Estádios sem comunidade: Direitos Culturais a escanteio

Resumo:


  • Estádios são espaços públicos que abrigam competições esportivas, criando elementos de identidade e memória

  • No Brasil, os estádios de futebol são os mais populares, enfrentando desafios de acessibilidade e exploração econômica

  • Os direitos culturais garantem expressão cultural, participação na vida cultural, acesso aos bens culturais e proteção da identidade e memória

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo *

Estádios são espaços de congraçamento público, dedicados a abrigar competições esportivas. O espaço urbano, a arquitetura do edifício, a interação que oferece e os usos a eles associados criam elementos de identidade e de memória, que autorizam analisá-los pelo olhar dos direitos culturais.

No Brasil, os estádios mais populares são os que abrigam jogos de futebol, a paixão nacional, que enfrenta o desafio de manter-se acessível à sociabilidade presencial. A exploração econômica das arenas tem contribuído para novas formas de relações com os lugares, com impactos no acesso, na identidade e na memória da comunidade que frequenta os estádios.

Os direitos culturais podem ser compreendidos, grosso modo, como aqueles que garantem a expressão cultural e o seu exercício; a participação na vida cultural e o seu usufruto; o acesso aos bens culturais; a proteção e a promoção da identidade, da diversidade e da memória.

A Constituição Federal brasileira de 1988 acolheu a preocupação com os direitos culturais, inclusive, dedicando capítulo específico para falar “da cultura”, atribuindo deveres ao Estado, em colaboração com a comunidade, para a sua garantia e para a promoção do patrimônio cultural.

Pensar os estádios, a partir dos direitos culturais, enseja analisar, por exemplo, os elementos de identidade e de memória a eles associados, como se dá a participação e o acesso à cultura em seus espaços e qual o papel do Estado e da comunidade nessas relações.

Como exemplo para pensar a relação dos direitos culturais com os estádios de futebol, podemos citar o Estádio Mercado Livre Arena Pacaembu, na cidade de São Paulo. O nome pode causar estranhamento, justamente porque há elementos de identidade associados à história das relações sociais com o espaço, que construíram memórias atreladas a outros signos referenciais. Oficialmente chamado de Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, foi afetivamente nomeado de Estádio do Pacaembu em referência ao bairro em que está sediado.

O Estádio do Pacaembu foi inaugurado em 1940, sediou a Copa do Mundo de 1950, e foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, em 1988.

O processo de tombamento considera a “importância do Conjunto Esportivo do Pacaembu para a história do esporte paulista, cujas origens remontam a iniciativa de educação pelo esporte de jovens paulistanos, a realização de campeonatos e competições esportivas de caráter nacional e a solenidade cívicas” bem como “a qualidade de sua arquitetura e de sua implantação que soube inserir projeto de grandes dimensões na paisagem, respeitando-a e ao mesmo tempo valorizando urbanisticamente o bairro do Pacaembu” (São Paulo, 1988).

Percebe-se, pela redação do processo, que o Estádio do Pacaembu foi reconhecido como patrimônio cultural em suas dimensões simbólicas, pelas relações imateriais vivenciadas, e físicas, pelo valor material da edificação. O tombamento e a posterior disciplina da delimitação da área envoltória protegida permitiram a preservação da fachada e do entorno, admitindo reformas para adaptação a novas exigências da regulamentação esportiva e de segurança.

Em 2008, foi inaugurado o Museu do Futebol, em consórcio entre a prefeitura e o Estado de São Paulo, agregando um novo uso ao espaço. No entanto, os efeitos do tombamento e a iniciativa da criação do museu não foram suficientes para superar a subutilização da arena.

Embora esteja operante, passa por reformas complexas e problemas estruturais ainda não resolvidos. Mesmo o estádio sendo público, a sua administração foi delegada a uma concessionária, que tenta, por meio de iniciativas comerciais adicionais, como a promoção de shows e eventos, encontrar iniciativas que promovam a sustentabilidade econômica do patrimônio cultural transformado em empreendimento.

A concessão, solução encontrada pelo poder público para a preservação do patrimônio cultural, conflitua com outros direitos culturais, como o direito de acesso à cultura e o seu usufruto.

No Brasil, acessar um jogo de futebol profissional, sobretudo em São Paulo, tem um custo médio de ao menos R$ 50. Este valor representa aproximadamente 3,29% do salário-mínimo atual, que está em R$ 1.518,00. Em breve pesquisa ao site da concessionária do Pacaembu, é possível verificar que um concerto na arena tem um custo mínimo, a depender da atração, de R$300 a R$ 650. Por sua vez, o ingresso inteiro ao Museu do Futebol custa R$ 24, mas há dias reservados para a visitação gratuita.

Não é apenas o custo dos ingressos que afasta a população dos estádios, mas as novas pretensões de sua utilização e exploração. A regulamentação do espaço tombado priorizou a valorização da área delimitada e edificada, contribuindo para a maior gentrificação do bairro hoje privilegiado de São Paulo, sem, contudo, atentar para a escuta da sociedade civil, a democratização do espaço público e as dimensões simbólicas da identidade e da memória da cidade.

Quando se fala em direitos culturais, deve-se recordar que o Estado deve garanti-los, com a colaboração da comunidade e não jogá-la a escanteio.

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo, advogada, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult, foi coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR entre 2022 e 2024. Visiting researcher junto à Cátedra Unesco de Bens Culturais e Direito Comparado na Unitelma Sapienza

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Sobre a autora
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo

advogada, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult, foi coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR entre 2022 e 2024. Visiting researcher junto à Cátedra Unesco de Bens Culturais e Direito Comparado na Unitelma Sapienza

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