Capa da publicação Abuso de poder e controle oculto: caso Kawhi-Clippers

Abuso de poder e governança corporativa.

Lições do caso Kawhi – LA Clippers

Resumo:


  • O escândalo envolvendo Kawhi Leonard e os Los Angeles Clippers expõe fragilidades na governança corporativa da NBA.

  • O caso revela um possível abuso de poder por parte do acionista majoritário Steve Ballmer, tanto na equipe de basquete quanto na empresa Aspiration.

  • A análise do episódio destaca a importância dos deveres fiduciários do controlador e os riscos de conflitos de interesses em transações com partes relacionadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Pode o investidor influente ser responsabilizado como controlador de fato? O caso Kawhi-Clippers expõe abusos de poder, conflito de interesses e falhas na governança corporativa.

Recentemente, a NBA (liga de basquete estadunidense) passou a enfrentar denúncias de um escândalo envolvendo um de seus times mais valiosos e uma de suas principais estrelas. Kawhi Leonard, camisa nº 2 do Los Angeles Clippers, e Steve Ballmer, ex-presidente executivo da Microsoft e atual acionista majoritário da franquia, tornaram-se protagonistas de um caso paradigmático de governança corporativa, que expõe a fragilidade dos mecanismos de controle e fiscalização no âmbito da liga.

O esquema teria se estruturado por meio da utilização de uma terceira empresa, a Aspiration, como veículo para contornar as rígidas regras de teto salarial da NBA. Para além do impacto esportivo, o episódio fornece um exemplo instigante para análise de conceitos centrais do direito societário, como o alcance do poder de controle, os deveres fiduciários do acionista controlador e os riscos inerentes às transações com partes relacionadas. A partir desse caso, é possível extrair lições relevantes não apenas para o campo do esporte profissional, mas também para a governança de companhias em geral.


Entendendo o Escândalo em Questão

Para compreender a motivação do suposto esquema, é necessário contextualizar o funcionamento da liga. Diferentemente de outros campeonatos profissionais, a NBA organiza-se como uma associação fechada de trinta franquias, controladas por investidores privados. Essas franquias coexistem em um regime de cooperação e competição, sustentado por um conjunto rigoroso de normas cujo objetivo central é preservar o equilíbrio competitivo entre os times. Dentre essas normas, destaca-se o teto salarial, mecanismo que limita o montante que cada equipe pode destinar aos salários de seus atletas, impedindo que proprietários mais ricos, como Steve Ballmer, monopolizem os principais jogadores do mercado. Qualquer valor pago a um atleta vinculado ao time deve ser devidamente registrado e, em caso de extrapolação do teto salarial, a franquia infratora pode ser submetida a sanções financeiras e/ou esportivas.

É justamente nesse ponto que surge o suposto esquema de fraude envolvendo o Los Angeles Clippers, o jogador Kawhi Leonard e a startup financeira Aspiration, especializada em serviços de sustentabilidade e crédito de carbono. Segundo apuração do jornalista Pablo Torre, em setembro de 2021 Ballmer investiu US$ 50 milhões na Aspiration. Apenas treze dias depois, a empresa firmou um contrato de patrocínio com os Clippers no valor de US$ 300 milhões. Pouco tempo após a divulgação do patrocínio com a franquia, Kawhi, que havia renovado seu contrato com o time dois meses antes, constituiu a empresa “KL2 Aspire LLC”.

Em abril de 2022, Aspiration e Kawhi celebraram um contrato de patrocínio, duração de 4 anos e valor de US$ 28 milhões. No mesmo dia, os Clippers efetuaram o pagamento de US$ 32 milhões à Aspiration a título de créditos de carbono. Já em junho do mesmo ano, o diretor financeiro dos Clippers encaminhou comunicação à Aspiration confirmando novo desembolso de US$ 21 milhões para aquisição de créditos de carbono. Conforme relatado por Pablo Torre, tais valores teriam sido destinados ao pagamento de Kawhi, à manutenção das operações da empresa e ao cumprimento de metas de captação de recursos impostas à época.

Aspiration também recebeu aportes Dennis Wong, acionista minoritário dos Clippers e amigo próximo de Ballmer, por meio de sua empresa “DEA 88 Investments”, além de novos investimentos do próprio Steve Ballmer. No entanto, em março de 2025, o cofundador da Aspiration, Joseph Sandberg, foi preso em decorrência de denúncia criminal federal que o acusava de conspirar para fraudar investidores em pelo menos US$ 145 milhões. Nesse contexto, Aspiration declarou falência.

A falência trouxe à tona documentos internos da companhia, que embasaram a investigação jornalística de Pablo Torre, publicada em setembro de 2025. Entre os achados, destacou-se o contrato firmado com Kawhi, que recebeu US$ 28 milhões sem contrapartida efetiva, já que jamais promoveu a marca nem vinculou sua imagem à empresa. O “Boston Sports Journal” revelou ainda a existência de um segundo contrato entre Aspiration e Kawhi, que previa o repasse de US$ 20 milhões em quotas da empresa.

Após a divulgação dos fatos, diversos ex-executivos da Aspiration assinaram uma declaração à Pablo Torre, na qual relataram que o acordo com Kawhi havia sido objeto de significativas objeções da alta administração da Aspiration e sequer fora analisado pelo Comitê de Investimentos da empresa. Ressaltaram, ainda, que a contratação de Kawhi destoava da estratégia de marketing da Aspiration, que buscava associar-se a celebridades engajadas em causas ambientais e de sustentabilidade, tema nunca levantado publicamente pelo jogador.


O Conceito de Controle

O poder de controle em uma sociedade é a capacidade de um indivíduo ou uma outra sociedade de influenciar e direcionar as atividades de uma empresa. A Lei nº 6.404/76 - Lei das Sociedades por Ações (“LSA”), por exemplo, define, em seu artigo 116, o acionista controlador como a pessoa ou grupo de pessoas que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem a maioria dos votos e o poder de eleger a maioria dos administradores, e que, fundamentalmente, usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Essa definição da LSA ressalta que o controle nem sempre se baseia apenas na titularidade da maioria do capital votante, mas sim na efetiva capacidade de comando das atividades sociais. O poder de controle é, portanto, um poder de fato, exercido tanto na assembleia geral, onde o voto do controlador prevalece, quanto fora dela, por meio da influência sobre a administração.

No caso em análise, a figura de Steve Ballmer como controlador do L.A. Clippers é incontestável, visto que se trata do acionista majoritário do time de basquete. Contudo, o ponto crucial para a análise do escândalo reside em seu efetivo poder de controle sobre a Aspiration.

De acordo com a doutrina brasileira, a influência de Steve Ballmer sobre a Aspiration, decorrente de seus vultosos aportes financeiros, caracterizaria um provável "controle externo". Isso significa que, embora ele não fosse o acionista controlador da empresa nos termos estritos dos artigos 116 e 243 da LSA, ele exercia poder de fato sobre ela por meio de sua influência econômica, por um meio distinto do direito de voto e representatividade na administração conforme previsto em lei.


Dever Fiduciário do Controlador e Abuso de Poder

O mesmo artigo 116 da LSA que define o conceito de controle, também estabelece que o controlador deve usar esse poder para realizar o objeto social e cumprir a função social da companhia, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

A LSA impõe ao controlador deveres fiduciários, com destaque para o dever de lealdade, que impede o controlador de atuar no interesse da companhia, e não em benefício próprio ou de terceiros. Quando o controlador utiliza seu poder para fins pessoais, em detrimento dos interesses da sociedade, configura-se o abuso de poder, cujas modalidades são exemplificadas no artigo 117 da LSA.

No presente caso analisado, vemos que as ações de Ballmer possivelmente se enquadrariam em várias hipóteses de abuso de poder, especialmente naquelas que envolvem conflito de interesses. O conflito de interesses ocorre quando o controlador possui um interesse pessoal e oposto ao da companhia em determinada operação.

No escândalo dos Clippers, Ballmer se encontrava em ambos os lados da negociação: (i) como controlador dos Clippers, tinha o dever de zelar pelos interesses da franquia, garantindo que os contratos de patrocínio e as aquisições de créditos de carbono fossem vantajosos e alinhados à estratégia da empresa e não violassem as regras da liga esportiva; e (ii) como investidor da Aspiration, tinha interesse pessoal no sucesso financeiro da startup, que foi diretamente beneficiada pelos aportes e contratos firmados com os Clippers.

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Essa dualidade de interesses caracteriza um conflito formal, que, se ocorresse no Brasil, segundo a própria jurisprudência da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), o conflite de interesses seria presumido e independeria da prova de prejuízo material para a companhia.

Ou seja, o simples fato de Ballmer orquestrar uma transação que beneficiava uma empresa na qual ele tinha interesse pessoal, utilizando os recursos da companhia que ele controla, configuraria um desvio de finalidade. E mesmo que em última análise, o objetivo do esquema fosse beneficiar o jogador Kawhi Leonard para, por via indireta, fortalecer a equipe, o processo foi feito por meio de atos que representam um abuso do poder de controle, desrespeitando o dever de lealdade para com ambas as companhias.


Considerações Finais

Com tudo, o presente caso envolvendo Kawhi Leonard, o L.A. Clippers e a Aspiration transcendem a crônica esportiva e as regras de teto de gastos da liga de basquete americana, para se tornar uma poderosa ilustração das complexidades do poder de controle e da importância dos deveres fiduciários do controlador.

A análise do episódio sob a ótica do direito brasileiro revela uma possível conduta de abuso de poder de Steve Ballmer como acionista controlador dos Clippers, por meio do direcionamento da equipe para realizar transações com a Aspiration. E por outro lado, a discussão sobre sua influência na Aspiration expõe os limites da legislação societária brasileira, visto que o visível "controle externo" exercido por Ballmer por meio de seu poder econômico perante a Aspiration não se enquadraria na definição legal de "acionista controlador" da LSA.

Como consequência de seus atos, no Brasil, a quebra dos deveres e responsabilidades específicos do controlador externo não lhe seriam aplicáveis nesse contexto, afastando a tese de abuso de poder de controle na esfera da Aspiration. Isso, contudo, não o isentaria de uma eventual responsabilização sob as normas gerais do direito civil por danos causados, ou por eventual abuso de controle pera o time esportivo.

Este cenário contrasta fortemente com a abordagem pragmática do direito americano, visto que em uma jurisdição como a da Califórnia, Ballmer seria muito provavelmente considerado um controlador de fato da Aspiration, sujeito a deveres fiduciários.

O episódio, portanto, reforça que a eficácia da governança corporativa depende da capacidade de responsabilizar os verdadeiros centros de poder, independentemente de sua formalização. Ao expor diversas falhas, o caso ilustra o imenso poder que um acionista controlador exerce sobre uma companhia — mesmo que seja uma franquia da maior liga de basquete do mundo — e reitera a necessidade de um rigoroso controle sobre transações com partes relacionadas, que são um campo fértil para o desvio de finalidade e o abuso de poder.

Sobre os autores
João Vítor Lopes Cunha

Graduado na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP). Associado na área de Consultivo e Estratégia de Negócios do TN Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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