O tratamento dos precatórios no projeto de lei orçamentária anual (PLOA): entre a transparência fiscal e a sustentabilidade financeira do estado

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O Tratamento dos Precatórios no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA): Entre a Transparência Fiscal e a Sustentabilidade Financeira do Estado

Introdução

A elaboração do orçamento público é um dos pilares da gestão estatal, pois estabelece limites, prioridades e diretrizes para a execução das políticas governamentais. No Brasil, o instrumento central dessa organização financeira é a Lei Orçamentária Anual (LOA), cuja proposta inicial, apresentada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, recebe o nome de Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).

Nos últimos anos, contudo, um tema recorrente tem suscitado debates intensos entre economistas, juristas e parlamentares: o tratamento dado aos precatórios dentro do orçamento público. Ao permitir que tais valores sejam “extraídos” do cálculo do resultado primário, cria-se uma espécie de superávit contábil que não reflete, de forma fiel, a pressão que essas dívidas judiciais exercem sobre as contas públicas (BRASIL, 2025).

Este artigo busca, em um primeiro momento, esclarecer o conceito e a função da PLOA, para depois avançar na análise crítica do tratamento orçamentário dos precatórios, demonstrando seus impactos práticos na transparência fiscal e na percepção da saúde financeira do Estado.

O que é a PLOA?

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é o documento elaborado pelo Poder Executivo que apresenta ao Congresso Nacional a previsão detalhada de receitas e despesas da União para o ano seguinte (BRASIL, 2025). Em outras palavras, trata-se da “peça inicial” do orçamento, que servirá de base para a LOA, após debate e aprovação pelo Legislativo.

Seu objetivo principal é definir limites de gastos e prioridades de investimentos públicos, garantindo a execução de políticas sociais, pagamento de servidores, manutenção da máquina administrativa e cumprimento de obrigações legais (BRASIL, 2024). A PLOA também se articula com outros instrumentos de planejamento governamental, como o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Na prática, a PLOA funciona como um espelho da estratégia fiscal do governo. A partir dela, é possível identificar se a meta é de déficit, equilíbrio ou superávit primário — isto é, se as receitas previstas serão suficientes para cobrir as despesas primárias (excluídos os juros da dívida).

O caso recente da PLOA 2025 ilustra bem essa dinâmica. Segundo dados oficiais, o governo conseguiu projetar um superávit de aproximadamente R$ 3,7 bilhões, mas somente após excluir os precatórios da conta (SENADO FEDERAL, 2025). Já na PLOA 2026, a previsão inicial de superávit de R$ 34,5 bilhões contrasta com um déficit real de R$ 23,3 bilhões quando esses valores são devidamente considerados.

O que são precatórios e por que podem ser extraídos do orçamento?

Os precatórios são dívidas da União, dos Estados ou dos Municípios reconhecidas pela Justiça após decisão definitiva (transitada em julgado) (BRASIL, 1988). Em termos práticos, quando o Poder Público perde uma ação judicial e é condenado a pagar determinada quantia — seja a uma pessoa física, a uma empresa ou a outra entidade — esse valor é incluído na lista de precatórios.

O pagamento, no entanto, não ocorre imediatamente. Existe um calendário próprio: os precatórios expedidos até determinada data do ano (normalmente até 2 de abril, conforme a regra atual) são incluídos no orçamento do exercício seguinte, enquanto os expedidos após essa data só entram no orçamento do ano subsequente. Essa sistemática visa dar previsibilidade à execução orçamentária e evitar surpresas fiscais que comprometam o planejamento anual.

1. Natureza obrigatória, mas flexível no orçamento

Por se tratarem de dívidas judiciais definitivas, os precatórios têm natureza obrigatória: o Estado não pode simplesmente escolher não pagá-los. No entanto, a forma como são registrados no orçamento permite certa flexibilidade. As regras fiscais vigentes autorizam que essas despesas sejam excluídas do cálculo do resultado primário, sendo tratadas como créditos extraordinários (BRASIL, 2000).

Em termos contábeis, isso significa que o governo pode divulgar um resultado fiscal aparentemente equilibrado ou até superavitário, mesmo que, na prática, tenha que arcar com valores expressivos em precatórios.

2. Exemplos recentes na PLOA

• PLOA 2025: cerca de R$ 44,1 bilhões em precatórios foram deixados fora da conta do resultado primário. Assim, um déficit que seria registrado se converteu em um superávit de R$ 3,7 bilhões.

• PLOA 2026: a exclusão de aproximadamente R$ 57,8 bilhões em precatórios permitiu projetar um superávit de R$ 34,5 bilhões, embora, sem essa manobra, houvesse um déficit de R$ 23,3 bilhões (SENADO FEDERAL, 2025).

Consequências e críticas à exclusão dos precatórios da PLOA

A exclusão dos precatórios do cálculo do resultado primário é uma solução contábil que, embora prevista em lei, gera fortes críticas de economistas, juristas e órgãos de controle (BRASIL, 2025). O ponto central é que a prática compromete a transparência fiscal, criando uma distância entre os números oficiais e a realidade financeira do Estado.

Um dos pilares das finanças públicas é a confiança. Quando o governo apresenta superávits baseados em exclusões artificiais, a credibilidade dos resultados fiscais é questionada. Investidores e organismos internacionais passam a avaliar o país com cautela, uma vez que a “fotografia oficial” não mostra o peso integral das obrigações da União.

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Ainda que fiquem fora do resultado primário, os precatórios são despesas obrigatórias. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, o Tesouro Nacional terá de desembolsar recursos para quitá-los (BRASIL, 2025). O efeito líquido é o aumento da dívida bruta do governo, que não se sustenta apenas com superávits “contábeis”.

Outro aspecto criticado é que a flexibilização no tratamento dos precatórios pode abrir espaço para calotes disfarçados. Se o Estado recorre a mecanismos de postergação ou exclusão recorrente dessas dívidas, enfraquece a autoridade das decisões judiciais e prejudica os cidadãos e empresas credores, que dependem do pagamento para recompor perdas (BRASIL, 2025).

A PEC dos Precatórios (PEC 66/2023)

Em 2025, o Senado aprovou em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 66/2023), que estabelece uma nova sistemática para o pagamento dos precatórios (SENADO FEDERAL, 2025). A proposta prevê a exclusão dessas despesas do limite de gastos públicos, criando um regime específico para sua quitação.

O debate em torno da PEC dos Precatórios revela a dificuldade de conciliar responsabilidade fiscal com a observância de direitos fundamentais e da coisa julgada. Embora o governo defenda que a medida garante sustentabilidade fiscal, especialistas alertam para os riscos de erosão da confiança no cumprimento das obrigações estatais, o que pode gerar efeitos de longo prazo na credibilidade institucional do país.

Promulgação da EC 106/2025

Em setembro de 2025, a Proposta de Emenda à Constituição nº 66/2023 foi promulgada, convertendo-se na Emenda Constitucional nº 106/2025 (BRASIL, 2025). A emenda fixa um limite anual de desembolso para essas dívidas judiciais, autoriza a compensação com créditos tributários e permite o uso desses valores para quitação de débitos com o próprio governo federal.

Embora apresentada como uma medida de racionalização fiscal, a EC 106/2025 consolidou a exclusão parcial dos precatórios do cálculo do resultado primário e do teto de gastos, transformando em regra constitucional o que antes era prática contábil.

Conclusão

A análise do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e do tratamento conferido aos precatórios revela um dilema entre a legalidade contábil e a realidade fiscal. Embora a exclusão dessas dívidas do cálculo do resultado primário esteja prevista nas regras orçamentárias, seu uso recorrente gera uma percepção distorcida da saúde financeira do país (BRASIL, 2025).

Mais do que um artifício técnico, trata-se de uma questão de transparência e responsabilidade fiscal. A credibilidade do Estado depende de que os resultados apresentados reflitam, de fato, sua capacidade de honrar compromissos — e não apenas de ajustes contábeis.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 106/2025, as regras que limitam o pagamento dos precatórios passaram a ter status constitucional, consolidando a flexibilização fiscal discutida ao longo deste artigo (BRASIL, 2025).

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 maio 2000.

BRASIL. Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2025 e 2026. Brasília, DF: Ministério do Planejamento e Orçamento, 2025.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 106, de 2025. Altera a sistemática de pagamento de precatórios. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2025.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 66, de 2023 (PEC dos Precatórios). Brasília, DF: Senado Federal, 2025.

Sobre o autor
Everson Alexandre de Assumpção

Everson Alexandre de Assumpção Prospective Harvard Student Harvard Business Review Advisory Council Membership opt-in Postgraduate Laws - University of London Estudante de Medicina Estudante de Engenharia Civil Estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária Estudante de Pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho Pós Doutor em Ciências Econômicas pela Universidad Nacional de Córdoba Doutor em Direito pela Universidad Argentina J.F.Kennedy Mestre em Seguridade Social pela Universidad de Alcalá Estudou Inglês Upper - Advanced em Oxford University Estudou Espanhol na Univerdad Nacional de Rosario Conciliador pelo Conselho de Justiça Federal Arbitro em Direito Registrado na Ordem da Justiça Arbitral no Brasil OJAB/0744 Estudou Google Project Management 2 Especializações em Direito Previdenciário Especialista em Direito Penal e Processual Penal Especialista em Direito Direito Civil Especialista em Direito Processual Civil Especialista em Conciliação Mediação e Arbitragem Especialista em Direito e Processo do Trabalho Especialista em Direito de Família e Sucessões Especialização em Serviços Sociais Especialista em Ciência Política MBA em Comércio Exterior Especialista em Filosofia e Sociologia Especialista em Psicologia Jurídica Especialista em Direito Público Especialista em Direito Imobiliário Especialista em Direito Penal Especialista em Direito do Trabalho Estuda Inglês no Conselho Britânico Bacharel em Direito Project Management na Cardoso e Assumpção Gerente do Grupo de debates sobre Direito Previdenciário no LinkedIn Gerente do Grupo de debates sobre Câmaras de Arbitragem 10 Prêmios Internacionais de Produção Acadêmico Científica Falo Inglês e Espanhol

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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