Aplicação da LRF na fixação do subsídio dos edis

15/11/2025 às 14:06
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Resumo: a presente reflexão tem por finalidade analisar se os dispositivos moralizantes da Lei de Responsabilidade Fiscal se aplicam ao aumento ou reajuste dos subsídios dos membros das Câmaras Municipais, ou se existe alguma exceção constitucional para o seu afastamento.


Palavras-chave: Direito Constitucional. Lei de Responsabilidade Fiscal. Municípios. Vereadores. Subsídios.


A Constituição de 1988 possui um capítulo específico para fixar normas gerais a respeito do funcionamento dos municípios.

Nesse particular, em relação a fixação da remuneração dos vereadores, a Constituição Federal dispôs o seguinte:


Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: (g. n.)


A norma é singela, e não define o momento exato para que o Poder Legislativo local formalize o aumento ou reajuste do subsídio de seus membros.

Sem embargo, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou mais de uma vez acerca do princípio da anterioridade da legislatura, não cabendo a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais, verbis:


EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.616/2018, DO MUNICÍPIO DE VALINHOS. FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS DO EXECUTIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEGISLATURA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. ACÓRDÃO EMBARGADO DIVERGENTE DA ORIENTAÇÃO DO PLENÁRIO. EMBARGOS ACOLHIDOS. (RE 1.217.439-AgR-EDv, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, DJe de 3/12/2020)


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DAS LEIS 10.415/2013, 10.729/2014, 11.069/2015, 11.285/2016 E 11.692/2018 DO MUNICÍPIO DE SOROCABA SP. SECRETÁRIOS MUNICIPAIS, PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. FIXAÇÃO DE SUA REMUNERAÇÃO. DECLARAÇÃO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL APENAS EM RELAÇÃO AOS VEREADORES. REVISÃO DE SUBSÍDIOS DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS, PREFEITO E VICE-PREFEITO. OBRIGATORIEDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. FIXAÇÃO PARA A LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ARTIGO 29, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO.(RE 1.236.916, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, DJe de 23/4/2020)


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. REMUNERAÇÃO. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. (AI 776.230-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 26/11/2010)


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SUBSÍDIOS DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS, PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. FIXAÇÃO PARA A LEGISLATURA SUBSEQUENTE: OBRIGATORIEDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DOS SUBSÍDIOS PARA A MESMA LEGISLATURA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE 1.275.788-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 4/11/2020)

Malgrado, a matéria da revisão geral anual de subsídios desses agentes públicos está submetida ao regime de repercussão geral, conforme podemos verificar no RE nº 1.344.400 – SP1.


No entanto, a questão não é tão simples quanto parece, pois as normas constitucionais devem ser interpretadas de forma sistemática, ou seja, não pode haver contradição dentro de seu texto.


Nesse diapasão, a Constituição da República, em seu artigo 163, inciso I, prescreve que Lei Complementar disporá sobre finanças públicas.


Destarte, todos os entes políticos e respectivas entidades de sua administração direta e indireta irão se submeter a Lei Complementar Federal sobre finanças públicas, qual seja, a 101 de 2000.


Nessa esteira, logo em seu artigo 1º, § 1º, a norma complementar referida demonstra qual a sua principal finalidade:


A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (g. n.)


Dessa forma, o principal norte da lei é assegurar a responsabilidade na gestão fiscal, mediante ações planejadas e transparentes dos entes públicos, a fim de prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

Logo, a inobservância de suas disposições é apta a gerar a irresponsabilidade na gestão fiscal, com responsividade perante os órgãos de controle interno e externo.


Nessa senda, o artigo 21, incisos II e IV, alínea “a”, da LRF estabelece ser nulo de pleno direito,


II - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

IV - A aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)



Como se não bastasse, o normativo deixa claro que essas restrições são aplicáveis ainda que o titular do Poder ou Autarquia seja reconduzido ou reeleito ao cargo.

Sem embargo, não são raros aumentos ou reajuste de subsídios auto-concedidos pelos agentes políticos no último ano do mandato, ou mesmo após o resultado das eleições municipais.

Como exemplo mais elucidativo, temos a recente Resolução nº 7/2024 da Câmara de Vereadores e a Lei nº 4.660/2024, ambas de Santa Bárbara do Oeste (SP), promulgadas em 11 e 13 de dezembro respectivamente, ou seja, após o resultado das eleições.2


A despeito de parecerem constitucionais, os atos normativos carecem de legitimidade em face da Lei de Responsabilidade Fiscal e do princípio constitucional da moralidade administrativa e da boa-fé.


Em relação à LRF e suas limitações de gastos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato, já tecemos suficientes comentários.


De seu turno, no que se refere a moralidade administrativa, temos com o saudoso Hely (2020, p. 80) que


Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: “non omne quod licet honestum est”. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum. (g. n.)

Dessa forma, para que a aprovação da norma legal de fixação de subsídios atenda a legitimidade (legalidade + moralidade), ela deve obedecer ao período prescrito na Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de comprometimento desses princípios constitucionais.


Ademais, é imperioso ressaltar que a aprovação de qualquer reajuste ou aumento de remuneração e subsídio, somente após o resultado das eleições, viola a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme previsto no artigo 14, § 9º, da Constituição Cidadã, haja vista que referida conduta invariavelmente influenciaria no resultado das eleições perante os eleitores, de forma negativa.

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Por outro lado, temos julgados muito mais republicanos proferidos por tribunais pátrios, verbis:


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "A". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSIDERADO VIOLADO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 284 DO STF. CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO. APLICAÇÃO AOS AGENTES POLÍTICOS. NULIDADE DA EXPEDIÇÃO DE ATO NORMATIVO QUE RESULTOU NO AUMENTO DE DESPESA COM PESSOAL NOS 180 DIAS ANTERIORES AO FINAL DO MANDATO DO TITULAR DO RESPECTIVO PODER. 5. E mais: tampouco interessa se o ato importa em aumento de verba paga a título de subsídio de agente político, já que a lei de responsabilidade fiscal não distingue a espécie de alteração no erário público, basta que, com a edição do ato normativo, haja exasperação do gasto público com o pessoal ativo e inativo do ente público. Em outros termos, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em respeito ao artigo 163, incisos I, II, III e IV, e ao artigo 169 da Constituição Federal, visando uma gestão fiscal responsável, endereça-se indistintamente a todos os titulares de órgão ou poder, agentes políticos ou servidores públicos, conforme se infere do artigo 1º, §1 e 2º da lei referida. (REsp 1170241/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 14/12/2010.)


APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – AFASTADA. AUMENTO DE SUBSÍDIOS DE PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS – VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 21 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL – NULIDADE DE ATO QUE RESULTE EM AUMENTO DE DESPESAS COM PESSOAL EXPEDIDO NOS 180 DIAS ANTERIORES AO FINAL DO MANDATO – ATOS QUE CAUSARAM DANO AO ERÁRIO – PRAZO APLICÁVEL À AGENTES PÚBLICOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ/MS 0800556-04.2012.8.12.0045, Relator: Des. Odemilson Roberto Castro Fassa, Data de Julgamento: 29/11/2017, 4ª Câmara Cível)


Assim também encontramos proeminente entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte:


Súmula nº 32: fixação da remuneração dos agentes políticos municipais exige lei em sentido formal, a ser publicada, quando implicar em aumento de despesas com pessoal, no caso dos prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais, até o dia 03 de julho, e dos vereadores, até o dia 04 de agosto, ambos do ano das eleições municipais respeitados os limites constitucionais e da Lei de Responsabilidade Fiscal


De seu turno, Fonseca Neto possui compreensão de que a violação da LRF configura possível infração penal e ato de improbidade administrativa:


Por todo o exposto, partindo-se da premissa de que, no caso sob análise, há incidência do art. 21, parágrafo único, da LRF, e art. 163, I, da CRFB, impedindo a fixação e reajuste do subsídio de Prefeitos e Vereadores nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato, a não observância desse prazo representa ato atentatório aos princípios da Administração Pública, principalmente, o da moralidade e impessoalidade, caracterizando-se, em tese, como ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11, caput, I, da Lei nº 8.429/1992, e como infração penal, prevista no art. 359-G, do CP. (g. n.)


À guisa de conclusão, vemos com apreensão a possibilidade da Suprema Corte alterar sua jurisprudência e esvaziar o comando da LRF, além dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da boa-fé, pelo menos no que tange aos agentes políticos municipais, em evidente retrocesso no controle dos gastos públicos e na legitimidade e normalidade das eleições contra a influência do poder político.



Referências bibliográficas

FONSECA NETO, José Guedes da. DO REAJUSTE DO SUBSÍDIO DE PREFEITOS E VEREADORES NOS 180 DIAS ANTERIORES AO FINAL DO MANDATO: CARACTERIZAÇÃO (OU NÃO) DE ATO ÍMPROBO E INFRAÇÃO PENAL. Revista Eleitoral. TRE-RN. Volume 32, ano 2018.


HELY, Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª ed. - São Paulo: Malheiros, 2020.




1 EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LEIS 3.056/2019 E 3.114/2020 DO MUNICÍPIO DE PONTAL. REVISÃO GERAL ANUAL DO SUBSÍDIO DO PREFEITO E DO VICE-PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL.

2 Vereadores aprovam aumento de 46% nos próprios salários em Santa Bárbara d'Oeste

Disponível em: https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2024/12/10/vereadores-aprovam-aumento-de-46percent-nos-proprios-salarios-em-santa-barbara-doeste.ghtml Acesso em: 15 nov. 2025

Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestre em Direito. Procurador Municipal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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