Revisitando o Artigo 195 da CLT: A atuação do Técnico em Segurança nas Perícias Judiciais Trabalhistas

13/11/2025 às 10:45

Resumo:


  • A segurança do trabalho é um campo multidisciplinar que envolve saúde, engenharia, ambiente, ergonomia, psicologia e direito.

  • O Técnico em Segurança do Trabalho atua na identificação de riscos ambientais, elaboração de programas de prevenção e orientação a empregadores e empregados.

  • O Engenheiro de Segurança do Trabalho desenvolve sistemas complexos de prevenção e atua em perícias judiciais trabalhistas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As carreiras da segurança do trabalho

A segurança do trabalho consolidou-se no Brasil como um campo técnico-científico multidisciplinar, articulado entre saúde, engenharia, ambiente, ergonomia, psicologia e direito. 

A expansão desse setor levou ao fortalecimento de diversas carreiras, cada qual com atribuições específicas previstas em normas regulamentadoras, resoluções de conselhos profissionais e legislação esparsa. O eixo central dessa área é a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, mas o escopo contemporâneo vai além: envolve planejamento organizacional, análise de riscos, perícias, auditorias e consultorias, inclusive dentro do Poder Judiciário.

O Técnico em Segurança do Trabalho passou a ocupar posição estratégica nesse cenário. Sua formação técnica profissionalizante, prevista pela Lei nº 7.410/85 e regulamentada pelo Decreto nº 92.530/86, fornece competências para identificar riscos ambientais, propor medidas de controle, elaborar programas de prevenção, acompanhar condições de trabalho e orientar empregadores e empregados. O técnico é muitas vezes quem mantém contato direto com o chão de fábrica, com os processos produtivos concretos e com a rotina operacional, acumulando um conhecimento empírico-metodológico muito relevante para avaliações in loco, inclusive aquelas que depois integrarão laudos periciais.

Já o Engenheiro de Segurança do Trabalho, que se especializa após graduação em engenharia ou arquitetura, atua com enfoque mais projetivo e analítico, desenvolvendo sistemas complexos de prevenção, avaliando estruturas, dimensionando equipamentos, realizando análises quantitativas e assinando documentos técnicos cujo escopo ultrapassa a competência legal do técnico. Esse profissional historicamente tem sido reconhecido como figura central nas perícias judiciais trabalhistas envolvendo insalubridade e periculosidade.

Há ainda o Médico do Trabalho, cuja atuação envolve avaliação clínica, exames ocupacionais, diagnóstico de agravos relacionados às condições ambientais e correlação técnica entre exposição nociva e efeitos na saúde. Seus pareceres são essenciais em disputas judiciais que envolvem nexo causal, doenças ocupacionais e aptidão laboral.

Embora cada carreira possua identidade própria, os documentos analisados mostram que, na prática contemporânea da Segurança e Saúde no Trabalho (SST), suas funções frequentemente se entrecruzam na gestão de riscos, nos programas de prevenção e, principalmente, nas demandas judiciais. Isso explica por que a perícia trabalhista, cada vez mais complexa, não deve se limitar a categorias rígidas, mas sim reconhecer a expertise técnica como critério central de escolha do perito ou do assistente técnico.

A perícia trabalhista

A perícia judicial trabalhista é instrumento essencial para o juiz formar sua convicção sobre fatos que dependem de conhecimento técnico ou científico. Na maioria dos litígios envolvendo insalubridade, periculosidade, doença ocupacional, horas in itinere, ergonomia ou dinâmica de acidentes, a prova pericial não é apenas útil. Ela é indispensável.

O procedimento compreende investigação técnica detalhada, inspeção do ambiente de trabalho, entrevistas com trabalhadores e supervisores, análise documental, medições quantitativas e elaboração de laudo conclusivo. A finalidade é estabelecer a verdade material em temas que fogem ao domínio jurídico tradicional, permitindo que o magistrado compreenda o grau de risco, a presença ou não de agentes nocivos, as condições ergonômicas e o nexo técnico entre o trabalho e eventual dano.

