Marketing de Emboscada e a Concorrência Desleal na Jurisprudência Brasileira Contemporânea

24/10/2025 às 12:40

Resumo:


  • O marketing de emboscada é uma prática que busca associar-se a eventos ou símbolos de prestígio sem autorização, violando deveres de boa-fé e lealdade negocial.

  • A jurisprudência brasileira tem reconhecido o marketing de emboscada como um ilícito econômico, envolvendo a apropriação parasitária da reputação alheia e a indução do público à falsa percepção de legitimidade institucional.

  • A responsabilidade civil decorrente do marketing de emboscada inclui a reparação de danos materiais e morais, com base em critérios como lucros cessantes e remuneração hipotética de uma licença regular.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Marketing de Emboscada e a Concorrência Desleal na Jurisprudência Brasileira Contemporânea

Resumo

O presente artigo examina o marketing de emboscada sob a ótica da responsabilidade civil, do direito marcário e da repressão à concorrência desleal, com base na jurisprudência consolidada dos tribunais brasileiros. Demonstra-se que a prática, ainda que realizada fora de vínculo contratual, configura violação dos deveres anexos de boa-fé objetiva e lealdade negocial, ensejando reparação civil e, em certos contextos, responsabilização penal. A partir da análise dos precedentes do TJ-RJ, TRF-2, TJ-RS, TJ-SP e do STJ, identifica-se um movimento de convergência interpretativa: o de compreender a emboscada publicitária como ilícito econômico, cujo núcleo é o aproveitamento parasitário da reputação alheia e a indução do público à falsa percepção de legitimidade institucional.

Palavras-chave: marketing de emboscada; boa-fé objetiva; concorrência desleal; propriedade industrial; responsabilidade civil; repressão penal.

Abstract

This article examines ambush marketing through the lenses of civil liability, trademark law, and unfair competition, based on the leading case law of Brazilian courts. It demonstrates that such practice, even absent a contractual relationship, constitutes a breach of the duty of good faith and fair dealing, giving rise to both civil and, in some cases, criminal liability. Through the analysis of key precedents from the Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, and Federal Courts, as well as the Superior Court of Justice, the study identifies a growing judicial consensus treating ambush marketing as an economic tort grounded in parasitic exploitation of reputation and the deception of public perception of legitimacy.

Keywords: ambush marketing; good faith; unfair competition; industrial property; civil liability; criminal enforcement.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito jurídico e evolução do marketing de emboscada. 3. O ilícito concorrencial e a violação da boa-fé objetiva. 4. Responsabilidade civil e parâmetros indenizatórios. 5. Perspectivas penais e setoriais. 6. Considerações finais. Referências

1. Introdução

A sociedade contemporânea, marcada pela economia da atenção e pela disputa simbólica por visibilidade, tem assistido à ascensão de práticas empresariais que tensionam os limites da lealdade concorrencial e da boa-fé objetiva. Dentre elas, destaca-se o marketing de emboscada — expediente publicitário por meio do qual um agente econômico busca associar-se a determinado evento ou símbolo de prestígio social, sem possuir vínculo legítimo ou autorização para tanto.

O fenômeno desafia a dogmática tradicional da responsabilidade civil e do direito marcário, pois atua na zona cinzenta entre a criatividade mercadológica e o oportunismo jurídico. O objetivo não é o engano aberto, mas a apropriação dissimulada da aura simbólica de outrem — seja de uma marca, de um evento, ou mesmo de um serviço público —, gerando confusão e transferindo indevidamente valor reputacional.

A relevância prática do tema é inquestionável. Grandes eventos esportivos e culturais, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e festivais de música, movimentam bilhões em contratos de patrocínio, cuja exclusividade representa verdadeiro ativo econômico. A violação dessa exclusividade por meio de campanhas não autorizadas implica dano não apenas aos patrocinadores, mas também à integridade do próprio mercado publicitário.

A jurisprudência brasileira vem, gradativamente, reconhecendo o marketing de emboscada como modalidade autônoma de ato ilícito concorrencial e civil, e em certos contextos, como conduta criminosa complexa, a exemplo do caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (RHC 83.578/RJ), no qual executivos estrangeiros foram denunciados por crimes de organização criminosa, estelionato, lavagem de dinheiro e marketing de emboscada por associação, em razão de operação fraudulenta de venda de ingressos e pacotes “VIP” para os Jogos Olímpicos Rio 2016.

