Autor: Ademarcos Almeida Porto
RESUMO
O artigo examina, em linguagem simples, a “causalidade psíquica” e o nexo de causalidade em casos de responsabilidade civil por danos decorrentes de influência psicológica. Parte-se da obra de Cícero Dantas Bisneto (Causalidade psíquica: nexo de causalidade e responsabilidade civil pelos danos causados por influência psicológica) e dialoga-se com doutrina e pesquisas recentes sobre responsabilidade civil, influenciadores digitais, pirâmides financeiras e fake news.(Academia)
Destacam-se três campos sensíveis: (a) práticas religiosas que levam fiéis a dispor de seu patrimônio sob promessas de prosperidade; (b) esquemas de pirâmide financeira e ofertas milagrosas de investimento; (c) atuação de influenciadores e propagadores de desinformação, em especial durante a pandemia de Covid-19. A partir de fundamentos antropológicos, mostra-se que o ser humano é altamente sugestionável, sobretudo em contextos de medo, vulnerabilidade econômica ou pertença a grupos com forte autoridade simbólica.
No plano jurídico, o trabalho discute limites das teorias tradicionais de causalidade (dano direto e imediato e causalidade adequada) e apresenta a proposta de Bisneto de tratar o problema como questão de “imputação jurídica da causa” em cadeias de influência psíquica.(Academia) São analisadas decisões paradigmáticas do STJ e de tribunais estaduais em matéria de “mercado da fé”, pirâmides financeiras, responsabilidade de influenciadores e fake news.(Superior Tribunal de Justiça)
Conclui-se que a responsabilidade civil por influência psicológica é expressão de uma sociedade hiperconectada, marcada por aprendizagem superficial e decisões impulsivas, exigindo do Direito filtros rigorosos de nexo causal para proteger as vítimas sem transformar todo convencimento em ilícito civil.
Palavras-chave: causalidade psíquica; responsabilidade civil; influenciadores digitais; pirâmide financeira; fake news.
ABSTRACT
(Sugestão sucinta para ABNT)
This paper explores “psychic causation” and causation in tort law in cases of psychological influence. It is based on Cícero Dantas Bisneto’s work and on recent Brazilian scholarship and case law on digital influencers, financial pyramids and fake news. It discusses why society and Law should care about harms produced by persuasive speech and symbolic authority, especially in religious contexts, fraudulent investments and social media. It argues that civil liability in such cases depends on a careful normative selection of causes in complex chains of influence, so as to protect vulnerable victims without over-extending liability to any mere attempt to persuade.
Keywords: psychic causation; civil liability; digital influencers; financial pyramids; fake news.
1. Introdução
O ponto de partida é simples: muitas pessoas sofrem danos graves não porque alguém lhes bateu ou quebrou um bem, mas porque acreditaram em discursos persuasivos.
Um pastor promete prosperidade em troca de doações.
Um “guru” financeiro promete ganhos impossíveis.
Um influenciador minimiza a gravidade de uma doença e convence seguidores a ignorar vacinas ou tratamentos.
Nesses casos, o dano não surge de um contato físico direto. Surge de uma influência psicológica que leva a vítima a agir contra o próprio interesse.
A pergunta central é: até onde vai a responsabilidade civil de quem influencia?
E, ligado a isso, como estabelecer o nexo de causalidade quando a própria vítima também atua, toma decisões e, às vezes, ignora alertas?
A obra de Cícero Dantas Bisneto se dedica justamente a esse problema: quando uma conduta de influência psicológica pode ser tratada como “causa jurídica” de um dano, a ponto de gerar dever de indenizar.(Academia)
2. Conceitos básicos: dano psíquico, causalidade psíquica e responsabilidade civil
2.1. Dano psíquico e dano por influência psicológica
No dia a dia, chamamos de dano psíquico o sofrimento mental relevante: depressão, ansiedade, pânico, vergonha extrema, sensação de fracasso ou culpa, entre outros.
No Direito, fala-se em dano moral, dano existencial ou dano à saúde psíquica. O importante é que se trata de um prejuízo real à esfera íntima da pessoa, ainda que não visível no corpo.
Cícero Dantas Bisneto trabalha com a ideia de danos causados por influência psicológica: situações em que a conduta de alguém:
estimula, facilita ou reforça o comportamento de outrem;
e, a partir desse comportamento incentivado, surge o dano material ou psíquico.(Academia)
Exemplo simples: o pastor que cria clima de medo espiritual e faz o fiel vender bens essenciais, sob ameaça de maldição ou fracasso.
2.2. Causalidade psíquica
“Causalidade psíquica” é a expressão usada para indicar que:
a causa do dano passa pela mente da vítima ou de um terceiro;
isto é, a conduta do agente gera motivações, crenças e decisões que levam ao dano.
Não é uma causa “física”, como empurrar alguém da escada. É uma causa mediada pelo psiquismo:
alguém fala, promete, ameaça, manipula;
a vítima acredita, sente medo, esperança, culpa;
com base nesses estados psíquicos, ela age, e daí nasce o dano.
Bisneto lembra que as teorias tradicionais de causalidade (dano direto e imediato, causalidade adequada) foram pensadas para acidentes típicos: colisão de carros, erro médico, queda de objeto. Elas não lidam bem com cadeias complexas de influência mental.(Academia)
Por isso, ele defende a necessidade de critérios específicos de imputação jurídica para a causalidade psíquica, escolhendo, entre várias influências, quais serão juridicamente relevantes.
2.3. Nexo de causalidade e responsabilidade civil
No direito brasileiro, para existir responsabilidade civil precisamos, em regra:
uma conduta (ação ou omissão);
um dano (material, moral, existencial);
um nexo de causalidade entre conduta e dano;
e, conforme o caso, culpa ou risco (responsabilidade objetiva).
O nexo de causalidade é o fio que liga a conduta ao resultado.
No plano jurídico, ele não é apenas uma questão de física ou psicologia. É uma escolha normativa: entre várias condições que contribuíram para o dano, o Direito seleciona aquelas pelas quais vale a pena responsabilizar alguém.(Academia)
Assim, responsabilidade civil por influência psicológica só surge quando:
a conduta tem potencial de influenciar significativamente;
a vítima é vulnerável ou está em situação assimétrica (fiel frente ao pastor, consumidor frente ao “especialista”, seguidor frente ao influenciador);
o dano é previsível e típico daquele tipo de conduta;
há excesso ou abuso: promessa milagrosa, informação falsa, omissão de riscos relevantes, manipulação da fé ou do medo.
3. Olhar antropológico: por que a sociedade se preocupa com a influência psíquica?
A antropologia parte de um dado simples: o ser humano é um animal simbólico e relacional. Ele organiza sua vida por meio de significados, crenças e narrativas.
Isso tem algumas consequências:
-
Carisma e autoridade simbólica
Líderes religiosos, políticos e celebridades ocupam posições de prestígio.
O seguidor tende a confiar nesses agentes mais do que em fontes neutras.
Pierre Bourdieu fala em “poder simbólico”: a capacidade de definir o que é verdadeiro, legítimo e valioso para um grupo.(portaldeperiodicos.idp.edu.br)
-
Vulnerabilidade em tempos de crise
Em contextos de crise econômica ou sanitária (como a Covid-19), cresce a procura por “respostas simples para problemas complexos”.
A promessa de prosperidade rápida ou de cura milagrosa encontra terreno fértil.
-
Aprendizagem superficial e cultura do atalho
A internet favorece uma aprendizagem pragmática, fragmentada, com pouco aprofundamento.
Muitos se informam por memes, vídeos curtos, stories de influenciadores.
Fica mais fácil “aprender sem pensar”, apenas copiando comportamentos.
-
Efeito de grupo e bolhas de informação
Grupos religiosos, comunidades on-line e bolhas políticas reforçam crenças internas.
-
Quem pensa diferente é visto como inimigo, “vendido” ou “sem fé”.
A pressão de grupo reduz a capacidade crítica individual.
Nesse cenário, não surpreende que:
fiéis entreguem patrimônio acreditando em “campanhas de fé”;
pessoas invistam em pirâmides financeiras achando que é oportunidade única;
seguidores adotem condutas de risco baseados em fake news de figuras que consideram confiáveis.
O Direito reage a isso não para proibir a fé, a persuasão ou a livre opinião, mas para controlar os abusos que exploram a vulnerabilidade psíquica e produzem danos graves.
4. Fundamentos jurídicos e a contribuição de Cícero Dantas Bisneto
4.1. Limites das teorias causais clássicas
No direito civil brasileiro, duas teorias costumam ser lembradas:
Teoria do dano direto e imediato (Cassazione italiana, parte de nossa doutrina): só se repara o dano que seja efeito direto e imediato da conduta.
Teoria da causalidade adequada: causa é o antecedente que, segundo a experiência, era adequado a produzir o resultado.
Em casos de influência psíquica, porém, essas teorias mostram limites:
a cadeia de eventos é longa (discurso → crença → decisão → ato → dano);
há autonomia relativa da vítima;
existem outras influências paralelas (família, mídia, histórico pessoal).
Se aplicarmos a ideia de “dano direto e imediato” de forma rígida, poderíamos dizer que:
a causa direta do dano patrimonial é o ato de vender o bem ou transferir o dinheiro, praticado pela própria vítima;
o discurso do pastor ou do influenciador seria apenas “antecedente remoto”.
Isso, na prática, blindaria qualquer responsabilidade por manipulação psicológica. É justamente o problema que Bisneto tenta enfrentar.
4.2. A proposta de Bisneto: causalidade psíquica como questão de imputação
Cícero Dantas Bisneto propõe deslocar o foco da pergunta:
em vez de indagar apenas “quem fisicamente praticou o ato?”, pergunta-se:
Quem criou, de forma relevante e típica, a situação psicológica que levou ao dano?(Academia)
Alguns pontos centrais da obra (em síntese acessível):
Ato de influência: não basta aconselhar; é preciso que haja pressão, manipulação, ocultação de riscos ou uso abusivo da posição de autoridade.
Típico risco psíquico: o tipo de conduta deve ser, em regra, apto a gerar aquele tipo de dano (por exemplo, campanhas de investimento com promessa de lucro certo e rápido, dirigidas a leigos).
Vítima vulnerável: fiéis em situação de desespero econômico, consumidores leigos, seguidores que atribuem confiança elevada à fonte.
-
Previsibilidade: não é necessário prever o caso concreto, mas é razoável exigir que o agente soubesse ou devesse saber que sua influência poderia levar à ruína financeira ou abalo psíquico grave.
Bisneto trabalha com a ideia de imputação causal normativa: a pergunta não é só se a conduta contribuiu faticamente, mas se, à luz dos valores do sistema (dignidade da pessoa humana, boa-fé, proteção do vulnerável), o resultado deve ser juridicamente imputado a quem influenciou.(Academia)
4.3. Diálogo com outros autores
A discussão conecta-se a uma literatura mais ampla sobre nexo causal e responsabilidade civil:
Cesar Santolim e Eduardo Nunes de Souza destacam que a escolha da causa é uma opção normativa, relacionada também à função preventiva da responsabilidade civil.(Academia)
Artur Carpes se dedica à prova do nexo causal, mostrando a dificuldade em contextos de doenças e danos multifatoriais – algo parecido com os danos psíquicos em cadeias de influência.(Academia)
Autores de responsabilidade civil clássica (Gonçalves, Rizzardo, Tartuce, Miragem) enfatizam a proteção dos vulneráveis e a necessidade de controlar a publicidade e a informação enganosa, especialmente nas relações de consumo.(portaldeperiodicos.idp.edu.br)
A literatura específica sobre influenciadores digitais trata o influencer como potencial “fornecedor” ou partícipe da cadeia de consumo, sujeito a deveres de informação e lealdade.(Revistas Icesp)
Há divergências importantes:
parte da doutrina é cautelosa e teme um “alargamento excessivo” da responsabilidade, que puniria qualquer discurso persuasivo;
outra parte, próxima à perspectiva de Bisneto, entende que, em uma sociedade de hiperexposição e consumo de informação, a responsabilidade por influência psicológica é condição para proteção efetiva da pessoa humana.
5. Por que o nexo de causalidade é tão importante nesses casos?
5.1. Evitar dois extremos
Identificar o nexo causal em danos psíquicos por influência psicológica é delicado porque o Direito precisa evitar dois extremos:
Extremo 1 – Paternalismo total: responsabilizar qualquer pessoa que influencie outra, eliminando a autonomia da vítima.
Extremo 2 – “Cada um por si”: tratar toda decisão como escolha isolada, ignorando manipulações e abusos de poder simbólico.
O nexo de causalidade é o filtro que tenta manter equilíbrio:
protege a liberdade de expressão, de pregar, aconselhar e opinar;
mas responsabiliza quem cruza a linha e explora vulnerabilidades de forma consciente e lucrativa.
5.2. Situações típicas em que surge a responsabilidade civil
De modo simples, a responsabilidade civil por influência psicológica tende a ser reconhecida quando se combinam:
-
posição de autoridade ou assimetria relevante (pastor, líder de igreja, “especialista financeiro”, influenciador de milhões de seguidores);
discurso enganoso, abusivo ou coativo (promessa de riqueza em troca de doação; garantia de lucro certo; negação irresponsável de riscos sanitários);
vítima vulnerável (endividada, doente, desinformada);
dano grave e previsível (ruína financeira, adoecimento psíquico, morte de familiar por recusa de vacina, por exemplo).
A prova do nexo causal exigirá análise cuidadosa:
conteúdo das mensagens e sermões;
repetição e intensidade da influência;
contexto social e emocional da vítima;
presença ou não de outras causas relevantes e independentes.
6. Causalidade psíquica na esfera religiosa: “mercado da fé” e teologia da prosperidade
6.1. Liberdade religiosa x abuso da fé
A Constituição garante a liberdade de crença e de culto. Doações às igrejas, em regra, são expressão lícita dessa liberdade.
O problema surge quando:
a doação não é fruto de fé livre, mas de coação moral irresistível;
a fé é usada como instrumento para pressão psicológica, sob promessa de prosperidade material ou ameaça de maldição.
O STJ, no REsp 1.455.521/RS, julgou caso emblemático em que a Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a indenizar fiel que doou bens e vendeu patrimônio (carro, joias, eletrodomésticos) após reiteradas promessas de melhora financeira, sob pena de sofrimento espiritual.(Superior Tribunal de Justiça)
O tribunal reconheceu que:
é legítimo às igrejas receber doações;
mas, nesse caso específico, houve coação moral irresistível (art. 151 do Código Civil), pois a fiel foi pressionada sob ameaça espiritual, com forte manipulação do medo e da esperança.
Aqui, a causalidade psíquica é evidente:
os pastores construíram, sistematicamente, uma narrativa de prosperidade condicionada à doação;
a fiel internalizou essa narrativa, sentiu-se obrigada a doar sob pena de castigo;
tomou decisões graves (venda de bens essenciais);
e sofreu danos materiais e morais.
O STJ entendeu que o discurso religioso, quando ultrapassa a livre pregação e se converte em mecanismo de exploração patrimonial, pode gerar responsabilidade civil.
6.2. Exemplo prático simplificado
Uma fiel, em situação de aperto financeiro, passa a frequentar igreja em que o pastor prega que “quem der tudo no altar terá vida financeira restaurada”.
Ela vende o carro que usa para trabalhar, doa quase todo o valor.
A situação piora. Ela entra em depressão e endividamento.
Se ficar provado que:
o discurso era repetitivo, incisivo e dirigido a pessoas em desespero;
havia pressão e promessa de resultado financeiro concreto;
-
os líderes tinham consciência da vulnerabilidade do grupo;
pode-se reconhecer o nexo causal psíquico entre o abuso da fé e a ruína da fiel, gerando responsabilidade civil da igreja.
7. Pirâmides financeiras e causação psíquica: o “projeto de ruína”
7.1. Como os tribunais vêm tratando as pirâmides
O STJ consolidou uma jurisprudência importante sobre pirâmides financeiras. Em decisão paradigmática (CC 146.153), a Corte definiu que esquemas de pirâmide se enquadram, em regra, como crime contra a economia popular (art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951), e não como crime contra o sistema financeiro.(Superior Tribunal de Justiça)
Nessa e em outras decisões (RHC 132.655, HC 293.052, HC 464.608, CC 170.392), o STJ descreve as pirâmides como:
sistemas que prometem ganhos cujo pagamento depende da entrada de novos investidores;
esquemas que “vendem sonhos” com marketing agressivo, ostentação de luxo e falsa aparência de negócio sério;
estruturas pensadas para beneficiar os idealizadores, em detrimento dos demais.(Superior Tribunal de Justiça)
Do ponto de vista da causalidade psíquica, chama atenção:
o apelo à ganância e ao medo de “ficar para trás”;
o uso de grupos de WhatsApp, lives, eventos motivacionais;
a criação de expectativa irreal, de “enriquecimento rápido e seguro”.
Mesmo que muitas decisões tratem da esfera penal, o raciocínio se estende à responsabilidade civil:
os organizadores criam um ambiente de indução em erro em massa;
exploram a vulnerabilidade informacional dos investidores;
a ruína financeira e o abalo psíquico são efeitos previsíveis desse modelo.
7.2. Exemplo prático simplificado
Uma empresa de “investimentos em criptomoedas” promete retorno fixo de 50% ao mês.
Influenciadores contratados exibem carros de luxo, viagens e depoimentos de “clientes”.
Um aposentado aplica suas reservas, confiante na aparente seriedade.
O esquema colapsa; ele perde tudo e desenvolve quadro depressivo.
Aqui há, em linha geral:
ilícito penal (crime contra a economia popular, estelionato ou ambos, dependendo do caso);
ilícito civil (propaganda enganosa, violação da boa-fé, abuso da confiança);
e uma clara cadeia de causalidade psíquica: o discurso enganoso leva a uma decisão econômica irracional, culminando em dano patrimonial e psíquico.
8. Influenciadores digitais, responsabilidade civil e danos psíquicos
8.1. O papel dos influenciadores no ecossistema informacional
Estudos recentes destacam que o influenciador digital ocupa posição híbrida:
é, ao mesmo tempo, pessoa física, marca e meio de comunicação;
-
influencia não só consumo, mas valores, hábitos, visão de mundo.(Revistas Icesp)
A doutrina aponta que, em muitas situações, ele deve ser tratado como fornecedor ou, pelo menos, como partícipe da cadeia de consumo:
assume dever de informação clara, adequada e verdadeira;
não pode recomendar produtos ou investimentos de alto risco como se fossem seguros;
responde, ao menos solidariamente, por danos causados por publicidade enganosa que ele ajuda a difundir.
8.2. Doutrina e trabalhos acadêmicos
Artigos científicos e TCCs sobre responsabilidade de influenciadores convergem em alguns pontos:
há forte vulnerabilidade dos seguidores, especialmente crianças, adolescentes e consumidores hipossuficientes;(portaldeperiodicos.idp.edu.br)
o influenciador se beneficia economicamente da confiança que constrói;
por isso, deve assumir parte do risco de danos causados por recomendações irresponsáveis, especialmente em áreas sensíveis (finanças, saúde, apostas e jogos de azar).(Revistas Icesp)
8.3. Jurisprudência sobre influenciadores
Os tribunais começam a enfrentar casos concretos envolvendo influenciadores:
TJSP noticiou decisão em que influenciador foi condenado a indenizar mulher exposta em vídeo vexatório, com reparação por dano moral e ordem de retirada do conteúdo.(TJSP)
TJDFT divulgou caso em que influenciador foi condenado por ofensas à imagem de professora em redes sociais, com milhares de visualizações, reconhecendo a gravidade do dano à honra e à reputação profissional.(TJDFT)
Em decisões sobre propaganda enganosa, tribunais estaduais vêm admitindo a responsabilidade de influenciadores que se apresentam como sócios ou representantes de empresas e prometem ganhos irreais, especialmente em jogos de azar e apostas, com base no art. 37 do CDC.(Estratégia Carreira Jurídica)
Do ponto de vista da causalidade psíquica:
o influenciador não obriga fisicamente ninguém a comprar ou investir;
mas constrói confiança, cria sensação de intimidade e de “amizade”;
quando abusa dessa confiança, sua influência pode ser considerada causa jurídica do dano.
8.4. Exemplo prático em linguagem simples
Um influenciador de finanças, sem formação técnica, garante em seus vídeos que certo “robô de operações” gera lucro fixo de 3% ao dia, “sem risco”.
Vários seguidores, confiando nele, investem todas as reservas.
O sistema é, na prática, uma pirâmide ou um esquema altamente especulativo; muitos perdem tudo.
O influenciador:
lucra com comissões por indicação;
omite os riscos;
utiliza sua autoridade simbólica para pressionar seguidores.
Há, aqui, fortes elementos para se reconhecer responsabilidade civil por influência psicológica, no mínimo solidária com a plataforma golpista, por violação do dever de informação e abuso da confiança.
9. Fake news, negacionismo e danos psíquicos na pandemia de Covid-19
9.1. Fake news como abuso da liberdade de expressão
O TJDFT sistematizou jurisprudência sobre fake news em tema de dano moral. O tribunal afirma que notícias falsas, agressivas e de ódio, desde que comprovadas como tais, configuram abuso da liberdade de expressão e geram dever de indenizar.(TJDFT)
Em acórdão paradigmático, o Tribunal destacou que:
“liberdade de expressão não é liberdade de agressão”;
fake news são comparadas, em nocividade social, ao próprio vírus da Covid-19;
o Poder Judiciário tem dever de identificar e punir a criação e a difusão de notícias falsas.
O STJ, no AREsp 2.027.149/RS, condenou responsável por postagem em rede social em que se divulgou montagem falsa, associando imagem de pessoa pública à frase “Jesus Travesti”, com mensagens ofensivas. A Corte considerou configurado o dano moral e fixou indenização em valor significativo, ressaltando o potencial de amplificação do ódio nas redes.(TJDFT)
9.2. Negacionismo na pandemia e danos de influência psicológica
Durante a pandemia de Covid-19, proliferaram:
discursos minimizando a gravidade da doença;
fake news sobre vacinas, tratamentos “milagrosos” e teorias conspiratórias;
influenciadores e autoridades desacreditando ciência e órgãos oficiais.
Do ponto de vista da causalidade psíquica:
esses discursos criaram, em muitas pessoas, falsa sensação de segurança;
levaram à recusa de vacinas, abandono de máscaras e aglomerações;
contribuíram para mortes evitáveis, lutos traumáticos e abalos psíquicos profundos.
A discussão sobre responsabilidade civil nesses casos é complexa:
é preciso diferenciar opiniões, ainda que equivocadas, de afirmações factuais falsas apresentadas como ciência;
também é preciso avaliar o grau de influência do autor (autoridade política ou sanitária x cidadão comum).
