O novo Guia do CNJ sobre os Temas 6 e 1.234 do STF: competência, custeio e prova na concessão de medicamentos

18/11/2025 às 22:10

Resumo:


  • A consolidação dos Temas 6 e 1.234 da repercussão geral pelo STF, juntamente com as Súmulas Vinculantes 60 e 61, representam uma mudança significativa na judicialização da saúde no Brasil, especialmente no que diz respeito à concessão de medicamentos pelo SUS.

  • O "Guia prático para os Temas 6 e 1234", elaborado pelo CNJ, traduz os acordos homologados pelo STF em diretrizes claras, parâmetros de custeio e orientações para atuação judicial e administrativa, visando proporcionar segurança jurídica e efetividade na prestação jurisdicional na área da saúde.

  • O Guia aborda temas como competência entre Justiça Federal e Estadual, responsabilidades de União, Estados e Municípios, critérios probatórios mínimos e o papel dos atos administrativos da Conitec, buscando fornecer um roteiro estruturado para a aplicação das teses nos casos concretos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O novo Guia do CNJ sobre os Temas 6 e 1.234 do STF: competência, custeio e prova na concessão de medicamentos

Resumo
A consolidação dos Temas 6 e 1.234 da repercussão geral, com a posterior edição das Súmulas Vinculantes 60 e 61, representa verdadeira mudança de paradigma na judicialização da saúde, especialmente quanto à concessão de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar disso, persistem dúvidas relevantes entre profissionais do direito e jurisdicionados quanto à correta aplicação dessas teses, em temas como definição de competência entre Justiça Federal e Estadual, repartição de responsabilidades entre União, Estados e Municípios, critérios probatórios mínimos e papel dos atos administrativos da Conitec. O “Guia prático para os Temas 6 e 1234”, elaborado sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), surge como instrumento fundamental de segurança jurídica, por traduzir os acordos interfederativos homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fluxos operacionais claros, parâmetros objetivos de custeio e diretrizes de atuação judicial e administrativa. O presente artigo analisa criticamente esse Guia, destacando suas principais contribuições para a efetividade da prestação jurisdicional em matéria de saúde e sugerindo formas de sua utilização prática por magistrados, advogados, membros do Ministério Público e defensores públicos.

Palavras-chave: judicialização da saúde; Temas 6 e 1.234; STF; CNJ; medicamentos; SUS; Conitec; NAT-Jus.

Abstract

The consolidation of Themes 6 and 1,234 of general repercussion by the Brazilian Supreme Federal Court (STF), together with the subsequent enactment of Binding Precedents 60 and 61, has reshaped the landscape of health litigation, particularly with regard to the judicial granting of medicines under the Unified Health System (SUS). Yet, judges, public officials and legal practitioners still face considerable uncertainty when applying these precedents in concrete cases, especially in defining jurisdiction between federal and state courts, allocating financial responsibility among the Union, states and municipalities, and assessing the evidentiary threshold and the role of Conitec’s administrative decisions. In this context, the “Practical Guide for Themes 6 and 1,234”, prepared under the coordination of the National Council of Justice (CNJ), emerges as a key instrument for legal certainty. It translates the interfederative agreements homologated by the STF into clear operational flows, objective cost-sharing parameters and pragmatic guidelines for judicial and administrative action. This article offers an analytical reading of the Guide, highlighting how it reorganizes competence, funding and evidentiary standards in the judicial review of access to medicines. It also argues that this experience illustrates Brazil’s gradual transition from a traditional civil law model to a jurisprudence-oriented system, in which binding precedents, institutional agreements and CNJ soft law tools play an increasingly structuring role in defining the effective content of the right to health.

Keywords: health litigation; Theme 6; Theme 1,234; Brazilian Supreme Court; National Council of Justice (CNJ); access to medicines; SUS; Conitec; NAT-Jus; binding precedents.

Sumário: 1. Introdução: da jurisprudência fragmentada à governança colaborativa; 2. Súmulas Vinculantes 60 e 61: o novo centro de gravidade da judicialização da saúde; 3. Tema 1.234: competência, repartição de responsabilidades e pactuação federativa; 4. Tema 6: o filtro probatório rigoroso para medicamentos não incorporados; 5. NAT-Jus, e-NatJus e a cultura da prova científica; 6. Cumprimento de decisões, PMVG e vedação de repasse direto ao jurisdicionado; 7. Segurança jurídica, redução de litigiosidade e transição de modelo; 8. Considerações finais; Referências.

1. Introdução: da jurisprudência fragmentada à governança colaborativa

Durante anos, a judicialização da saúde, em especial no tocante à concessão de medicamentos, foi marcada por decisões fragmentadas, critérios pouco transparentes e soluções essencialmente casuísticas.

Em meio a esse cenário, três perguntas apareciam com frequência nas petições iniciais, nas manifestações ministeriais e nas sentenças: quem deve ser demandado, quem custeia efetivamente o tratamento e quais são, afinal, os requisitos probatórios mínimos para afastar a política pública vigente.

A fixação das teses nos Temas 6 e 1.234 da repercussão geral, bem como a edição das Súmulas Vinculantes 60 e 61, teve precisamente a finalidade de enfrentar esse quadro de desorganização institucional. Contudo, a própria sofisticação das teses, somada à realidade desigual da prestação jurisdicional em um país de dimensões continentais, acabou produzindo um efeito ambíguo.

Muitos profissionais do direito passaram a intuir que “algo mudou”, mas nem sempre tinham clareza sobre como aplicar, no caso concreto, a distinção entre medicamento incorporado e não incorporado, o recorte de competência entre Justiça Federal e Estadual, o modelo de custeio escalonado por valor de tratamento ou o papel da Conitec e do NAT-Jus na construção da prova.

É nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça assume um protagonismo peculiar, ao estruturar o “Guia prático para os Temas 6 e 1234 – Fluxos para apreciação de concessão de medicamentos em face do Sistema Único de Saúde”.

Mais do que um simples manual, esse documento transforma as teses abstratas e os acordos interfederativos homologados pelo STF em orientações operacionais acessíveis, com linguagem direta, critérios objetivos e referências a instrumentos concretos de apoio à decisão judicial.

O Guia materializa, assim, uma forma de governança colaborativa entre Judiciário, entes federativos e órgãos técnicos, na qual a coerência jurisprudencial deixa de ser mera aspiração teórica e passa a ser construída por meio de fluxos padronizados, protocolos decisórios e ferramentas de apoio baseadas em evidências.

Cabe ainda uma reflexão de fundo. Todo esse arranjo normativo-jurisprudencial em torno dos Temas 6 e 1.234, das Súmulas Vinculantes 60 e 61 e do próprio Guia do CNJ é um dos muitos exemplos de que o Brasil, tradicionalmente classificado como país de civil law, vem incorporando, de modo crescente, traços típicos de sistemas de common law.

A centralidade conferida aos precedentes obrigatórios, a necessidade de observância qualificada das teses firmadas em repercussão geral, a edição de súmulas vinculantes com pretensão de estabilizar controvérsias reiteradas e a produção de guias interpretativos pelo CNJ revelam uma transição gradual para um modelo em que a coerência e a integridade da jurisprudência passam a desempenhar papel estruturante na conformação do próprio direito aplicável à saúde.

2. Súmulas Vinculantes 60 e 61: o novo centro de gravidade da judicialização da saúde

O ponto de partida para compreender o papel do Guia é a própria densificação temática promovida pelo STF, que culmina na edição de duas súmulas vinculantes diretamente relacionadas ao objeto da judicialização da saúde.

A Súmula Vinculante 60 estabelece que o pedido e a análise administrativos de medicamentos, a judicialização do caso e seus desdobramentos devem observar os três acordos interfederativos e seus fluxos, celebrados entre União, Estados e Municípios e homologados no julgamento do Tema 1.234.

A Súmula Vinculante 61, por sua vez, consolida as exigências do Tema 6 ao afirmar que a concessão judicial de medicamento registrado na Anvisa, mas não incorporado às listas do SUS, deve observar as teses firmadas no Recurso Extraordinário 566.471, que funcionam como verdadeiro roteiro normativo para o magistrado.

Essas súmulas realizam um movimento duplo. De um lado, vinculam o Judiciário aos fluxos pactuados entre os entes federativos, conferindo densidade normativa a acordos administrativos que, de outra forma, poderiam parecer meras orientações internas. De outro, condicionam a concessão de medicamentos não incorporados à observância de requisitos probatórios rigorosos, ancorados na Medicina Baseada em Evidências, na análise do ato administrativo da Conitec e na demonstração concreta de necessidade clínica e impossibilidade de substituição.

O Guia do CNJ é, nesse quadro, o instrumento que permite ao operador do direito transitar do plano abstrato das teses e súmulas para o plano concreto da prática forense. Ele mostra, passo a passo, como identificar o tipo de medicamento, qual tese incide, qual o juízo competente, quem responde pelo custeio e quais os cuidados que devem ser tomados na instrução probatória e na fundamentação das decisões.

3. Tema 1.234: competência, repartição de responsabilidades e pactuação federativa

Uma das maiores fontes de insegurança na judicialização da saúde sempre foi a definição de quem deve figurar no polo passivo das ações e perante qual Justiça o pedido deve ser formulado. O Tema 1.234, em conjunto com os acordos interfederativos homologados pelo STF, procura organizar essa matéria, e o Guia a expõe de forma didática.

O primeiro movimento consiste em diferenciar o medicamento incorporado daquele não incorporado. Considera-se incorporado o medicamento que já integra a política pública do SUS, seja por constar das listas de medicamentos essenciais (como a RENAME, no plano nacional, e as listas estaduais e municipais), seja por estar previsto em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou nos diversos componentes da assistência farmacêutica, incluindo o componente oncológico.

Considera-se não incorporado o medicamento que não figura em nenhuma dessas políticas ou cuja prescrição, no caso concreto, se afasta dos critérios de elegibilidade definidos pela Conitec e formalizados na normativa de incorporação. Um fármaco que só é indicado em PCDT para determinada doença, faixa etária ou estágio clínico, por exemplo, será tratado como não incorporado quando pleiteado judicialmente fora desses parâmetros.

A partir dessa distinção, o Guia demonstra que a definição de competência e de responsabilidade financeira não é arbitrária, mas resulta de uma partilha cuidadosamente desenhada.

Nos medicamentos incorporados, a competência tende a acompanhar o ente responsável pelo financiamento daquele componente da assistência: medicamentos do componente básico, em regra, recaem sobre a esfera municipal e são discutidos na Justiça Estadual; medicamentos estratégicos, de responsabilidade da União, conduzem à Justiça Federal; no componente especializado, a própria classificação em grupos define se o financiamento é nacional, estadual ou municipal, com reflexos diretos sobre quem deve ser demandado.

Nos medicamentos não incorporados, por sua vez, o critério decisivo passa a ser o valor anual do tratamento, calculado com base no Preço Máximo de Venda ao Governo, segundo as regras da CMED.

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Em relação aos tratamentos de altíssimo custo, a partir de determinado patamar de salários-mínimos por ano, eles tornam-se de responsabilidade direta da União, com competência da Justiça Federal.

Os tratamentos de custo intermediário são financiados pelos Estados, com ressarcimento parcial pela União e competência da Justiça Estadual, sem a necessidade de inclusão da União no polo passivo.

Já os tratamentos de menor custo, abaixo do piso estabelecido, permanecem a cargo dos Estados, em regra sem participação municipal, salvo pactuações específicas nas comissões bipartites.

O Guia enfrenta, ainda, uma situação frequente na prática: casos em que o medicamento já foi formalmente incorporado, mas ainda não está disponível na rede, por ausência de pactuação ou por questões operacionais.

Até que haja definição na Comissão Intergestores Tripartite acerca de quem financiará a tecnologia, o pedido é tratado como de medicamento não incorporado, aplicando-se o critério do valor anual de tratamento. Uma vez resolvida a pactuação, o fármaco passa a ser considerado plenamente incorporado também para efeitos de competência e repartição de responsabilidades.

4. Tema 6: o filtro probatório rigoroso para medicamentos não incorporados

Enquanto o Tema 1.234 se ocupa da arquitetura federativa e da organização da competência, o Tema 6 disciplina o conteúdo probatório mínimo exigido para a concessão de medicamentos não incorporados ao SUS. O Guia retoma e explicita essa matriz, transformando-a em roteiro de atuação para magistrados e advogados.

O ponto central é claro: a regra geral, nesses casos, é a de não concessão, cabendo ao autor demonstrar, de forma cumulativa, que estão presentes as condições estritas que autorizam a superação da política pública vigente.

O processo deixa de ser conduzido à base de meros relatórios médicos genéricos e passa a exigir uma prova qualificada, que demonstre a negativa administrativa de fornecimento, a inexistência de alternativa adequada dentre os medicamentos já incorporados, a imprescindibilidade clínica do fármaco pleiteado, a eficácia e a segurança do tratamento segundo a Medicina Baseada em Evidências, a incapacidade financeira do paciente e, sobretudo, a regularidade ou eventual falha do ato administrativo de não incorporação.

O Guia enfatiza que o magistrado não pode ignorar a decisão técnica da Conitec, nem se limitar a examinar o caso sob a ótica subjetiva de um único laudo. É indispensável que a sentença enfrente, com fundamentação adequada, os motivos que levaram à não incorporação e as evidências científicas que embasaram tal decisão, sem substituição arbitrária do juízo técnico-administrativo, mas com controle de legalidade, racionalidade e proporcionalidade.

A omissão nesse exame, somada à falta de diálogo com as teses de repercussão geral, configura, à luz do Código de Processo Civil, vício de fundamentação e inobservância do regime de precedentes obrigatórios.

5. NAT-Jus, e-NatJus e a cultura da prova científica

Um dos méritos do Guia é reposicionar o NAT-Jus no centro da discussão sobre racionalidade das decisões em saúde. O documento deixa claro que, em se tratando de medicamentos não incorporados, a consulta ao núcleo de apoio técnico ou, na impossibilidade, a especialista com comprovada expertise, não é mero adorno, mas etapa essencial da instrução e da fundamentação.

O e-NatJus, plataforma nacional que reúne notas técnicas e pareceres produzidos pelos diversos NAT-Jus do país, é apresentado como repositório de precedentes técnico-científicos, permitindo ao magistrado situar o caso concreto em um universo maior de decisões baseadas em evidências.

A consulta a esse acervo contribui para a isonomia decisória, uma vez que evita disparidades injustificadas entre casos semelhantes, e para a eficiência cognitiva, reduzindo a necessidade de recomeçar do zero a análise de temas científicos complexos a cada nova demanda.

Para a advocacia, isso significa uma mudança de postura. Já não basta invocar genericamente o direito fundamental à saúde ou juntar um relatório breve, sem indicação de tratamentos anteriores, posologias ou respostas clínicas. Torna-se indispensável antecipar a perspectiva do NAT-Jus, trazer aos autos estudos científicos robustos, revisões sistemáticas, diretrizes clínicas e informações completas sobre o histórico terapêutico do paciente. Em síntese, a prova passa a dialogar com a linguagem da Medicina Baseada em Evidências, e não apenas com o discurso retórico da urgência.

6. Cumprimento de decisões, PMVG e vedação de repasse direto ao jurisdicionado

Outro eixo de insegurança prática que o Guia procura enfrentar diz respeito ao cumprimento das decisões que determinam o fornecimento de medicamentos, especialmente quanto à forma de compra, ao valor a ser pago e à possibilidade de repasse de numerário ao paciente.

A orientação é no sentido de que a liquidação da obrigação deve observar o Preço Máximo de Venda ao Governo, tal como definido pela CMED, com aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço e busca do menor valor possível dentro dos parâmetros da regulação setorial. A compra deve ser realizada pelo ente público responsável, seja diretamente, seja por meio de mecanismos de aquisição centralizada ou consórcios, e a entrega deve ser comprovada por documentação idônea.

O Guia é explícito em desaconselhar, como regra, o repasse direto de dinheiro ao jurisdicionado para que este adquira o medicamento por conta própria.

Tal prática fragiliza o controle de gastos públicos, dificulta a comprovação da correta aplicação dos recursos e pode gerar assimetrias relevantes entre preços praticados em compras governamentais e valores cobrados no varejo.

Em casos excepcionais, nos quais não seja viável operacionalmente a aquisição pelo ente público em tempo compatível com a necessidade terapêutica, caberá ao Judiciário voltar-se diretamente ao fornecedor, sem ultrapassar, contudo, o teto estabelecido pelo PMVG.

7. Segurança jurídica, redução de litigiosidade e transição de modelo

À luz das considerações expostas, o “Guia prático para os Temas 6 e 1234” pode ser visto como peça-chave de segurança jurídica na judicialização da saúde.

Ao padronizar fluxos de competência, definir com precisão a repartição de responsabilidades entre os entes federativos, explicitar critérios probatórios mínimos e disciplinar o modo de cumprimento das decisões, o documento reduz o espaço para soluções improvisadas e para decisões que, embora bem-intencionadas, geram efeitos indesejados sobre a sustentabilidade do sistema.

A existência de um roteiro comum, partilhado por magistrados, advogados, gestores públicos e órgãos técnicos, contribui também para a redução da litigiosidade desnecessária. Ações ajuizadas contra entes sabidamente incompetentes ou não responsáveis pelo custeio tendem a diminuir, assim como pedidos formulados de maneira genérica, sem atenção às exigências do Tema 6.

Ao mesmo tempo, as pessoas efetivamente elegíveis para tratamentos de alto custo ganham em previsibilidade, pois passam a contar com critérios transparentes de análise e com um ambiente institucional que valoriza a prova qualificada e a racionalidade técnica.

Essa experiência ilustra, ainda, a já mencionada transição de modelo no direito brasileiro. A conjugação de precedentes de repercussão geral, súmulas vinculantes, acordos interfederativos homologados e guias interpretativos do CNJ aproxima o sistema de uma lógica em que a jurisprudência e os atos normativos secundários, interpretados em conjunto, cumprem função estruturante. Não se trata de abandonar a tradição de civil law, baseada em códigos e leis em sentido estrito, mas de reconhecer que o conteúdo efetivo do direito à saúde é hoje construído em um ecossistema complexo de decisões paradigmáticas, compromissos institucionais e instrumentos de soft law, em diálogo constante com evidências científicas e com as restrições orçamentárias do sistema.

8. Considerações finais

A judicialização da saúde é um fenômeno que não será revertido e, em alguma medida, cumpre papel importante na proteção de direitos fundamentais e na correção de omissões estatais.

O desafio, porém, consiste em transformar esse contencioso massivo em oportunidade de aperfeiçoamento da política pública, em vez de permitir que ele se converta em fator de desorganização e desigualdade.

Os Temas 6 e 1.234 da repercussão geral, as Súmulas Vinculantes 60 e 61 e o “Guia prático para os Temas 6 e 1234” apontam precisamente nessa direção. Ao exigir prova qualificada, ao organizar a repartição de responsabilidades, ao valorizar a atuação técnica dos NAT-Jus e ao disciplinar o cumprimento das decisões, o sistema jurídico brasileiro ensaia uma resposta sofisticada a um problema complexo, sem perder de vista a centralidade do paciente e a necessidade de sustentabilidade do SUS.

Para a magistratura, o Guia oferece um roteiro de fundamentação que diminui o risco de nulidades e reforça a integridade dos precedentes. Para a advocacia, indica a urgência de um novo modo de litigar em saúde, baseado em evidências, em compreensão dos fluxos administrativos e em respeito às balizas de competência e custeio. Para os jurisdicionados, por fim, representa a promessa de um ambiente mais previsível e igualitário, em que o acesso a medicamentos é decidido com transparência, racionalidade e respeito à dignidade humana.

Se a judicialização da saúde veio para ficar, instrumentos como o Guia do CNJ mostram que é possível ir além da lógica do “caso difícil” tratado de maneira improvisada e caminhar para um modelo de “caso bem estruturado”, em que as escolhas judiciais se apoiam em critérios objetivos, cooperação federativa e responsabilidade compartilhada.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Guia prático para os Temas 6 e 1234: fluxos para apreciação de concessão de medicamentos em face do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: CNJ, 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 566.471/RS. Rel. Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno, Brasília, DF, j. 22 maio 2019. (Tema 6 da repercussão geral).

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 1.366.243/SC. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Tribunal Pleno, Brasília, DF, j. 17 abr. 2024. (Tema 1.234 da repercussão geral).

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 60, de 26 de fevereiro de 2024. Dispõe sobre a observância dos acordos interfederativos homologados no Tema 1.234 da repercussão geral. Brasília, DF, 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 61, de 26 de fevereiro de 2024. Dispõe sobre a concessão judicial de medicamentos registrados na Anvisa e não incorporados ao SUS. Brasília, DF, 2024.

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1990.

BRASIL. Decreto n. 7.646, de 21 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – Conitec, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 dez. 2011.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação n. 146, de 28 de novembro de 2023. Dispõe sobre medidas para aprimorar os procedimentos judiciais relacionados à assistência à saúde. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 30 nov. 2023.

BRASIL. Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Resolução CMED n. 3, de 2 de março de 2011. Dispõe sobre o Preço Máximo de Venda ao Governo – PMVG e o Coeficiente de Adequação de Preço – CAP. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 mar. 2011.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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