A perícia, portanto, não é mero formalismo, mas sim exercício rigoroso de ciência aplicada ao Direito. Sua efetividade depende diretamente da qualidade técnica do profissional responsável pela avaliação e de sua aderência metodológica às normas da segurança do trabalho, às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e aos protocolos de investigação pericial. Isso demonstra que, no atual panorama processual, a competência profissional não está restrita a determinadas categorias formais, mas sim ao domínio técnico necessário para responder aos quesitos formulados pelas partes e pelo juízo.

O técnico em segurança do trabalho como assistente técnico ou auxiliar da perícia

O papel do Técnico em Segurança do Trabalho na dinâmica das perícias trabalhistas é muito mais relevante do que tradicionalmente se reconhece. Os documentos anexados sobre perícia trabalhista evidenciam que grande parte das atividades de campo de observação de processos produtivos, reconhecimento preliminar de riscos, diálogo com operadores, verificação de EPIs, análise do fluxo das operações e identificação de incongruências fáticas corresponde exatamente às competências adquiridas durante a formação técnica profissionalizante. É o técnico quem, na prática cotidiana, domina a realidade concreta da execução das tarefas; conhece maquinaria, rotinas, pontos de risco e ajustes operacionais que muitas vezes escapam à percepção de profissionais que atuam apenas esporadicamente em ambientes industriais.

Por essas razões, o técnico encontra espaço crescente como assistente técnico das partes. Ele acompanha a perícia judicial, elabora pareceres críticos, formula quesitos tecnicamente consistentes, auxilia o advogado na interpretação de laudos e aponta fragilidades metodológicas quando presentes. Sua participação eleva o nível técnico da disputa judicial, proporcionando aos operadores do Direito, especialmente advogados, defensores e magistrados uma visão mais precisa das condições reais de trabalho.

O auxiliar técnico não tem função decisória dentro do processo, mas sua atuação influencia diretamente o convencimento judicial ao oferecer interpretações alternativas, análises mais amplas e informações complementares. O domínio prático do técnico, aliado à capacidade de diálogo com engenheiros e médicos do trabalho, o torna ponte entre o discurso jurídico e a prática industrial. Isso faz com que sua presença em perícias, inclusive como auxiliar contratado pelo próprio perito, seja altamente benéfica para a transparência do procedimento.

A Segurança do Trabalho é uma área essencialmente interdisciplinar e operacional, e que parte significativa das avaliações realizadas no ambiente laboral exige conhecimento técnico de base, não necessariamente de nível superior. Tais conhecimentos incluem interpretação de normas, medições ambientais, avaliação de processos de fabricação, identificação de agentes de risco e leitura crítica de mapas de perigo.

Por isso, limitar a participação do técnico nas perícias apenas a papéis secundários é ignorar a própria estrutura do campo da segurança do trabalho no Brasil. A perícia judicial, enquanto instrumento de busca da verdade material, precisa de profissionais que compreendam profundamente o funcionamento real da atividade investigada e os técnicos, pela natureza de sua formação e vivência intensa nas rotinas laborais, cumprem esse papel com notável precisão.

Leitura crítica do artigo 195 da CLT

O artigo 195 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que “a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade [...] far-se-ão através de perícia a cargo do médico do trabalho ou engenheiro do trabalho”. A redação, entretanto, merece leitura crítica à luz da realidade contemporânea da Segurança e Saúde do Trabalho, dos avanços legislativos e da evolução da própria dinâmica processual.

A primeira crítica possível é a natureza elitista e restritiva do dispositivo. Ele cria uma rigidez artificial ao excluir profissionais que, pela formação atual, possuem conhecimento técnico pleno para identificar e classificar riscos relacionados a insalubridade e periculosidade. O Técnico em Segurança do Trabalho, profissional qualificado e habilitado legalmente, detém expertise suficiente para realizar avaliações ambientais, reconhecer riscos e emitir análises técnicas. O dispositivo legal parece partir de uma visão hierárquica, que privilegia somente carreiras de nível superior, ignorando o papel fundamental desempenhado pelos técnicos que atuam diariamente dentro das empresas, desenvolvendo um olhar sofisticado sobre processos, máquinas, agentes nocivos e rotinas operacionais.

A segunda crítica relaciona-se ao contexto histórico. Quando a CLT foi criada e posteriormente reformada nas décadas seguintes, o campo da Segurança do Trabalho ainda não apresentava a pluralidade de carreiras que hoje existe. As formações técnicas específicas eram limitadas e o próprio conceito de SST ainda era incipiente. A redação legal reflete esse período, quando o engenheiro e o médico do trabalho eram praticamente os únicos agentes formalmente reconhecidos. O desenvolvimento das carreiras técnicas no país ocorreu de forma tardia e acelerada, acompanhando a industrialização e as Normas Regulamentadoras — especialmente a partir da década de 1970. Hoje, entretanto, o cenário é diferente: existe corpo técnico sólido, regulamentado e capacitado, apto a desempenhar funções de alta complexidade técnica.

O terceiro ponto crítico diz respeito ao descompasso entre o art. 195 da CLT e a ordem processual civil contemporânea. O Código de Processo Civil, aplicado supletivamente no processo do trabalho, determina nos artigos 465 e seguintes que “o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia”. A lei processual não faz distinção de formações específicas e tampouco limita a função a médicos ou engenheiros. Prioriza, isso sim, a expertise a capacidade comprovada de realizar a avaliação técnica necessária para o esclarecimento dos fatos.

Este contraste revela uma contradição: enquanto a CLT impõe uma limitação rígida, o CPC confere ampla liberdade ao juiz para escolher o profissional mais adequado. A finalidade da perícia judicial é garantir robustez probatória, e, se um técnico apresentar domínio superior do objeto analisado, nada impediria que pudesse prestar auxílio pericial, ainda que sob supervisão ou em modelos de trabalho colaborativo, como já ocorre em diversas áreas especializadas.

A coerência jurídica, portanto, recomenda leitura evolutiva do art. 195, compatibilizando-o com a realidade processual e com a ampliação das competências profissionais dentro da SST.

A analogia com o corretor de imóveis reforça este entendimento. O corretor profissional de nível técnico, formado em curso profissionalizante de transações imobiliárias é legalmente habilitado a emitir laudo de avaliação de bens imóveis, atividade que envolve análise de mercado, características construtivas, aspectos documentais e variáveis econômicas. Ele atua lado a lado com engenheiros civis e arquitetos em avaliações patrimoniais, sem qualquer hierarquia legal que o impeça de exercer função técnica incisiva.

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Se o Direito reconhece que o corretor, mesmo sem graduação, pode assinar documentos técnicos de relevância econômica e jurídica, não há razão lógica ou científica para impedir que um Técnico em Segurança do Trabalho cuja formação é igualmente regulamentada participe ativamente das avaliações de insalubridade e periculosidade, sobretudo quando possui capacitação prática superior à de muitos profissionais de nível superior.

Compatibilização doutrinária e processual: por que o Técnico em Segurança do Trabalho é peça essencial na perícia trabalhista contemporânea

A consolidação do Técnico em Segurança do Trabalho como figura indispensável na engrenagem da prova pericial trabalhista decorre não apenas da evolução das carreiras da área, mas da própria transformação da jurisdição laboral brasileira. À medida que o processo do trabalho se torna mais técnico, mais dependente de avaliações ambientais detalhadas e mais sensível à realidade concreta das atividades produtivas, cresce a necessidade de profissionais capazes de traduzir o mundo do trabalho em linguagem acessível ao Poder Judiciário.

 A essência da investigação pericial está na análise pormenorizada do ambiente de trabalho, na coleta rigorosa de informações, na decodificação das operações produtivas e na identificação de riscos por meio de parâmetros objetivos. Esse conjunto de tarefas se alinha diretamente às competências do Técnico em Segurança do Trabalho, formado justamente para executar ações de campo, reconhecer agentes nocivos, analisar processos e avaliar medidas de prevenção. É significativa a constatação de que o técnico, por sua vivência operacional cotidiana, frequentemente detém percepção e domínio técnico mais amplo e detalhado do que aquele apresentado em análises realizadas exclusivamente a partir de referenciais teóricos ou interventivos.

A compatibilização doutrinária entre o art. 195 da CLT, o CPC e a estrutura funcional da SST exige leitura evolutiva e sistemática. A norma celetista, escrita em contexto histórico limitado, deve se articular com a realidade processual moderna, que se orienta pela expertise e não por titulação. O Código de Processo Civil determina que o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia, e especialização, nesse caso, significa domínio técnico algo que profissionais de formação técnica podem possuir em alto grau. Enquanto isso, o art. 195 da CLT, em sua literalidade, não pode ser interpretado como proibição absoluta ao técnico, mas como uma referência à necessidade de que as perícias formais de insalubridade e periculosidade sejam assinadas por profissionais cuja habilitação, à época de sua elaboração, era mais claramente identificável pelos órgãos trabalhistas. O sistema jurídico evoluiu, porém a redação permaneceu estática.

Em termos pragmáticos, o Técnico em Segurança do Trabalho já é presença constante nas perícias como assistente técnico das partes, como consultor de advogados e como auxiliar do próprio perito nomeado. Sua atuação melhora a qualidade do laudo, fornece informações adicionais relevantes e esclarece pontos que, por vezes, escapam ao médico ou engenheiro que atua apenas na fase conclusiva do processo.

Há ainda um aspecto epistêmico fundamental: a produção da prova pericial é uma construção coletiva de saberes. Peritos, assistentes técnicos, advogados e trabalhadores interagem para identificar causas, efeitos e nexos. A compreensão real dos processos produtivos não se esgota na leitura das Normas Regulamentadoras, mas exige sensibilidade prática e conhecimento vivido, elementos que fazem parte da formação e da rotina do Técnico em Segurança do Trabalho.

Do ponto de vista jurídico, essa participação reforça o contraditório substancial, qualifica o debate probatório e proporciona ao magistrado visão mais plural, aprofundada e crítica sobre os fatos. A perícia trabalhista moderna não é mais obra solitária de uma única categoria profissional. É um exercício cooperativo em que a soma dos saberes aumenta a probabilidade de que a decisão judicial reflita a verdade material.

Uma análise doutrinária mais ampla revela também que a função da perícia é voltada à resolução de conflitos e não à preservação de tradições corporativas. Se há profissional com domínio específico do objeto técnico, a lógica processual recomenda sua inclusão, e não sua exclusão. A jurisprudência já admite, em diversas áreas, que técnicos atuem como peritos judiciais ou assistentes técnicos, desde que demonstrem qualificação e conhecimento especializado suficientes. O Direito Imobiliário é exemplo emblemático: o corretor de imóveis, mesmo possuindo formação técnica, pode emitir laudos de avaliação patrimonial e está autorizado a atuar como perito avaliador. A razão é simples: competência técnica comprovada.

Esse raciocínio, aplicado à Segurança do Trabalho, conduz a compreensão de que o técnico possui formação adequada, domínio metodológico e conhecimento empírico suficientes para integrar, com legitimidade, o processo pericial. Negar esse reconhecimento seria manter um modelo ultrapassado, que desconsidera a complexidade contemporânea do mundo do trabalho e a própria construção normativa do sistema de SST no Brasil.

Conclui-se, portanto, que o Técnico em Segurança do Trabalho desempenha papel estrutural na perícia trabalhista: como profissional de campo, como intérprete da realidade laboral, como assistente técnico das partes e como auxiliar essencial na produção da prova. A leitura evolutiva do art. 195 da CLT, somada às diretrizes do CPC e à analogia com outras áreas jurídicas que reconhecem a competência de profissionais técnicos, mostra que a atuação desse profissional não é apenas possível. Ela é necessária. E, para os advogados e operadores do Direito, compreender essa dinâmica é passo fundamental para fortalecer a qualidade da prova pericial e promover decisões mais justas, realistas e alinhadas à verdade dos fatos.

Sobre o autor
André Jales Falcão Silva

AJ Falcão é advogado (OAB/CE 29.591) e publicitário, com licenciatura em Sociologia e formação em Psicanálise. Possui formação técnica em Administração, Segurança do Trabalho e Serviços Jurídicos, além de diversas pós-graduações em áreas do Direito, Docência e Ciências Humanas. É instrutor de cursos técnicos e profissionalizantes, ministrando disciplinas jurídicas voltadas à aplicação prática do Direito. Atua como professor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas no Ensino Médio, promovendo pensamento crítico e reflexão social. Também é Perito Judicial nas Regiões Norte e Nordeste, elaborando laudos em grafoscopia e documentoscopia com rigor técnico e científico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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