O novo marco regulatório da educação a distância (EAD) no brasil: impactos jurídicos, educacionais e sociais a partir do decreto nº 12.456/2025

28/10/2025 às 16:47
Leia nesta página:

1. Introdução: a virada normativa na EAD brasileira

A Educação a Distância (EAD) no Brasil passa por uma reconfiguração profunda com a entrada em vigor do Decreto nº 12.456/2025, que institui o novo marco regulatório da modalidade. A medida, que começa a produzir efeitos plenos a partir de outubro de 2025 para novas matrículas, representa uma inflexão significativa na política educacional brasileira, redirecionando o foco da expansão quantitativa para a consolidação qualitativa. O texto normativo reflete uma resposta estatal às críticas sobre a massificação da EAD, a baixa fiscalização e o comprometimento da formação profissional em cursos de natureza técnica e prática. A decisão política e regulatória, ancorada nas diretrizes do Ministério da Educação (MEC), surge como tentativa de restabelecer o equilíbrio entre democratização do acesso e garantia da qualidade formativa, reposicionando o papel das instituições de ensino superior e redefinindo o conceito de educação mediada por tecnologia.

2. O fim dos cursos 100% EAD e a redefinição da modalidade

Entre as mudanças mais expressivas, o decreto proíbe a oferta de cursos totalmente a distância, extinguindo o modelo de graduação 100% EAD que, durante anos, foi símbolo de expansão e acessibilidade. A nova regra exige que todas as formações contenham uma carga mínima de 20% presencial, o que implica a necessidade de estrutura física, polos e interação direta com professores e colegas. Essa modificação não se trata apenas de um ajuste técnico, mas de uma mudança de paradigma. A EAD deixa de ser compreendida como educação remota integral e passa a se configurar como modalidade híbrida, que muitos especialistas têm preferido chamar de “educação online”. A alteração traz à tona discussões sobre a natureza da aprendizagem mediada por tecnologia, questionando se o ensino totalmente virtual seria capaz de assegurar o mesmo rigor acadêmico e a mesma profundidade crítica que a educação presencial.

3. A obrigatoriedade da carga horária presencial e o desafio da adaptação institucional

O decreto impõe às instituições de ensino superior a obrigação de garantir que, no mínimo, 20% da carga horária de todos os cursos EAD sejam presenciais, salvo raras exceções. Essa determinação, embora possa parecer modesta em números, representa um impacto logístico e pedagógico substancial. Instituições que haviam estruturado suas operações exclusivamente no ambiente virtual terão de investir em polos físicos, laboratórios e centros de atendimento estudantil. Além disso, o cumprimento dessa exigência demanda revisão de matrizes curriculares, capacitação docente e adequação das metodologias de ensino. Sob o ponto de vista jurídico-administrativo, abre-se um campo de intensa regulamentação infralegal, envolvendo portarias complementares, normas de fiscalização e novos parâmetros de credenciamento junto ao MEC. Do ponto de vista contratual, a alteração também afeta diretamente as relações de consumo educacional, podendo gerar conflitos sobre a modificação unilateral das condições inicialmente pactuadas com os alunos.

4. Proibição dos cursos de Direito e da área da Saúde na EAD: fundamentos e repercussões

O Decreto nº 12.456/2025 proíbe expressamente a oferta de cursos da área da saúde e de Direito na modalidade a distância. Essa medida responde a demandas históricas de órgãos de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os conselhos de enfermagem, medicina, psicologia e fisioterapia, que argumentavam que tais cursos exigem contato humano, prática supervisionada e vivência institucional que não podem ser plenamente substituídas pelo ambiente digital. A decisão, embora amparada por razões técnicas e éticas, suscita controvérsias quanto à liberdade de organização pedagógica das universidades e ao princípio constitucional da autonomia universitária. Há, portanto, um possível tensionamento entre o dever estatal de garantir qualidade e a liberdade institucional assegurada pelo artigo 207 da Constituição Federal. Além disso, a proibição pode gerar questionamentos judiciais sobre o direito de estudantes que se formaram em cursos EAD antes do novo marco, sobretudo quanto ao reconhecimento de diplomas e à inscrição em conselhos profissionais.

5. As licenciaturas e a formação docente sob o novo regime

Outro ponto sensível do decreto é a mudança radical na oferta das licenciaturas. Antes, as faculdades podiam ofertar cursos de formação de professores inteiramente a distância, desde que mantivessem momentos presenciais obrigatórios, como estágios e provas. Agora, a nova norma determina que as licenciaturas sejam necessariamente semipresenciais, com percentual de carga presencial significativamente ampliado. Essa transformação busca revalorizar a prática pedagógica e a experiência de sala de aula como elementos constitutivos da formação docente. A decisão, entretanto, provoca um impacto direto na formação de professores nas regiões mais remotas, onde a EAD havia se consolidado como a principal via de acesso ao ensino superior. O desafio, nesse sentido, será compatibilizar a exigência de presença física com a realidade geográfica e socioeconômica brasileira, de modo que a busca pela qualidade não se converta em exclusão.

6. Segurança jurídica para alunos matriculados antes de outubro de 2025

O decreto preserva os direitos dos alunos já matriculados antes do prazo de adaptação, permitindo que concluam seus cursos segundo as regras vigentes à época da matrícula. Trata-se de aplicação do princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, pilares do Estado de Direito. Essa garantia impede que estudantes sejam surpreendidos por alterações retroativas nas normas educacionais, evitando prejuízos acadêmicos e financeiros. No entanto, é previsível que surjam controvérsias quanto à interpretação desse direito, especialmente em cursos com duração prolongada ou em casos de trancamento de matrícula. Assim, o tema pode chegar ao Judiciário, que será chamado a interpretar a extensão dessa proteção em face das novas diretrizes do MEC.

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7. Impactos jurídicos e socioeducacionais do novo marco regulatório

O novo marco da EAD inaugura uma era de maior fiscalização, mas também de maior intervenção estatal no âmbito educacional. Do ponto de vista jurídico, abre-se um vasto campo de análise envolvendo princípios constitucionais, direitos do consumidor, contratos educacionais e políticas públicas. Do ponto de vista social, o impacto é ambivalente: ao mesmo tempo em que busca elevar o padrão de qualidade, pode restringir o acesso à educação superior de populações periféricas e trabalhadoras que encontravam na EAD sua principal porta de entrada para a formação universitária. As instituições privadas, que dominam o setor, precisarão redesenhar seus modelos de negócio, enquanto o poder público terá de ampliar a oferta presencial para suprir a demanda reprimida. A implementação do Decreto nº 12.456/2025 exigirá, portanto, um equilíbrio delicado entre regulação, inclusão e qualidade.

8. Considerações finais: entre o rigor e a inclusão

O novo marco regulatório da EAD representa um divisor de águas na história da educação brasileira. Ao mesmo tempo em que combate práticas abusivas e precarização da formação, impõe um desafio estrutural às instituições e ao próprio Estado. O debate que se inaugura vai além da técnica normativa: ele toca o cerne do direito à educação, à autonomia universitária e à democratização do saber. É preciso que a regulação caminhe junto com políticas públicas de inclusão, para que a busca por excelência acadêmica não se traduza em elitização do acesso. O Decreto nº 12.456/2025 inaugura, assim, um novo ciclo de debates jurídicos, pedagógicos e políticos sobre o papel da tecnologia na formação humana e sobre os limites do Estado na definição do que significa, afinal, educar.

Referência:

BRASIL. Decreto nº 12.456, de 2025. Institui o Novo Marco Regulatório da Educação a Distância no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 2025.

Sobre o autor
André Jales Falcão Silva

AJ Falcão é advogado (OAB/CE 29.591) e publicitário, com licenciatura em Sociologia e formação em Psicanálise. Possui formação técnica em Administração, Segurança do Trabalho e Serviços Jurídicos, além de diversas pós-graduações em áreas do Direito, Docência e Ciências Humanas. É instrutor de cursos técnicos e profissionalizantes, ministrando disciplinas jurídicas voltadas à aplicação prática do Direito. Atua como professor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas no Ensino Médio, promovendo pensamento crítico e reflexão social. Também é Perito Judicial nas Regiões Norte e Nordeste, elaborando laudos em grafoscopia e documentoscopia com rigor técnico e científico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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