa e dano moral in re ipsa
O julgamento envolvendo a marca Victorinox constitui um dos precedentes mais expressivos da jurisprudência empresarial recente, sobretudo pela forma como o Tribunal de Justiça de São Paulo tratou a violação da identidade visual e a presunção do dano moral corporativo.
A empresa suíça, conhecida mundialmente por seus canivetes e utensílios de precisão, viu-se diante de uma prática reiterada de imitação por parte de uma empresa nacional que comercializava malas e artigos de viagem contendo o mesmo escudo com cruz branca característico da marca original. Ainda que a disposição gráfica apresentasse pequenas variações, a identidade figurativa era inegável.
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, ao apreciar o recurso, entendeu que a conduta da ré configurava contrafação figurativa, pois se apropriava do signo visual central que identifica a marca Victorinox.
O Tribunal afirmou que o uso de símbolo idêntico ou similar em produtos de natureza próxima, mesmo sem a reprodução literal do nome, viola o núcleo de proteção do art. 130 da Lei de Propriedade Industrial, que assegura ao titular o direito de zelar pela integridade e reputação da marca.
Além de reconhecer a infração, a Corte foi além: majorou o valor da indenização por danos morais de dez mil para cinquenta mil reais, fixando os juros moratórios desde a notificação extrajudicial. Essa fixação é emblemática porque reconhece a natureza extracontratual e permanente do ilícito marcário, de modo que o dever de indenizar nasce com a primeira violação e não apenas com a sentença.
O acórdão foi didático ao afirmar que a lesão à marca prescinde de prova de prejuízo, pois o dano decorre automaticamente do abalo à confiança do consumidor e da diluição do prestígio da marca no imaginário coletivo. Esse raciocínio aproxima a jurisprudência paulista da doutrina que reconhece o dano moral in re ipsa nas hipóteses de violação à honra objetiva da pessoa jurídica.
A decisão também ressaltou que a proteção à marca figurativa não se limita ao contexto comercial direto. Ela se estende a toda forma de comunicação mercadológica capaz de criar confusão ou associação indevida — seja em catálogos, sites, redes sociais ou materiais publicitários. O simples emprego de um logotipo que evoque o símbolo notoriamente conhecido já constitui afronta à integridade do signo.
Com isso, o caso Victorinox consolidou três premissas fundamentais:
a) o dano moral em matéria de marcas é presumido;
b) a indenização deve ter caráter pedagógico, não simbólico;
c) a notoriedade da marca amplia o raio de proteção, tornando ilícita qualquer evocação visual ou conceitual.
Esse entendimento reforça a transição da proteção meramente patrimonial para uma tutela ético-reputacional, na qual o objetivo principal é preservar o elo de confiança que sustenta a relação entre empresa e consumidor.
5. O caso Lamborghini: identidade, nome civil e parasitismo reputacional
O caso Automobili Lamborghini S.p.A. v. Fabio Lamborghini Brasil Ltda. oferece uma reflexão profunda sobre os limites do uso do nome civil e a fronteira entre a liberdade empresarial e a proteção da reputação consolidada.
A controvérsia envolveu o uso comercial do nome “Lamborghini” por um empresário brasileiro que alegava ter vínculo familiar distante com a tradicional montadora italiana. A empresa brasileira utilizava o nome e elementos da história da família para promover produtos de luxo — vinhos, perfumes e acessórios — totalmente desvinculados da atividade automobilística.
O Tribunal paulista reconheceu que, embora o nome civil seja protegido pelo art. 18 do Código Civil e possa ser utilizado de boa-fé, a conduta analisada extrapolava esse limite. A Corte entendeu que havia um uso parasitário da notoriedade associada à marca Lamborghini, pois o consumidor médio inevitavelmente estabelecia uma conexão com os veículos esportivos de prestígio internacional.
A decisão destacou que a coincidência nominal, isoladamente, não é ilícita. O que transforma o uso em infração é a intenção de se beneficiar do capital simbólico alheio, transferindo indevidamente o prestígio de uma marca consolidada para uma atividade estranha a seu ramo de atuação. Trata-se de fenômeno conhecido na doutrina estrangeira como goodwill misappropriation, isto é, a apropriação do “bom nome” construído por outra entidade.
O acórdão também foi enfático ao afirmar que o reconhecimento de alto renome pelo INPI não é requisito para o afastamento do uso parasitário. Ainda que a marca não tenha obtido formalmente essa distinção, o simples fato de ser amplamente conhecida pelo público já impõe uma tutela ampliada, em observância ao art. 195, III, da Lei de Propriedade Industrial, que tipifica como concorrência desleal o aproveitamento fraudulento de prestígio de marca alheia.
Com base nesses fundamentos, o Tribunal determinou a cessação imediata do uso comercial do nome “Lamborghini” e reconheceu a ocorrência de dano moral, configurado pela diluição do valor simbólico da marca e pelo risco de confusão no mercado.
O caso é paradigmático porque projeta a proteção marcária para além da estrutura registral, alcançando o campo da identidade empresarial e da autenticidade narrativa. A marca deixa de ser apenas um ativo econômico e passa a ser reconhecida como patrimônio cultural da empresa, cuja apropriação indevida vulnera tanto o titular quanto a confiança social que legitima o próprio mercado.
O precedente reafirma a importância da boa-fé como limite do exercício do direito ao nome, demonstrando que nenhum direito, ainda que personalíssimo, pode ser invocado para justificar o desvio de prestígio ou a usurpação reputacional.
6. O caso PUMA: alto renome e o uso isolado do elemento figurativo
O caso PUMA SE v. Andreoli & Andreoli Confecções Ltda. representa a consolidação do entendimento jurisprudencial sobre a proteção integral das marcas de alto renome, mesmo quando a violação se dá por meio do uso isolado de elementos figurativos.
A empresa ré utilizava, em peças de vestuário, um felino em movimento praticamente idêntico ao símbolo da marca PUMA, mas sem o nome textual. Alegava que as diferenças sutis no traçado e na posição da figura afastariam qualquer confusão.
A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial rejeitou integralmente essa tese. O relator, Desembargador Sérgio Shimura, afirmou que “a marca figurativa goza de tutela própria e plena, sendo irrelevante a ausência do nome nominativo quando o elemento visual é suficiente para evocar o signo original”.
O Tribunal reconheceu, assim, a prática de contrafação e concorrência desleal, destacando que o felino em movimento é o núcleo expressivo da identidade visual da marca PUMA, amplamente reconhecida no Brasil e no exterior.
O acórdão enfatizou que a proteção conferida à marca de alto renome é transversal, ou seja, abrange todos os ramos de atividade e todas as formas de uso, independentemente da classe de registro. Tal prerrogativa decorre não apenas do art. 125 da Lei de Propriedade Industrial, mas também do princípio da boa-fé e da necessidade de preservar a função social da marca como elemento de confiança e lealdade concorrencial.
Além de reconhecer o ilícito, o Tribunal fixou indenização por dano moral com fundamento na presunção de abalo reputacional. O valor foi definido levando em conta a capacidade econômica da ré e o efeito dissuasório da condenação. Essa fundamentação reafirma a natureza pedagógica da reparação, voltada não à compensação monetária do titular, mas à proteção da integridade do sistema de mercado.
O precedente PUMA aproxima-se, conceitualmente, dos casos Victorinox e Lamborghini, ao reafirmar que a marca é mais do que um sinal registral: é expressão condensada de reputação e história corporativa. O uso isolado de qualquer de seus elementos — seja o nome, o símbolo, a cor ou a tipografia — constitui violação da unidade moral e estética que sustenta a distintividade.
Assim, a decisão reforça a compreensão de que a proteção à marca de prestígio não se fragmenta: a imagem de um felino saltando, o escudo suíço ou o sobrenome histórico evocam, cada qual, um patrimônio simbólico que o direito deve resguardar integralmente.
A jurisprudência paulista, ao reconhecer isso, contribui para firmar o Brasil em consonância com as práticas internacionais de proteção da reputação empresarial e repressão ao parasitismo econômico.
7. A função pedagógica da indenização e os limites da concorrência
A reparação por violação de marca e concorrência desleal tem natureza jurídica complexa. Ela não se esgota na dimensão patrimonial, tampouco se restringe à compensação individual.
Ao contrário, sua função é também pedagógica, preventiva e normativa, orientada à preservação da moralidade econômica e da confiança coletiva no mercado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, nas decisões analisadas, tem reafirmado que o dano moral decorrente da violação marcária é presumido e que sua indenização deve ser suficientemente expressiva para cumprir papel dissuasório.
A finalidade da sanção civil, nesses casos, é coibir a banalização do ilícito e demonstrar que o aproveitamento indevido do prestígio alheio é incompatível com a ética concorrencial que fundamenta o sistema de livre iniciativa.
A boa-fé objetiva, princípio estruturante do direito empresarial contemporâneo, assume posição central nesse raciocínio. Aquele que se apropria de elemento distintivo de outrem, ou que tenta induzir o consumidor à confusão de origem, viola o dever de lealdade e cooperação imposto pela boa-fé. Essa violação não apenas prejudica o titular da marca, mas desestabiliza o próprio ambiente de confiança sobre o qual se erige o mercado.
Por essa razão, a jurisprudência tem reconhecido que a indenização não pode ser meramente simbólica. Ela deve representar reprovação social e jurídica da conduta, operando como instrumento de reeducação de práticas empresariais desviantes. O quantum indenizatório, portanto, cumpre função dual: repara o abalo moral da marca e, simultaneamente, reafirma os valores éticos do sistema econômico.
O princípio da especialidade — outrora barreira rígida entre classes de produtos — tem sido reinterpretado sob o prisma da reputação. Hoje, a coincidência parcial de público, a convergência de canais de comunicação ou mesmo a mera evocação visual bastam para afastar a aplicação estrita desse princípio, sempre que haja risco de diluição da distintividade ou de parasitismo reputacional.
Em consequência, o direito da concorrência assume feição moral. A infração marcária não é apenas um atentado ao patrimônio do titular, mas uma violação à confiança pública e à integridade do mercado. A reparação, nesse contexto, é meio de restauração simbólica da ordem concorrencial, devolvendo à marca seu valor ético e social.
8. Conclusão
O conjunto de precedentes analisados revela a formação de uma autêntica doutrina jurisprudencial paulista da tutela marcária reputacional. A evolução verificada nos casos CrossFit, Victorinox, Lamborghini e PUMA demonstra que a marca é cada vez mais concebida como patrimônio moral da empresa, e sua proteção jurídica tem alcançado dimensões antes restritas à esfera pessoal da honra e da reputação.
Esse avanço decorre de um reconhecimento fundamental: o mercado contemporâneo é um sistema de confiança. A marca é o seu código simbólico, o selo que traduz a promessa de integridade da empresa perante o público. Quando essa marca é violada, não se lesa apenas o titular formal do registro, mas também a expectativa social de lealdade e autenticidade.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem exercido papel normativo crucial nesse processo. Suas decisões sinalizam que a concorrência desleal e o parasitismo reputacional configuram não apenas ilícitos civis, mas verdadeiras infrações à moralidade concorrencial. A resposta judicial, portanto, precisa ser proporcional à gravidade simbólica do dano, assegurando que o sistema de mercado continue sendo regido pela confiança e pela boa-fé.
A proteção integral da marca — que une exclusividade registral, integridade simbólica e reputação moral — projeta-se como um dos pilares do Direito Empresarial do século XXI. Nela se encontram reunidos o dever de probidade do empresário, o direito de distinção e o compromisso com a lealdade concorrencial.
Em síntese, o que se observa é a transição de um modelo de tutela formalista, centrado no registro, para um modelo ético-reputacional, orientado pela preservação da credibilidade e pela responsabilidade civil como instrumento de moralização do mercado.
Proteger a marca é, em última análise, proteger a confiança — e proteger a confiança é preservar a própria legitimidade do sistema econômico. A marca, como expressão jurídica da reputação empresarial, tornou-se o espelho moral da atividade econômica. Sua integridade é, hoje, um requisito de sustentabilidade institucional e de justiça concorrencial.
9. Referências:
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
BRASIL. Lei da Propriedade Industrial. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 maio 1996.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Brasil). Apelação Cível nº 1153098-76.2023.8.26.0100. Automobili Lamborghini S.p.A. v. Fabio Lamborghini Brasil Ltda. Relator: J. B. Paula Lima. Julgado em: 17 set. 2025. São Paulo: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Brasil). Apelação Cível nº 1123324-98.2023.8.26.0100. PUMA SE e PUMA SPORTS LTDA. v. Andreoli & Andreoli Confecções Ltda. EPP. Relator: Sérgio Shimura. Julgado em: 7 out. 2025. São Paulo: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial.