Wanderlei José dos Reis1
Resumo: De acordo com os dados do Painel de Ações STF-COVID-19 (transparência), até a data de 23.02.2021, a Corte Suprema brasileira recebeu 7.322 processos relacionados à pandemia, sendo proferidas, no total, 8.798 decisões sobre o tema. Assim, dada a alta judicialização da saúde na pandemia de COVID-19, refletida em todos os segmentos da Justiça, desde o STF à primeira instância, faz-se necessária uma análise das principais decisões do Tribunal Excelso, à luz do art. 102, caput, do Estatuto Fundamental, que estabelece que compete a ele precipuamente, a guarda da Constituição, bem como dos arts. 6º e 196 a 200, da mesma Carta, que tratam do direito social e universal à saúde.
Abstract: According to data from the STF-COVID-19 Action Panel (transparency), until the date of february 23, 2021, the Brazilian Supreme Court received 7,322 pandemic-related cases, with a total of 8,798 decisions on the subject. Thus, given the high judicialization of health in the COVID-19 pandemic, reflected in all segments of Justice, from the Supreme Court to the lower court, it is necessary to analyze the main decisions of the Excelso Court, in the light of art. 102, caput, of the Fundamental Statute, which establishes that it is primarily his responsibility to keep the Constitution, as well as of arts. 6º and 196 to 200, of the same Charter, which deal with the social and universal right to health.
Palavras-chave: Pandemia. STF. Constituição Federal. Direitos fundamentais. Saúde. Judicialização.
Keywords: Pandemic. STF. Federal Constitution. Fundamental rights. Health. Judicialization.
Considerações iniciais
Sabido que os direitos fundamentais devem ser considerados verdadeira meta da limitação jurídica do Estado e o conteúdo essencial do Estado de Direito deve residir no reconhecimento desta esfera de autonomia em que os indivíduos são titulares de direitos subjetivos, oponíveis a terceiros e ao Estado (NOVAIS, 2006, p. 76).
A consagração constitucional dos direitos fundamentais teria sido a limitação de todos os poderes do Estado acompanhada do reconhecimento da supremacia da Constituição em relação ao Poder Legislativo ordinário (NOVAIS, 2006, p. 77-78). Os direitos fundamentais assumiram, então, o caráter de direitos contra o Estado, de garantias da autonomia individual contrária às invasões do soberano.2
Igualmente, no prisma constitucional, releva notar que o Estado Democrático de Direito gravita em torno do princípio da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais, estando incluídos nos direitos fundamentais a liberdade, a igualdade e o mínimo existencial que devem ser realizados pelo Legislativo, Executivo e Judiciário na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o núcleo essencial desses direitos.
Nessa quadra de ideias, há que se assentar que a Carta Constitucional de 1988, intitulada de “Constituição Cidadã”, abriga em seu art. 5º, nos incisos I a LXXVIII, um vasto rol de direitos fundamentais, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, além de outros direitos fundamentais esparsos no seu texto ao longo dos 250 artigos, os quais possuem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF), protegendo-os, inclusive, de investidas do poder reformador (art. 60, § 4º, inciso IV, CF), elevando-os ao status de cláusulas pétreas, mantendo hígidas a identidade e a continuidade da Lei Maior. Além do que, segundo a advertência explícita do § 2º do art. 5º, os direitos e garantias previstos no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais.
Assim, sob uma perspectiva dogmático-jurídica e devido ao seu conteúdo, podem ser entendidos também como direitos fundamentais outros postulados com rótulo diferente na Carta Magna, a exemplo dos direitos sociais estampados no art. 6º, caput, como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, bem como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, CF), haja vista que são inerentes à própria existência do ser humano.
A propósito, a Constituição da República de 1988 dispõe quanto à saúde de modo específico (arts. 6º, caput, e 196 a 200), tratando-a como direito social e universal, expressamente, nos arts. 6º, caput, e 196, verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Outrossim, a Lei Magna dispõe sobre as ações e serviços de saúde como de relevância pública (art. 197), apresentando as diretrizes de um sistema único de atendimento no art. 198, dispositivo que, interpretado sistematicamente com as demais normas constitucionais, leva à conclusão de que o acesso integral à saúde pública é condicionado ao necessário ingresso do paciente no SUS e que, por meio deste, deve o cidadão receber do Estado todos os meios terapêuticos de que carece. Tais preceitos foram regulamentados pela Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/90) e pela Lei n.º 8.142/90, que promovem o conceito de integralidade no campo da saúde.
Deveras, a saúde é, sem dúvida, direito fundamental consagrado ao indivíduo, diretamente afeto ao direito à vida, e, por conseguinte, indisponível, irrevogável, irrenunciável, inalienável e intransmissível, sendo assim considerado pela jurisprudência do STF.
Regida pelos princípios da universalidade, da integralidade e da participação da comunidade, a saúde é um direito fundamental do indivíduo, da espécie que o jurista alemão Georg Jellinek convencionou chamar de “direitos de prestação” (ALEXY, 1993), impondo ao Estado o dever de agir para implementar sua utilidade concreta porquanto se realizam com a intervenção do Estado.
Com efeito, o direito público subjetivo à saúde denota prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Carta Política da República a todos os brasileiros, tendo sido outorgado ao Poder Judiciário o papel de garantidor desses direitos e cada vez se evidencia mais um desejo social de concretização dos direitos sociais (prestações positivas), em especial no campo das políticas públicas relacionadas à saúde. Prova disso é que se tem verificado um crescente movimento de judicialização do direito à saúde no país, que nada mais é do que a obtenção de atendimento médico, medicamentoso e de procedimentos diagnósticos pela via judicial.
Assim, todos os temas afetos à ordem jurídica e ao sistema judiciário, inclusive o direito fundamental à saúde, dizem respeito obviamente ao Supremo Tribunal Federal, já que a atual Constituição Federal de 1988 lhe conferiu a tarefa de guardião do Texto Magno, estabelecendo, basicamente, três grupos de competências no art. 102, que podem ser assim divididas: competências originárias (inciso I do art. 102), competências recursais ordinárias (inciso II do art. 102) e competências recursais extraordinárias (inciso III do art. 102). Desse modo, passemos à análise das principais decisões do Pretório Excelso no que tange à pandemia.
II. Análise do tema
No início de 2020, desencadeada pela pandemia de COVID-19, assistiu-se ao começo de uma grave crise sanitária em nível mundial, que não se limitou ao âmbito sanitário, impactando também na seara da economia, educação, liberdades e garantias individuais, entre outras, o que passou a demandar uma mudança comportamental de todas as pessoas e desencadeou o acionamento excessivo do Poder Judiciário no Brasil, especialmente do STF, num fenômeno já bastante conhecido no país da chamada judicialização da saúde, diante da grande produção de atos normativos sobre essa temática.
Para se ter uma noção da inflação normativa vivenciada no Brasil no período da pandemia, recente estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP revelou que 3.049 normas relacionadas à COVID-19 foram editadas só no âmbito da União em 2020 (DIREITOS..., 2021). Ora, considerando, entre tantos outros pontos, a vacina como direito humano e dever do Estado, as flagrantes discrepâncias entre normas federais e estaduais na definição das atividades consideradas essenciais durante a pandemia e, sobretudo, o fato de que o direito fundamental à saúde possui previsão normativa nos arts. 6º, caput, e 196 a 200, da Carta Constitucional, inevitável, que parte dessa gama de normas e atos normativos expedidos viesse a ter sua compatibilidade com a ordem constitucional questionada perante o STF – como, aliás, pode ocorrer com qualquer ato emanado do Poder Público –, e que mais de 8 mil decisões fossem exaradas pela Corte nesse período a respeito da pandemia.
Com isso, há que se trazer à colação algumas das principais decisões do STF nessa temática, a luz dos seus limites de atuação constitucional, buscando-se fixar se, afinal, a Corte teria se excedido em relação às suas competências fixadas na Lei Fundamental ou simplesmente exercido o seu papel constitucional.
Inicialmente, na ADI n.º 6.341/DF3, de relatoria do ministro Marco Aurélio, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionou no STF a Medida Provisória n.º 926/2020, que altera a Lei n.º 13.979/20, dispondo sobre medidas destinadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Segundo o autor da ação, a redistribuição de poderes de polícia sanitária introduzida pela MP n.º 926/2020 na Lei n.º 13.979/20 estaria interferindo no regime de cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação.
Não obstante, o STF, por maioria, ao referendar a medida cautelar na ADI n.º 6.341/DF, firmou entendimento no sentido de que a MP n.º 926/2020 não afasta a competência concorrente da União, Estados e Municípios para executar medidas sanitárias, epidemiológicas e administrativas relacionadas ao combate ao novo coronavírus, haja vista a competência concorrente para legislar sobre saúde pública (art. 23, inciso II, CF), regulamentada, no plano infraconstitucional, pela Lei n.º 8.080/90 (Lei do SUS). Logo, Estados e Municípios podem determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, sem que a União possa interferir no assunto.
Nesse contexto, Morais, ao fazer uma leitura crítica da decisão proferida pelo STF na apreciação da ADI n.º 6.341/DF, asseverou que a Corte “atuou, no caso, como um Poder Moderador, ao assentar que durante a pandemia os Poderes Executivos Estaduais podem tomar medidas restritivas, isto é, definir quais atividades deverão ser suspensas. Impasse resolvido, decisão cumprida pelos Poderes” (MORAIS, 2020).
Por um viés mais incisivo, Corrêa e Oliveira (2020) pontuam que a decisão emitida no julgamento da ADI n.º 6.341/DF revela uma clara postura ativista do STF durante a pandemia, em que o Poder Judiciário foi provocado a agir diante da atuação deficiente ou omissa do Poder Executivo Federal no enfrentamento da crise sanitária, assim, “foi necessária a postura ativista do Poder Judiciário para tentar minimizar os efeitos devastadores do novo coronavírus” (CORRÊA e OLIVEIRA, 2020, p. 166-167).
Sob outra perspectiva, Sarlet, por sua vez, ressalta que a decisão plasmada na ADI n.º 6.341/DF se afigura assaz importante, haja vista que, “num contexto altamente tensionado politicamente, reafirmou e explicitou a possibilidade de os Estados e os municípios adotarem, no plano legislativo e administrativo, medidas para o combate da pandemia, com reflexos evidentes tanto para a promoção como ao nível da restrição de direitos fundamentais” (SARLET, 2021).
Já Streck, numa posição acadêmica com a qual comungamos, ao analisar o entendimento cristalizado pelo STF no julgamento da ADI n.º 6.341/DF, afirmou que “o Supremo apenas fez o óbvio: garantiu a estrutura cooperativa do federalismo, declarando o exercício compartilhado das referidas competências” (STRECK, 2021).
No bojo da ADI n.º 6.351/DF4, à qual foram apensadas duas ações que versavam sobre a mesma matéria (ADIs n.º 6.347/DF e 6.535/DF), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) requereu a declaração de inconstitucionalidade do art. 6º da Lei n.º 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da Medida Provisória n.º 928/2020. Segundo o proponente, o dispositivo impugnado mitigaria o direito constitucional do cidadão à informação, à transparência e à publicidade dos atos dos órgãos e agentes públicos envolvidos no enfrentamento à pandemia de COVID-19.
Nesse sentido, o Pretório Excelso, por unanimidade, ao referendar a medida cautelar anteriormente deferida pelo ministro Alexandre de Moraes na ADI n.º 6.351/DF, que suspendeu a eficácia do art. 6º-B da Lei n.º 13.979/2020 (Lei de Acesso à Informação), incluído pelo art. 1º da Medida Provisória n.º 928/2020, assentou que o dispositivo questionado transformaria “a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda sociedade”, além do que, “o acesso às informações consubstancia-se em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático, que abrange debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta”.
Aliás, sabendo-se que o direito de acesso às informações públicas é uma das garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal, ao se fazer uma análise específica da decisão proferida pela Corte na ADI n.º 6.351/DF, percebe-se que a atuação do STF, em certa medida, ao intervir em políticas públicas relativas ao combate à pandemia do coronavírus, apenas conferiu, mais uma vez, efetividade aos direitos fundamentais, máxime o direito à informação, consagrado no art. 5º, inciso XIV, CF: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; e no art. 5º, inciso XXXIII, CF: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”.
Entrementes, nas ADPFs n.º 668/DF5 e 669/DF6, ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e pelo partido Rede Sustentabilidade, o STF foi instado a analisar a constitucionalidade da campanha publicitária do Governo Federal denominada “O Brasil não pode parar”, veiculada na mídia e nas redes sociais. Conforme os autores das ações, o vídeo divulgado na campanha publicitária estaria propagando informações falsas, consubstanciadas na ideia de que a COVID-19 não ofereceria risco real e grave à população, podendo gerar desinformação e incentivar os brasileiros a um comportamento que, posteriormente, ocasionaria grave contágio e comprometimento da saúde pública e da vida.
Com efeito, o ministro Roberto Barroso, relator, ao deferir a medida cautelar vindicada nas ADPFs n.º 668/DF e 669/DF, proibiu a produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha que sugerisse o retorno da população às suas atividades plenas, ou ainda, que atenuasse os riscos da pandemia para a saúde e a vida da população. Na visão do ministro, a contratação de campanhas publicitárias pelo Governo Federal com o intuito de disseminar informações distorcidas acerca da real gravidade dos efeitos da contaminação pelo coronavírus “traduz uma aplicação de recursos públicos que não observa os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, além de deixar de alocar valores escassos para a medida que é a mais emergencial: salvar vidas (art. 37, caput e §1º, CF)”.
De acordo com o magistério de Steinmetz, a decisão proferida pelo STF no exame das ADPFs n.º 668/DF e 669/DF “indica o propósito deliberado de posicionar o STF como um protagonista não apenas jurídico, mas também como um protagonista político no enfrentamento da Covid-19” (STEINMETZ, 2020). No mesmo sentido vaticinou que, num ambiente de crise sanitária, em que há uma clara divergência entre posições aditadas pelo Governo Federal e pelos Estados e Municípios acerca das medidas de enfrentamento à pandemia da COVID-19, “o STF sentiu-se compelido a tomar uma decisão que extrapolou os limites do direito processual e material posto” (STEINMETZ , 2020).
A postura do Tribunal Maior nas ADPFs n.º 668/DF e 669/DF, da mesma forma que a decisão proferida na ADI n.º 6.351/DF, mesmo que, em certa medida, tenha incidido sobre políticas públicas relativas ao combate à pandemia do coronavírus, apenas conferiu concretude a direitos fundamentais, nomeadamente o direito à informação de qualidade (art. 5º, inciso XXXIII, CF, regulamentado pela Lei n.º 12.527/2011), reafirmando o papel constitucional da Corte, não havendo se falar aí em ativismo judicial.
Já na ADI n.º 6.357/DF7, o presidente da República acionou o STF para que fosse conferida interpretação conforme a Constituição aos arts. 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e ao art. 114, caput, in fine, e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de 2020 (LDO/2020), sob a justificativa de que a incidência pura e simples de tais restrições orçamentárias, sem levar em conta o atual cenário de crise deflagrado pela pandemia de COVID-19, feriria de morte a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF), a garantia do direito à saúde (arts. 6º, caput, e 196, CF), os valores sociais do trabalho e a garantia da ordem econômica (arts. 1º, inciso I, 6º, caput, 170, caput, e 193), motivo pelo qual requereu o afastamento da aplicação de tais condicionantes fiscais tão somente às despesas necessárias ao enfrentamento do contexto de calamidade inerente ao coronavírus.
Ao deferir a medida cautelar na ADI n.º 6.357/DF, o ministro Alexandre de Moraes, relator, concedeu interpretação conforme a Constituição Federal aos dispositivos impugnados, de modo que, durante a emergência em saúde pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente da COVID-19, ficou afastada a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação ou expansão de programas públicos voltados ao enfrentamento da conjuntura de calamidade gerado pela disseminação do coronavírus, estendendo os efeitos da medida cautelar a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia.
Na esteira de Mendes, a decisão proferida pela Corte no julgamento da ADI n.º 6.357/DF se revela deveras importante, na medida em que “a construção de uma jurisprudência atuante e aberta ao grave contexto atual possibilitou um ambiente institucional equilibrado para a implementação das medidas necessárias à contenção da pandemia” (MENDES, 2020).
Outrossim, aportaram no STF as ADPFs n.º 661/DF8 e 663/DF 9, propostas, respectivamente, pelo Partido Progressista (PP) e pelo presidente da República, em face de atos editados pelas Mesas Diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados que, tratando de medidas relacionadas ao funcionamento parlamentar durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19 (coronavírus), dispensaram o comparecimento de parlamentares em situações de vulnerabilidade, bem como restringiu o acesso às dependências físicas do Parlamento. Segundo o partido político arguente, o sistema de funcionamento virtual priorizaria a deliberação apenas das matérias relacionadas ao enfrentamento da COVID-19, em detrimento da regular tramitação das propostas de Medidas Provisórias apresentadas pelo Poder Executivo. O chefe do Executivo Federal, por sua vez, afirmou que o atual panorama caracterizaria situação de excepcionalidade no funcionamento do Congresso Nacional, o que poderia comprometer o regular andamento do processo legislativo, sobretudo das medidas provisórias, assim, requereu a ampliação do prazo para a apreciação das medidas provisórias e a suspensão da contagem do prazo de conversão de tais proposições legislativas.
O Tribunal Excelso, por maioria, ao referendar medidas cautelares anteriormente concedidas pelo ministro Alexandre de Moraes nas ADPFs n.º 661/DF e 663/DF, permitiu que, durante a emergência em saúde pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente da COVID-19, as medidas provisórias fossem instruídas diretamente no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando, excepcionalmente, autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental, bem como que, em deliberação nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, operando por sessão remota, as emendas e requerimentos de destaque pudessem ser apresentados à Mesa, na forma e prazo definidos para funcionamento do Sistema de Deliberação Remota (SDR) em cada Casa, sem prejuízo da possibilidade das Casas Legislativas regulamentarem a complementação desse procedimento legislativo regimental.
Igualmente, nas ADIs n.º 6.421/DF10, 6.422/DF11, 6.424/DF12, 6.425/DF13, 6.427/DF14, 6.428/DF15 e 6.431/DF16, propostas pelo Partido Rede Sustentabilidade (REDE), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Verde (PV), respectivamente, o STF foi provocado a se manifestar acerca da constitucionalidade da Medida Provisória n.º 966/2020, que dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da COVID-19. Conforme os autores das ações, a medida provisória em tela estaria restringindo a responsabilização dos agentes públicos, ao dispor que eles somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública e combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da COVID-19.
O STF, por maioria e nos termos do voto do relator, ministro Roberto Barroso, deferiu, em parte, a medida cautelar pleiteada nas ADIs n.º 6.421/DF, 6.422/DF, 6.424/DF, 6.425/DF, 6.427/DF, 6.428/DF e 6.431/DF para, ao conferir interpretação conforme a Constituição aos dispositivos da MP nº 966/2020 que versam sobre a responsabilização dos agentes públicos por atos relacionados com a pandemia de COVID-19, fixar as seguintes teses: “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (I) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (II) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (I) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (II) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.
Nesse ponto, segundo a ótica de Corrêa e Oliveira (2020), a decisão emanada pelo Tribunal Máximo no julgamento ADIs n.º 6.421/DF, 6.422/DF, 6.424/DF, 6.425/DF, 6.427/DF, 6.428/DF e 6.431/DF é um exemplo de performance ativista durante a pandemia da COVID-19, em que o Judiciário assumiu o protagonismo em face da ineficiência ou omissão do Governo Federal no enfrentamento da grave crise sanitária provocada pelo coronavírus, daí dizerem que “foi necessária a postura ativista do Poder Judiciário para tentar minimizar os efeitos devastadores do novo coronavírus”.
Medina e Toledo, por seu turno, advogam a tese de que o Poder Executivo Federal, ao editar a MP n.º 966/2020, teria provocado um “ativismo às avessas” ao tentar afastar a culpa e o nexo de causalidade como pressupostos da responsabilidade civil por meio de medida provisória, ao passo que o STF teria incorrido em flagrante confusão conceitual, porquanto, ao invés de analisar a constitucionalidade ou não da medida provisória, passou “a discutir as políticas que devem ser adotadas pelo Poder Executivo no enfrentamento à pandemia de COVID-19 com fundamento em ‘valores’ pessoais do intérprete que usa a Constituição Federal para legitimar suas decisões” (MEDINA e TOLEDO, 2021).
No mesmo tom crítico, Oliveira e Furlan discorrem que a tese encampada pelo STF no julgamento das ADIs n.º 6.421/DF, 6.422/DF, 6.424/DF, 6.425/DF, 6.427/DF, 6.428/DF e 6.431/DF, consistente em evitar o abuso do Poder Executivo pela não imputação de responsabilidade aos agentes públicos, carrega em si um risco compensatório, na medida em que permite que o Judiciário delibere sobre as decisões racionalmente arbitrárias do Poder Executivo e pratique, ele mesmo, tais decisões. “Em outros termos, quando buscou ‘tapar’ um buraco, criou outro, só que para o próprio Judiciário” (OLIVEIRA e FURLAN, 2020).
Outro caso polêmico julgado pelo STF na pandemia se deu na ADPF n.º 635/RJ17, de relatoria do ministro Edson Fachin, em que o Partido Socialista Brasileiro (PSB) questionou os Decretos Estaduais n.º 27.795/01 e 46.775/2019, que regulamentam as políticas de segurança pública do governo do Estado do Rio de Janeiro. Segundo o partido político proponente, desde abril de 2020, houve um aumento no número de operações policiais no Estado do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, uma excessiva e crescente letalidade da atuação das forças de segurança que, em tese, estaria violando preceitos fundamentais como a vida, a dignidade da pessoa humana, o direito à segurança e à inviolabilidade do domicílio, o direito à igualdade e a prioridade na garantia de direitos fundamentais a crianças e adolescentes como dever do Estado.
A Corte Excelsa, por maioria, ao referendar a medida cautelar deferida na ADPF n.º 635/RJ, determinou que, sob pena de responsabilização civil e criminal, não fossem realizadas operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia da COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e que, nos casos extraordinários de realização dessas operações durante a pandemia, fossem adotados cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária.
Ademais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em conjunto com seis partidos políticos (PSB, PSOL, PC do B, Rede, PT e PDT), ajuizaram a ADPF n.º 709/DF18, de relatoria do ministro Roberto Barroso, em que argumentaram que haveria falhas e omissões do Governo Federal no combate ao novo coronavírus nas aldeias indígenas. Assim, com base nesses argumentos, requereram a adoção, por parte do Executivo Federal, de medidas de proteção e promoção da saúde dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRCs), bem como de adoção de medidas mais amplas voltadas à saúde dos povos indígenas em geral.
Nesse passo, o STF, por maioria, ao chancelar a medida cautelar parcialmente deferida pelo relator na ADPF n.º 709/DF, determinou à União que formulasse, no prazo de até 30 dias, um plano de enfrentamento da COVID-19 para os povos indígenas brasileiros, com a participação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e de representantes das comunidades indígenas. Quanto aos povos indígenas em isolamento, foi determinada: (I) a criação de barreiras sanitárias que impedissem o ingresso de terceiros em seus territórios e; (II) a criação de Sala de Situação, para gestão de ações de combate à pandemia. No que tange aos povos indígenas em geral, ordenou: (I) a inclusão, no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas (INFRA), de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas; (II) imediata extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos aldeados situados em terras não homologadas e; (III) extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos indígenas não aldeados.
A respeito disso, Kaufmann (2021) averba que as ADPFs, em razão de sua abertura de objeto e por ter como paradigma o conceito amplo de “preceito fundamental”, têm sido utilizadas como “ações coringas” para se discutir toda e qualquer matéria. Ressalta também que, juntamente aos pedidos amplos, “estão também alegações genéricas e panfletárias que apenas se prestam para emoldurar ímpetos de ativismo judicial até agora irrefreáveis” (KAUFMANN, 2021). Esse arranjo observado nas ADPFs daria aos ministros plenos poderes de gestão administrativa e de produção normativa, como ocorreu no caso da ADPF n.º 709/DF, em que os ministros teriam se transformado em verdadeiros implementadores de políticas públicas (KAUFMANN, 2021).
Nessa mesma toada, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propuseram a ADPF n.º 756/DF19, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, em que narraram o caos na saúde pública no Estado do Amazonas, sobretudo na capital Manaus, diante da situação de contaminação e agravamento de casos de COVID-19, quadro esse piorado em razão da falta de insumos básicos, como oxigênio hospitalar e mão de obra qualificada. Em acréscimo, asseverou que o Governo Federal não estaria cumprindo com o seu dever de efetivar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos amazonenses e manauaras, falhando na garantia ao direito básico à vida, bem como à saúde e, ao fim, à própria dignidade da pessoa humana.
Por unanimidade, o STF, ao referendar a medida cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski no âmago da ADPF n.º 756/DF, em 15.01.2021, determinou à União que promovesse, imediatamente, todas as ações ao seu alcance para debelar a seriíssima crise sanitária instalada em Manaus, capital do Amazonas, em especial suprindo os estabelecimentos de saúde locais de oxigênio e de outros insumos médico-hospitalares para que pudessem estar prontos e adequados ao atendimento dos pacientes, sem prejuízo da atuação das autoridades estaduais e municipais no âmbito das respectivas competências. Deveriam também apresentar à Corte, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, um plano detalhado acerca das estratégias que estariam sendo colocadas em prática ou que pretendiam desenvolver para o enfrentamento da situação e emergência, discriminando ações, programas, projetos e parcerias correspondentes, com a identificação dos respectivos cronogramas e recursos financeiros, devendo ser atualizado o plano a cada 48 (quarenta e oito) horas, enquanto perdurasse a conjuntura excepcional.
Entrementes, nas ADIs n.º 6.586/DF20 e 6.857/DF21, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) acionaram o STF para que fosse conferida interpretação conforme os arts. 6º, 22, 23, 24, 26, 30, 196 e 198, da Constituição Federal, ao art. 3º, inciso III, alínea d, da Lei n.º 13.979/2020. Em suas razões, alegam os autores que o presidente da República havia declarado publicamente que a vacina contra a COVID-19 não seria obrigatória no país, contrariando a opinião de médicos infectologistas, que consideram que o seu emprego é fundamental para preservar vidas e atingir a denominada “imunidade de rebanho”. Sustentam, igualmente, que o art. 3º, inciso III, alínea d, da Lei n.º 13.979/2020, prevê a possibilidade de vacinação compulsória, desde que seja determinada com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde.
Após analisar os argumentos alinhavados nas ADIs n.º 6.586/DF e 6.857/DF, o STF, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos termos do voto do relator, autorizando a vacinação compulsória durante a pandemia, fixando, porém, as seguintes balizas: (a) vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, entre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (I) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (II) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (III) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (IV) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (V) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (b) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.
Ainda, o STF se deparou com mais uma ação relacionada à pandemia da COVID-19, o MS n.º 37.760/DF, de relatoria do ministro Roberto Barroso, impetrado pelos senadores Alessandro Vieira (CIDADANIA) e Jorge Kajuru (PODEMOS), ajuizado em 11.03.2021, visando à obtenção de provimento jurisdicional, para que o presidente do Senado Federal adote as providências necessárias no sentido de instaurar a comissão parlamentar de inquérito (CPI) para a apuração de eventuais atos omissivos e comissivos do Governo Federal no cenário de crise de saúde pública deflagrado pela pandemia de COVID-19, em especial no agravamento da crise no Amazonas com a falta de oxigênio e insumos hospitalares para os pacientes internados. Argumentam também que a instauração de inquérito parlamentar, uma vez satisfeitos os seus requisitos constitucionais, é direito fundamental da minoria parlamentar e que a recusa do presidente da Casa Legislativa em proceder à leitura do requerimento de instalação da CPI viola direito líquido e certo dos seus subscritores.
A par disso, em julgamento realizado em 14.04.2021, o STF, por decisão majoritária, referendou a medida cautelar anteriormente deferida pelo relator no MS n.º 37.760/DF, para determinar ao Senado Federal a adoção das providências necessárias à criação e instalação da comissão parlamentar de inquérito para a apuração da conduta do Executivo Federal no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Conforme assentou o relator, a instalação de uma CPI não está vinculada a um juízo discricionário do presidente ou do plenário da Casa Legislativa, assim, “não pode o órgão diretivo ou a maioria parlamentar se opor a tal requerimento por questões de conveniência e oportunidade políticas. Atendidas às exigências constitucionais, impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Mais recentemente, o Partido Social Democrático (PSD), por meio da ADPF n.º 811/SP22, ajuizada em 19.03.2021, questionou a constitucionalidade do Decreto n.º 65.563, do Estado de São Paulo, que vedou a realização de cultos, missas e outras atividades religiosas no Estado. Discorre o requerente, em síntese, que, a pretexto de instituir medidas de contenção à transmissão do novo coronavírus, o decreto impugnado estabeleceu restrições totais ao direito fundamental à liberdade religiosa e de culto das religiões que adotam atividades de caráter coletivo, criando tanto proibição inconstitucional, quanto discriminação inconstitucional, haja vista a existência de práticas religiosas que não possuem ritos que envolvem atividades coletivas.
Em 08.04.2021, o STF, por maioria, ao converter o julgamento do referendo à liminar em julgamento de mérito, julgou improcedentes os pedidos formulados na ADPF n.º 811/SP, nos termos do voto do relator, ministro Gilmar Mendes, mantendo a proibição temporária da realização de cultos, missas e outras atividades religiosas coletivas presenciais no Estado de São Paulo, como medida de enfrentamento à pandemia de COVID-19. Nesse sentido, o Tribunal firmou entendimento no sentido de que, em um contexto de pandemia, a imposição de restrições pelo Estado ao exercício das atividades religiosas coletivas não fere o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade religiosa. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes ponderou que a lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, “a não ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipótese considerada”.
Por fim, aportaram ao STF outros três processos emblemáticos relacionados à pandemia da COVID-19, nos quais nos quais todos questionavam a realização da Copa América de Futebol no Brasil, que se iniciaria no domingo seguinte, dia 13 de junho de 2021, com jogos no Rio de Janeiro/RJ, em Cuiabá/MT, em Goiânia/GO e em Brasília/DF, alegando riscos à saúde pública e de disseminação da pandemia.
Em sessão virtual extraordinária realizada imediatamente na quinta-feira (10.06.2021) anterior ao início do torneio, o plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou as três ações.
Inicialmente, a ADPF n.º 849/DF23, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), questionava a decisão do governo federal de sediar a Copa América de Futebol e pedia a suspensão do acordo com a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) que teria autorizado sua realização. O Tribunal, por unanimidade, acompanhou o entendimento da relatora de que a CNTM não tem legitimidade para ajuizar a ADPF, em razão da ausência de pertinência temática entre seus objetivos estatutários, que visam à defesa de metalúrgicos, mecânicos e trabalhadores de material elétrico, eletrônico e de informática, e a eventual realização de jogos do torneio.
Ainda, na ADPF n.º 756/DF24, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, o Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou pedido de tutela incidental para a interrupção de qualquer ato do governo federal que viabilize a realização da competição no país. In casu, por 6 votos a 5, prevaleceu a rejeição integral do pedido. De acordo com o ministro Marco Aurélio, o STF não pode substituir o Poder Executivo e exercer crivo sobre a decisão de caráter estritamente administrativo, sinalizando como se deve proceder para definir a realização ou não de evento no país. Além disso, as fronteiras continuam abertas e estão sendo realizados torneios de futebol, como o Campeonato Brasileiro, a Copa Brasil e a Libertadores da América, com a participação de times nacionais e estrangeiros, sem a presença de torcedores nos estádios.
Finalmente, no MS n.º 37933/DF25, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) buscavam em sede de mandado de segurança a suspensão de atos legais e administrativos do governo federal que permitam, promovam ou facilitem a realização do torneio no Brasil. Também nesse caso, o Tribunal, por maioria, negou seguimento ao mandado de segurança, nos termos do voto da relatora, vencidos os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
III. Considerações finais
A situação da alta judicialização do direito à saúde no Brasil reflete normalmente a tensão entre o mínimo existencial e a reserva do possível, na constante busca pela preservação da dignidade da pessoa humana, o que denota a urgência em se repensar a prestação do serviço de saúde pública no país e a implementação de medidas que proporcionem uma mudança definitiva do panorama atual.
Sabido que a jurisdição constitucional funciona como um mecanismo tutelador da supremacia constitucional e que foi atribuído ao Supremo Tribunal Federal, de forma expressa no art. 102, caput, da Lei Fundamental, o papel de seu guardião, o principal garantidor de sua supremacia no ordenamento jurídico e o órgão a quem incumbe a última palavra formal quanto à sua interpretação. Com efeito, das dezenas de competências constitucionalmente atribuídas ao STF as que, sem dúvida, mais se destacam são aquelas afetas diretamente à jurisdição constitucional.
Da mesma forma, há que se assentar que os direitos de prestação devem ser oferecidos à população balizados pelo princípio da eficiência, estampado no caput do art. 37 da Carta Constitucional de 1988. Disso decorre que a saúde deve ser prestada de acordo com os parâmetros de alcance de resultados otimizados, presteza e eficiência.
Pois bem, assentadas essas premissas, em conclusão, em função de uma certa percepção de ativismo judicial de alguns doutrinadores ou segmentos sociais no que tange à atuação do STF na pandemia e da manifesta equivocidade que gravita em torno desse termo, não se verificou, até agora, nenhum excesso judicial da Corte Suprema nessa temática porquanto ela, uma vez provocada, tem atuado nos estritos limites de sua competência constitucional dirimindo todas as querelas atinentes à saúde que chegam ao seu conhecimento.
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