ensaio sobre os fundamentos ético-filosóficos para compreender o crime e restaurar o valor humano
Tiago Quintanilha Nogueira
Promotor de Justiça – Ministério Público do Estado do Maranhão Professor de Direito Penal
Àqueles que acreditam na razão moral do Direito e no valor humano - mesmo sob a sombra do crime.
Criminologia Axiológica: ensaio sobre os fundamentos ético-filosóficos para a compreensão do fenômeno criminal
Axiological Criminology: essay on the ethical and philosophical foundations for understanding the criminal phenomenon
Resumo
A proposta deste texto é apresentar as linhas iniciais de uma abordagem denominada Criminologia Axiológica, voltada à compreensão do fenômeno criminal a partir da hierarquia dos valores morais e estéticos. Diferencia-se das criminologias crítica e positivista por deslocar o eixo explicativo da estrutura ou da biologia para o campo do valor: o crime como ruptura da ordem axiológica e, ao mesmo tempo, como tentativa simbólica de reconstrução de sentido. Inspirada em Scheler, Reale, Aristóteles, Agostinho e Honneth, esta matriz busca integrar fato, valor e norma, unindo ética, psicologia moral e filosofia do reconhecimento.
Palavras–chave: Criminologia Axiológica; valor; moralidade; estética do crime; reconhecimento.
Abstract
This article presents the initial outlines of a theoretical approach called Axiological Criminology, which seeks to understand the criminal phenomenon from the hierarchy of moral and aesthetic values. It differs from critical and positivist criminologies by shifting the explanatory focus from structure or biology to the field of value, conceiving crime as both a rupture in the axiological order and a symbolic attempt to reconstruct meaning. Inspired by Scheler, Reale, Aristotle, Augustine and Honneth, this framework integrates fact, value, and norm, combining ethics, moral psychology, and the philosophy of recognition.
Keywords: Axiological Criminology; value; morality; crime aesthetics; recognition.
Introdução
A criminologia tradicional analisa o crime como violação da norma jurídica ou reflexo de desigualdades sociais. Todavia, no horizonte contemporâneo, a criminalidade juvenil e a estética da violência revelam uma crise moral e simbólica mais profunda. A Criminologia Axiológica nasce dessa constatação: o delito é também um ato de valor, ainda que invertido, um espelho de carências morais e espirituais. O objetivo deste texto é introduzir a ideia e as bases filosóficas da Criminologia Axiológica, a ser desenvolvida sistematicamente em pesquisa futura de doutoramento. Busca-se aqui apenas delinear seus fundamentos e campo de aplicação.
Fundamentos filosóficos do valor
A matriz parte da axiologia de Max Scheler, para quem os valores possuem estrutura objetiva e hierárquica: valores do agradável, vitais, espirituais e sagrados. A criminalidade moderna manifesta a inversão dessa ordem. O útil e o vital sobrepõem-se ao espiritual e ao moral, revelando uma crise de orientação interior. Com Miguel Reale, adota-se a tridimensionalidade do fenômeno jurídico — fato, valor e norma — para propor que o crime não é apenas fato antijurídico, mas expressão de desajuste valorativo. O ato criminoso representa o predomínio do fato sobre o valor e da força sobre a medida. A dimensão prática é sustentada em Aristóteles, na Ética a Nicômaco: a virtude é o meio termo guiado pela phronesis. A perda da prudência moral abre espaço para o fascínio da transgressão e para o que se pode chamar de “mal vocacional”.
Reconhecimento e pertencimento
A teoria também dialoga com Axel Honneth e Charles Taylor, ao reconhecer que o sujeito moral necessita de reconhecimento afetivo, jurídico e social para constituir sua identidade. Quando há uma falha nesse reconhecimento, o jovem pode buscar no crime um simulacro de valor, um pertencimento simbólico que restaura, ainda que de modo perverso, sua autoestima moral. O crime torna-se, assim, um sintoma axiológico: uma busca distorcida pelo bem, pelo belo e pelo justo.
Estética e idolatria
O fenômeno criminal contemporâneo não é apenas econômico, é estético. A cultura digital rapidamente converte a violência em espetáculo, glorificando o poder, o domínio e o risco. Inspirando-se em Agostinho e na noção de ordo amoris, propõe-se que o mal moral nasce da desordem do amor, quando o sujeito ama mais o que é inferior. O culto à imagem criminosa constitui uma forma moderna de idolatria secular, em que o valor supremo é deslocado da virtude para a glória instantânea.
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Ontológico |
O que o crime revela sobre o ser humano? |
A perda do sentido do bem. |
Epistemológico |
Como conhecemos o crime? |
A inversão da relação fato-valor. |
Moral |
Que tipo de bem é negado ou buscado? |
O reconhecimento moral. |
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Como o crime é representado e admirado? |
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6. Considerações finais
A Criminologia Axiológica propõe uma leitura moral e simbólica do fenômeno criminal, sem reduzi-lo a patologia social nem romantizá-lo como resistência. O crime é compreendido como ato de valor corrompido, o gesto pelo qual o sujeito, privado de sentido e reconhecimento, tenta afirmar-se como portador de valor. A tarefa desta abordagem é reeducar o olhar moral, restabelecendo a ordem entre fato, valor e norma, e promovendo uma reconstrução ética do imaginário social. Este artigo constitui o primeiro registro público dessa proposta teórica, cujos desdobramentos serão aprofundados na investigação de mestrado e, futuramente, sistematizados em tese de doutoramento.
Nota do autor:
Este artigo sintetiza o ensaio “Criminologia Axiológica: fundamentos ético-filosóficos para compreender o crime e restaurar o valor humano”, publicado originalmente no repositório Zenodo (DOI: 10.5281/zenodo.17575023) sob licença Creative Commons Attribution 4.0.
Referência original:
NOGUEIRA, Tiago Quintanilha. Criminologia Axiológica: fundamentos ético-filosóficos para compreender o crime e restaurar o valor humano. Zenodo, 2025. DOI: 10.5281/zenodo.17575023
Referências básicas
Scheler, M. O Formalismo na Ética e a Ética Material dos Valores (1913).
Reale, M. Filosofia do Direito (1953).
Aristóteles. Ética a Nicômaco.
Agostinho. Cidade de Deus.
Honneth, A. Luta por Reconhecimento (1992).
Taylor, C. As Fontes do Self (1989).