Esse precedente é emblemático: nele, o STJ assentou que a conduta consistiu em utilizar símbolos e logotipos oficiais do evento para transmitir ao público a falsa sensação de legitimidade e vínculo com o Comitê Olímpico Internacional. Trata-se, portanto, de um caso paradigmático em que a emboscada transcendeu o ilícito civil e ingressou na esfera penal, revelando o caráter multissetorial da tutela da boa-fé e da lealdade concorrencial.

2. Conceito jurídico e evolução do marketing de emboscada

A expressão marketing de emboscada deriva do inglês ambush marketing, e designa a conduta pela qual uma empresa se associa indevidamente a um evento, marca ou símbolo, explorando sua visibilidade e prestígio sem autorização dos titulares legítimos. Em termos doutrinários, podem-se distinguir duas modalidades principais:

  • Por intrusão (ambush by intrusion), quando o agente invade materialmente o espaço físico ou publicitário de um evento (por exemplo, distribuindo produtos ou banners em locais sob exclusividade contratual);

  • Por associação (ambush by association), quando o agente cria campanhas ou materiais que induzem o público a crer que existe vínculo com o evento ou patrocinador oficial, ainda que sem uso literal de suas marcas registradas.

Ambas configuram o mesmo vício jurídico: o aproveitamento parasitário (parasitisme économique), figura clássica do direito francês, que consiste em se beneficiar indevidamente do investimento alheio sem custo ou contrapartida.

No Brasil, essa conduta encontra vedação nos arts. 187 e 927 do Código Civil, que impõem deveres anexos de boa-fé e lealdade também nas relações pré e extracontratuais, e nos arts. 195, III e V, da Lei nº 9.279/1996 (LPI), que tipificam como concorrência desleal o uso indevido de sinais distintivos e a prática de confusão mercadológica.

A evolução normativa reforçou esse entendimento. Durante os megaeventos esportivos sediados no Brasil, o legislador editou a Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), que tipificou, ainda que temporariamente, o marketing de emboscada como infração administrativa e penal. Embora de vigência restrita, a lei inaugurou uma sistematização repressiva que depois se consolidou na jurisprudência civil e empresarial, sobretudo nos julgados do TJ-RJ, TRF-2 e TJ-SP.

A doutrina brasileira passou a compreender o marketing de emboscada como uma manifestação de violação difusa da boa-fé objetiva, isto é, não apenas no âmbito contratual, mas no plano do mercado enquanto instituição de confiança coletiva. O ilícito atinge, portanto, não apenas o patrocinador lesado, mas também o próprio sistema de patrocínios, ao desestabilizar as condições equitativas de competição e corroer o valor da exclusividade contratual.

3. O ilícito concorrencial e a violação da boa-fé objetiva

A jurisprudência nacional, ao longo da última década, consolidou um corpo decisório que reconhece o marketing de emboscada como ato ilícito de natureza concorrencial e civil, fundado na violação da boa-fé objetiva e da lealdade publicitária.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no paradigmático caso “Melissa x Tame Impala” (Apelação nº 0467113-10.2014.8.19.0001), fixou premissa de alcance geral: mesmo ausente vínculo contratual, a utilização indevida de evento promovido por terceiro como meio de projeção de marca configura infração à boa-fé objetiva e ao dever de correção negocial. O acórdão classificou a conduta como marketing de emboscada e condenou as rés ao pagamento de R$ 90.000,00 a título de dano moral à pessoa jurídica, reconhecendo a ofensa à sua honra objetiva e ao seu investimento reputacional.

No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao julgar os Embargos Infringentes nº 0805184-80.2010.4.02.5101, declarou ilícita a conduta da Caixa Econômica Federal, que, em campanha publicitária denominada “Carro Forte”, utilizou escudo e cores idênticos aos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), simulando patrocínio inexistente. O Tribunal qualificou o ato como “ardil publicitário” destinado a gerar confusão no público e reconheceu o enriquecimento sem causa, aplicando os arts. 209 e 210 da LPI para fixação dos lucros cessantes.

A jurisprudência mais recente reforça o caráter econômico do ilícito. No Agravo de Instrumento nº 0082819-86.2023.8.19.0000 (TJ-RJ), decidiu-se que a apuração de lucros cessantes decorrentes de emboscada deve observar o critério do art. 210, III, da LPI, isto é, o valor que o violador teria pago ao titular do direito pela licença legítima. Trata-se de valoração equitativa e pedagógica, que busca recompor não apenas o prejuízo direto, mas a perda de oportunidade mercadológica.

Outros julgados, como o da Apelação nº 7007899-9281 (TJ-RS), confirmam que o uso de logomarcas concorrentes em coletes de imprensa durante eventos esportivos constitui forma de publicidade ilícita, violadora do direito de arena e da exclusividade contratual. Já o TJ-SP (Apelação nº 1124546-04.2023.8.26.0100) delimitou os contornos da figura, afastando sua incidência quando não há uso de imagem ou sinal distintivo associado ao evento.

Ainda, merece destaque o precedente penal do Superior Tribunal de Justiça (RHC 83.578/RJ), que, em contexto de grande repercussão internacional, reconheceu a plausibilidade da persecução criminal contra dirigentes da empresa THG Sports, acusados de comercializar ingressos para os Jogos Olímpicos Rio 2016 com uso indevido de símbolos oficiais e aparente associação ao Comitê Olímpico.

O STJ manteve a denúncia por marketing de emboscada por associação, compreendendo que a fraude se consubstanciou na falsa aparência de legitimidade institucional e na exploração parasitária da marca olímpica, integrada a um complexo esquema de cambismo e lavagem de dinheiro.

Esse julgado evidencia a dimensão mais grave do marketing de emboscada: quando inserido em operações fraudulentas, ele transcende o ilícito civil e passa a integrar estruturas típicas de criminalidade econômica, protegendo não apenas a concorrência, mas a própria fé pública e a higidez do mercado.

Outrossim, em decisão paradigmática, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo enfrentou recentemente controvérsia de grande repercussão entre dois dos principais agentes do setor de bebidas — Cervejarias Kaiser Brasil S.A. (atualmente integrante do Grupo Heineken) e Ambev S.A. — acerca da configuração do marketing de emboscada em ambiente concorrencial de alta exposição pública.

No julgamento da Apelação Cível n. 1124546-04.2023.8.26.0100, relatado pelo Desembargador Maurício Pessoa (2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 21 out. 2025), o Tribunal paulista reafirmou que a caracterização da emboscada publicitária não se presume e demanda prova concreta de associação indevida, confusão mercadológica ou aproveitamento parasitário da reputação alheia.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O caso envolvia ação proposta pela Cervejarias Kaiser, patrocinadora oficial de determinado evento, que alegava violação de exclusividade publicitária em razão de campanhas e vendas promovidas pela Ambev nos arredores do local.

O Tribunal, contudo, manteve a sentença de improcedência, reconhecendo que a mera concorrência comercial em espaço público ou em momento concomitante ao evento não configura, por si só, ilícito de emboscada, quando ausente o uso de marcas, símbolos ou signos distintivos que possam induzir o público a erro quanto à existência de vínculo institucional.

A decisão também reafirmou a inaplicabilidade analógica da Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa) a eventos privados, destacando que se trata de legislação de caráter excepcional e temporário. Além disso, o colegiado acentuou a necessidade de comprovação de dolo parasitário, ou seja, de intenção específica de se associar indevidamente ao prestígio ou à notoriedade alheia.

Ao adotar essa postura restritiva e tecnicamente rigorosa, o TJSP contribuiu para consolidar uma interpretação equilibrada do marketing de emboscada, distinguindo a livre concorrência legítima, inerente à dinâmica de mercado, da concorrência desleal, que se vale de subterfúgios simbólicos para transferir indevidamente valor reputacional.

O acórdão paulista, nesse sentido, representa importante marco de maturidade jurisprudencial, ao evitar a banalização do conceito e preservar o espaço da criatividade mercadológica dentro dos limites da boa-fé objetiva e da lealdade negocial.

4. Responsabilidade civil e parâmetros indenizatórios

A responsabilidade civil decorrente do marketing de emboscada apresenta-se como expressão direta da tutela da boa-fé objetiva e da lealdade concorrencial. O ilícito caracteriza-se não apenas pela violação de direitos de propriedade industrial, mas também pela ruptura da confiança que estrutura as relações de mercado, fundamento ético-jurídico que sustenta a liberdade de iniciativa.

Os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil erigem o dever de indenizar aquele que, por ação ou omissão voluntária, abuso de direito ou conduta contrária à boa-fé, causar dano a outrem.

Em complemento, os arts. 209 e 210 da Lei nº 9.279/1996 (LPI) estabelecem parâmetros específicos para a indenização decorrente da violação de marcas e sinais distintivos, prevendo, inclusive, que os lucros cessantes sejam apurados com base:

(i) nos benefícios que o ofensor obteve pela exploração indevida do bem alheio;

(ii) nos lucros que o titular deixou de auferir; ou

(iii) na remuneração que seria devida em caso de licença regular.

Tais critérios, consagrados pelo art. 210, incisos I a III, da LPI, conferem ao juiz a possibilidade de calibrar a indenização conforme a natureza do dano e a desproporção entre o prejuízo efetivo e o enriquecimento obtido, nos termos do art. 944, parágrafo único, do Código Civil.

Na seara jurisprudencial, a Terceira Câmara de Direito Público do TJ-RJ, no caso Melissa x Tame Impala, aplicou a função punitivo-pedagógica da indenização ao fixar o valor de R$ 90.000,00 por danos morais à pessoa jurídica, em virtude da apropriação indevida de sua reputação empresarial. Reconheceu-se que a reparação deve cumprir dupla finalidade: recompor o patrimônio lesado e desestimular práticas que afrontem a ética negocial e a transparência publicitária.

O mesmo raciocínio foi reiterado no Agravo de Instrumento nº 0082819-86.2023.8.19.0000 (TJ-RJ), ao reafirmar que o cálculo dos lucros cessantes deve observar o preço de mercado de uma licença legítima de uso, conforme o inciso III do art. 210 da LPI. O julgado enfatizou que a indenização não se limita ao prejuízo concreto, mas abrange também o dano potencial, consubstanciado na perda de uma chance legítima de exposição publicitária.

No plano doutrinário, a emboscada publicitária é compreendida como ilícito civil de natureza híbrida: sua repressão tutela simultaneamente o direito subjetivo do patrocinador e o interesse difuso do mercado em preservar a confiança e a veracidade da comunicação comercial. Assim, a indenização cumpre função que transcende o mero ressarcimento individual — é instrumento de moralização das práticas concorrenciais.

Outro aspecto relevante é a cumulatividade dos danos moral e material. Conforme a Súmula 227 do STJ, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, sobretudo quando atingida em sua imagem e credibilidade comercial. No caso do marketing de emboscada, o dano moral revela-se in re ipsa, dada a natureza desleal do aproveitamento reputacional. O prejuízo decorre da própria associação indevida da marca lesada àquela que age de modo parasitário, comprometendo sua imagem perante consumidores e parceiros comerciais.

Dessa forma, o ordenamento jurídico brasileiro consagra um modelo de reparação integral que articula:

(a) a recomposição econômica (lucros cessantes e perdas efetivas),

(b) a reparação moral (violação da honra objetiva empresarial) e

(c) a sanção pedagógica (função preventiva e exemplar).

Esse tripé normativo reforça a convergência entre Direito Civil, Direito Empresarial e Direito da Concorrência, reconhecendo que a tutela das marcas e da boa-fé não é apenas patrimonial, mas também institucional.

5. Perspectivas penais e setoriais

A análise penal do marketing de emboscada revela o aprofundamento da tutela da confiança social e da transparência nas relações econômicas. Embora tradicionalmente compreendido como ilícito civil, o fenômeno pode assumir contornos típicos penais quando integrado a esquemas de fraude, cambismo, sonegação ou lavagem de dinheiro.

O precedente paradigmático é o Recurso em Habeas Corpus nº 83.578/RJ (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019), que examinou a denúncia apresentada contra executivos da THG Sports, grupo acusado de comercializar ingressos para os Jogos Olímpicos Rio 2016 de forma ilícita, com uso indevido de símbolos oficiais e aparente autorização do Comitê Olímpico Internacional.

A denúncia narrava a estrutura organizada do grupo, que, sob o disfarce de “pacotes de hospitalidade”, vendia ingressos, transporte e acesso a eventos, explorando o prestígio do evento olímpico.

O STJ manteve a validade da denúncia, reconhecendo que havia descrição suficiente dos fatos e prova indiciária de materialidade e autoria para a persecução penal, configurando possível prática dos crimes de organização criminosa, estelionato, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e marketing de emboscada por associação.

O voto condutor enfatizou que o uso não autorizado de logotipos e símbolos olímpicos visava “passar ao público a falsa sensação de que os serviços eram autorizados pelo Comitê organizador”, configurando a essência do marketing de emboscada: induzir erro mediante aparência de legitimidade institucional.

Esse caso marca a evolução do tema para a esfera penal econômica, evidenciando que a emboscada publicitária pode ser meio ou elemento de crimes mais amplos contra a fé pública e a ordem econômica. O ilícito deixa, assim, de ser um simples ato de concorrência desleal para integrar estruturas empresariais complexas de fraude e ocultação patrimonial.

No contexto setorial, a repressão ao marketing de emboscada assume particular importância em eventos de grande visibilidade, nos quais a exclusividade de patrocínio constitui ativo jurídico e econômico essencial.

Durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil experimentou a aplicação prática da Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa), que tipificou a emboscada como infração administrativa e penal. Ainda que temporária, essa legislação serviu de precedente normativo e pedagógico, consolidando o entendimento de que a emboscada é ato lesivo à confiança coletiva e ao investimento legítimo.

Sob essa ótica, o marketing de emboscada aproxima-se dos delitos contra a economia e contra a fé pública, pois a mensagem publicitária falsa ou dissimulada compromete a credibilidade das instituições e do próprio consumidor. O núcleo comum é o mesmo: a fraude comunicacional e o proveito econômico indevido obtido pela aparência de legitimidade.

Por conseguinte, a experiência jurisprudencial e penal brasileira aponta para a necessidade de um modelo normativo permanente, que vá além da regulação episódica de grandes eventos. A tipificação específica ou a inserção de figuras equiparadas no âmbito da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011) e do Código Penal Econômico seria medida de política legislativa coerente com a evolução da realidade mercadológica.

6. Considerações finais

A análise jurisprudencial do chamado marketing de emboscada evidencia um movimento de densificação normativa em torno da boa-fé objetiva, compreendida não apenas como cláusula geral de correção nas relações contratuais, mas como padrão de lealdade aplicável ao comportamento competitivo no mercado.

Os tribunais vêm reconhecendo que a apropriação parasitária de signos distintivos, símbolos oficiais, eventos culturais e esportivos, ou mesmo da credibilidade institucional associada a grandes patrocínios, configura ilícito que transcende a mera disputa publicitária.

Trata-se de conduta que interfere na própria estrutura econômica do patrocínio exclusivo e, por consequência, no equilíbrio concorrencial entre agentes que assumem custos distintos para alcançar um mesmo patamar de visibilidade.

Do ponto de vista civil e empresarial, observa-se a consolidação de três vetores: (i) o reconhecimento de que a conduta viola deveres anexos de lealdade e cooperação (art. 187 do Código Civil); (ii) a qualificação do ato como concorrência desleal e uso confusório de sinais distintivos (arts. 195, III e V, e 209 da Lei nº 9.279/1996); e (iii) a fixação de indenização que combina recomposição patrimonial (lucros cessantes) e reprovação pedagógica, inclusive com fundamento no art. 210, III, da Lei nº 9.279/1996, que toma por base a remuneração hipotética de uma licença regular.

No plano imaterial, os tribunais admitem o dano moral à pessoa jurídica em hipóteses de emboscada publicitária, especialmente quando há exploração indevida de reputação comercial consolidada ou indução do público à crença de chancela inexistente. A Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça tem sido aplicada em chave empresarial, de maneira funcional e não apenas simbólica: a lesão atinge a credibilidade mercadológica enquanto ativo competitivo.

O tratamento penal, por sua vez, indica um estágio seguinte de sofisticação repressiva. Em contextos de alta complexidade econômica, como nos Jogos Olímpicos Rio 2016, o marketing de emboscada por associação foi descrito pelo Superior Tribunal de Justiça como elemento de um conjunto mais amplo de práticas fraudulentas voltadas à obtenção de vantagem econômica ilícita, em articulação com cambismo, estelionato, organização criminosa, lavagem de capitais e sonegação fiscal.

Nessa perspectiva, a emboscada não é apenas ato concorrencial desleal, mas mecanismo operacional para captar recursos, mascarar origem de valores e produzir aparente autorização institucional diante do consumidor.

Embora ainda não haja tipificação geral e permanente da emboscada publicitária no ordenamento brasileiro (a experiência da Lei nº 12.663/2012 teve caráter excepcional e temporalmente limitado), o conjunto das decisões examinadas permite afirmar que o sistema jurídico já dispõe de instrumentos suficientes — civis, empresariais, marcários e penais — para repressão de condutas que, pela via publicitária, desestabilizam o ambiente concorrencial e fragilizam a confiança do público.

Em termos estritamente técnicos, pode-se afirmar que a vedação ao marketing de emboscada não decorre de um tipo legal específico e fechado, mas da conjugação de cláusulas gerais (boa-fé objetiva, abuso de direito), dispositivos de tutela da propriedade industrial e parâmetros de responsabilização civil e penal que operam de forma coordenada. Esse arranjo normativo tem permitido ao Judiciário coibir situações de aproveitamento parasitário e de desvio reputacional, mesmo na ausência de previsão normativa única e autossuficiente.

A tendência, portanto, é de consolidação jurisprudencial. A repressão à emboscada publicitária, na atual quadra, já não se limita à proteção de um patrocinador específico, mas alcança a preservação sistêmica da confiança no mercado e da seriedade dos pactos de exclusividade que estruturam o financiamento de espetáculos esportivos, musicais e culturais de grande porte.

Do ponto de vista dogmático, a mensagem que emerge é clara: a boa-fé objetiva não é apenas um princípio de cortesia contratual; é um critério de governança econômica do mercado.

Referências:

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996.

BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 dez. 2011.

BRASIL. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013 e à Copa do Mundo FIFA 2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jun. 2012.

CONAR (Brasil). Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. São Paulo: CONAR, 2020.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recurso em Habeas Corpus n. 83.578/RJ. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. 5ª Turma. Brasília, DF, j. 03 set. 2019. Diário da Justiça Eletrônico, 06 set. 2019.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Brasil). Apelação cível n. 0467113-10.2014.8.19.0001. Relatora: Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves. 3ª Câmara de Direito Público (antiga 6ª Câmara Cível). Rio de Janeiro, RJ, j. 07 jun. 2017. Publicado em 13 jun. 2017.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Brasil). Agravo de instrumento n. 0082819-86.2023.8.19.0000. Relator: Desembargador Cláudio de Mello Tavares. 18ª Câmara de Direito Privado (antiga 15ª Câmara Cível). Rio de Janeiro, RJ, j. 12 dez. 2023. Publicado em 14 dez. 2023.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Brasil). Apelação cível n. 1124546-04.2023.8.26.0100. Relator: Desembargador Maurício Pessoa. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Foro Central Cível, 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem. São Paulo, SP, j. 21 out. 2025. Reg. 22 out. 2025.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (Brasil). Apelação cível n. 7007899-9281. Relator: Desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos. 15ª Câmara Cível. Porto Alegre, RS, j. 14 nov. 2018. Publicado em 22 nov. 2018.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ (Brasil). Recurso inominado n. 0019233-08.2019.8.16.0030. Relator: Juiz Fernando Swain Ganem. 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Foz do Iguaçu, PR, j. 25 set. 2020. Publicado em 01 out. 2020.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (Brasil). Embargos infringentes n. 0805184-80.2010.4.02.5101. Relator: Desembargador Federal Messod Azulay Neto. 1ª Seção Especializada. Rio de Janeiro, RJ, j. 10 nov. 2015. Publicado em 27 nov. 2015.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos