Antônio Carlos Will Ludwig*
Como muitos sabem o acrônimo em questão que vem tendo sua extensão aumentada haja vista que já há quem tenha incluído nele as letras P e N, diz respeito a um conjunto de minorias que representa a diversidade de identidades e orientações sexuais. Vale ressaltar que como todas as outras, que são vistas pelo ângulo da escassez de poder e baixo status social, constitui um agregado de pessoas que ocupam uma posição de desvantagem bem como arbitrariamente encontram-se submetidas a um processo de discriminação, marginalização ou exclusão no âmbito da sociedade.
A história registra que essa minoria enfrentou muitos óbices no decorrer do tempo. Com efeito, sofreu forte perseguição por parte da igreja e de autoridades sanitárias durante séculos. As atividades homossexuais, o desvio dos papéis e das vestimentas de gênero devidamente estabelecidos foram proibidos por lei e pelo costume tradicional. Violações praticadas levaram a denúncias públicas sensacionalistas, exílios, advertências médicas e verberações em público. Tais atos enraizaram a homofobia durante um longo período da existência, porém expuseram às populações de vários recantos do planeta a indiscutível existência de diferenças.
Nos séculos dezoito e dezenove, qualquer indivíduo que reconhecesse possuir uma identidade desviante dos padrões consuetudinários ou ousasse se pronunciar por tolerância e mudança estava exposto a riscos, mesmo porque eram muito raras as organizações representativas e bastante escassos os recursos protetores. Entrementes, de forma gradual, a evolução dos meios de comunicação, o estabelecimento dos direitos humanos e o avanço da democracia, possibilitaram a junção de ativistas, a realização de estudos científicos favoráveis, a difusão de literatura pertinente e a feitura de pesquisas sexuais reveladoras de ocorrências até então não divulgadas.
Observe-se que no transcorrer desses acontecimentos emergiram aparatos legais favoráveis à esta minoria. Talvez, a primeira deliberação tenha ocorrido na França, haja vista que logo após o processo revolucionário, foi instituída a descriminalização da homossexualidade. Outro marco relevante foi a revolta de Stonewall em 1969 nos Estados Unidos resultante de batidas policiais em bares frequentados por integrantes do grupo minoritário. Tal levante deu visibilidade a eles e contribuiu para a instauração de mudanças jurídicas favoráveis. Em datas posteriores a descriminalização se expandiu pois em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria passou a desconsiderar a homossexualidade como doença, em 1982, na França, aconteceu a proibição do preconceito baseado em orientação sexual, e, em 1989, na Dinamarca, emergiu a primeira lei de união civil registrada para casais do mesmo sexo.
Nos primórdios do presente século novas conquistas vieram à tona tais como a legalização do casamento e a adoção de crianças pelos casais homoafetivos na Holanda e Espanha. Em meados dele, além do casamento e da adoção, foram instituídos os direitos de herança, previdência e saúde nos Estados Unidos e na Alemanha. Nos últimos cinco anos Eslovênia, Cuba e Andorra também estabeleceram prerrogativas. Porém certas nações africanas, do oriente médio e do leste europeu aprovaram leis restritivas e punitivas contra esta comunidade.
Em nosso país destacam-se alguns marcos importantes. No ano de 1985 o Conselho Federal de Medicina retirou a homossexualidade do rol de patologias. O Código de Ética do Jornalista proibiu a discriminação devido a orientação sexual no ano seguinte. Em 2008 a edição de uma portaria garantiu a pessoas transgênero o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde. Em 2011 o Supremo Tribunal Federal instituiu no Código Civil a união estável entre indivíduos do mesmo sexo. O Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução determinando aos cartórios civis a celebração de casamento homoafetivo em 2013. Em 2018 o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito das pessoas trans de mudar de nome e gênero nos documentos. No ano subsequente ele enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo. Em 2020 considerou inconstitucional a exclusão do rol de habilitados para doação de sangue de homens que tiveram relações sexuais com outros homens ou mulheres parceiras.
Apesar dos muitos acontecimentos favoráveis, é notório que a minoria em questão, bem como outras e muitos milhões de cidadãos ativos de vários países do mundo, se encontra enfrentando um poderoso e crescente óbice que é o cerceamento do espaço cívico da esfera pública, o qual quando aberto garante as liberdades de associação, reunião pacífica e expressão, bem como possibilita a manifestação de movimentos sociais organizados voltados para causas específicas.
Conforme o último relatório do Monitor Civicus publicado em 2023, em quarenta países o espaço cívico encontrava-se obstruído, em cinquenta mostrava-se reprimido, em vinte e oito apresentava-se fechado, e em somente trinta e sete exibia-se aberto. Isso significa que apenas dois por cento da população mundial dele desfrutava. Trata-se então de uma crise global que exige uma resposta abrangente e coletiva. Portanto, existe uma necessidade muito urgente e imediata de ações destinadas a reverter o retrocesso e resguardá-lo das ameaças que nele incidem tais como movimentos e regimes políticos que restringem vozes opostas e alternativas, legislação repressiva que limita a liberdade de expressão e o diálogo, obstáculos às manifestações da sociedade civil e repressão a ações pacíficas, inclusive com o emprego de força excessiva. Acrescente-se que o informe do Latino Barômetro expôs que aconteceu uma deterioração da democracia entre os anos de 2010 a 2023, com uma recuperação a partir de 2024.
Ainda segundo o relatório pessoas integrantes do grupo LGBTQIA+, ao lado dos defensores dos direitos das mulheres e dos protetores do meio ambiente se encontravam entre os mais envolvidos e afetados por incidentes no espaço cívico, principalmente através de atos discriminatórios, leis repressivas, criminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo e proibição da publicação de informações sobre este grupo. Revelou também que o amordaçamento das liberdades se mostrava muito aguda para tais integrantes e organizações pugnadoras de seus direitos.
Malgrado tais episódios lesadores, este agrupamento vem realizando significativos atos de engajamento cívico. Talvez o mais importante deles, acontecido no continente europeu, diga respeito aos desfiles de pride, porquanto é um evento onde a visibilidade e a identidade de seus integrantes se mostram salientes, as quais contribuem muito para a defesa e a reafirmação das prerrogativas almejadas. Nos últimos cinco anos eles ocorreram em Portugal, Espanha, Itália, Áustria Grécia, Romênia, Hungria, Suíça, Alemanha e Dinamarca, dentre muitos outros países. Vale realçar que os mesmos costumam agregar elevadas quantidades de participantes, chegando a atingir centenas de milhares pessoas.
Nesse período, outros atos relevantes também foram concretizados. Na Hungria se envolveram em audiências e processos contra leis estigmatizantes. Realizaram mobilização civil e advocacy na Polônia para chamar a atenção da Comissão Europeia que condicionou fundos e medidas relativos a governos locais. Em várias regiões organizaram centros de acolhimento, serviço de apoio psicológico e ações de distribuições de bens durante a pandemia da covid. Usaram as mídias sociais em disputas pertinentes a narrativas adversas, em campanhas de educação cívica e em respaldo a candidaturas favoráveis ao grupo. Em benefício da Comunidade Europeia mobilizaram abrigos, transporte, orientação legal e apoio psicológico para pessoas fugindo da Ucrânia, criando corredores seguros e centros de ajuda que também se integraram ao sistema humanitário local;
realizaram campanhas de participação política, educação sobre direitos civis, orientação para acesso ao voto e monitoramento de políticas públicas.
Do mesmo modo, inúmeras manifestações aconteceram nos Estados Unidos. Vale dizer que nos últimos cinco anos elas emergiram em diversas localidades, tais como as que se seguem. Mobilizações de rua e marchas diretas em capitólios estaduais contra leis anti-LGBTQIA+. Litígios estratégicos em tribunais contra restrições de passaportes e ordens executivas. Propostas de emendas constitucionais estaduais destinadas à proteção de direitos. Organização de fundos e redes de auxílio mútuo para tratamentos de saúde, construção de abrigos temporários e financiamento de ações na justiça. Implementação de programas de recrutamento e capacitação de candidatos a cargos políticos. Atuaram em benefício da sociedade estadunidense como um todo por meio da criação de centros comunitários oferecedores de apoio a jovens em situação de vulnerabilidade, pessoas em situação de rua e sobreviventes de violência doméstica; fizeram campanhas de vacinação e prevenção durante a pandemia da covid-19; produziram materiais educativos contra o bullying e a violência nas escolas.
Em nosso país o grupo em análise tem mostrado alta capacidade de reação, haja vista que também nos últimos cinco anos aconteceram iniciativas relevantes. Mantiveram observatórios que contabilizaram atos de violência e mortes violentas de seus membros, produzindo relatórios que serviram de base para exigir respostas do Estado. Empreenderam esforços para apoiar candidaturas selecionadas visando o aumento da representação política. Junto a ONGs promoveram arrecadações, constituíram fundos, estabeleceram auxílios moradia e alimentação e prestaram atendimento médico/psicológico, principalmente durante a pandemia, para os que se encontravam em situação de vulnerabilidade. Produziram cartilhas, guias e outros materiais para capacitar profissionais da saúde, educação, segurança e judiciário sobre atendimento apropriado. Fizeram mobilizações para barrar projetos de lei considerados discriminatórios e incentivar iniciativas legislativa favoráveis. Os préstimos aos demais brasileiros envolveram campanhas de arrecadação e doação de alimentos, roupas e produtos de higiene para populações em situação de vulnerabilidade e apoio a pessoas em situação de rua que enfrentam maior exclusão social, com programas de moradia temporária e formação profissional dentre outras iniciativas.
Como pode ser notado, o exercício da cidadania ativa por parte dos indivíduos que integram o grupo LGBTQIA+ tem se mostrado incisivo e exitoso. Entretanto verifica-se que tal empenho encontra-se mais voltado para a defesa de direitos e rastreamento de outras prerrogativas. Assim sendo, percebe-se que é um conjunto de pessoas que age bastante em benefício próprio. Este movimento de cunho interno é compreensível devido às inúmeras dificuldades encontradas no decorrer do tempo. Entrementes cabe ressaltar que as ações dedicadas à coletividade mais ampla tendem a contribuir para a diminuição e o enfraquecimento dessas dificuldades devido a obtenção de reconhecimento social. Vale acrescentar também que devem acompanhar o trabalho dos representantes eleitos, participar de consultas públicas, denunciar abusos de autoridade e práticas de corrupção e rejeitar discursos de ódio e violência, pois ao lado das condutas costumeiramente exercitadas se apresentam como movimentos muito relevantes para a necessária defesa e fortalecimento do regime democrático.
*Professor Aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)
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