A proposta de Bisneto é útil aqui: ele inclui, entre os exemplos de causalidade psíquica, a responsabilidade de autoridades e médicos na pandemia quando sua atuação induz à prática de condutas arriscadas (como recusa de vacina), gerando morte ou adoecimento grave.(Academia)
10. O crescimento desse tipo de dano e a cultura do pensar pouco
O aumento de casos de dano por influência psicológica está ligado a transformações culturais:
hiperconectividade: todos estão on-line, o tempo todo;
inflação de opiniões: qualquer pessoa pode parecer “especialista” com alguns vídeos bem produzidos;
-
aprendizagem pragmática: aprende-se “como fazer” sem entender o porquê, sem leitura profunda;
sistemática de algoritmos: plataformas premiam conteúdos emocionais, polarizados, simples.
Tudo isso favorece uma forma de pensar mais impulsiva, baseada em:
atalhos mentais;
identificação com o grupo;
recusa à complexidade.
Nesse contexto, a responsabilidade dos influenciadores e líderes de opinião é gigantesca:
eles não falam apenas para indivíduos isolados, mas para massas vulneráveis;
o impacto de uma fake news, de uma recomendação financeira irresponsável ou de um discurso religioso manipulador é multiplicado.
O Direito reage a essa realidade em duas frentes:
Repressiva: reconhecendo o dever de indenizar em casos de abuso concreto.
Preventiva: sinalizando que quem lucra com influência deve também assumir a responsabilidade pelos danos previsíveis que sua influência pode causar.
11. Conclusões
O percurso feito permite algumas conclusões didáticas.
Causalidade psíquica designa situações em que a causa do dano passa pela mente: alguém incentiva, manipula ou informa de modo enganoso; a vítima, convencida, age e sofre o dano.
As teorias causais tradicionais não dão, sozinhas, conta desses casos. Por isso, a proposta de Cícero Dantas Bisneto, centrada na imputação jurídica da causa, é relevante: seleciona-se como causa juridicamente relevante quem cria, de modo abusivo e previsível, o contexto psíquico que conduz ao dano.(Academia)
A perspectiva antropológica mostra que a vulnerabilidade à influência é estrutural: somos seres simbólicos, dependentes de narrativas, grupos e autoridades. Em tempos de crise e hiperconectividade, essa vulnerabilidade se agrava.
-
Os tribunais brasileiros já vêm reconhecendo, em situações concretas, a responsabilidade por influência psicológica:
igrejas que exploram o “mercado da fé” com coação moral irresistível;(Superior Tribunal de Justiça)
organizadores de pirâmides financeiras que vendem sonhos de riqueza fácil;(Superior Tribunal de Justiça)
influenciadores digitais que praticam ofensas, propaganda enganosa ou se associam a esquemas arriscados;(TJSP)
propagadores de fake news, inclusive com conteúdo político e sanitário, com grave abalo à honra e à confiança pública.(TJDFT)
A chave, em todos esses casos, é o nexo de causalidade: é preciso demonstrar que a influência foi relevante, típica e previsível para o dano, sem transformar qualquer tentativa de convencimento em ilícito civil.
Em síntese, a responsabilidade civil por influência psicológica é uma resposta jurídica a uma sociedade em que:
muitos creem e aprendem sem aprofundar;
-
decisões graves são tomadas com base em conhecimento superficial;
e alguns, cientes disso, exploram essa fragilidade para lucro próprio.
Ao estabelecer critérios claros de causalidade psíquica, o Direito não mata a liberdade de expressão nem a liberdade religiosa. Apenas reforça um recado simples: quem fala para influenciar e lucrar precisa responder pelas consequências previsíveis de sua fala, sobretudo quando atinge pessoas vulneráveis.
12. Notas de rodapé – jurisprudência (links sugeridos)
(Para uso em notas de rodapé no Word, conforme ABNT. Aqui listadas como sugestão.)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.455.521/RS. 3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. 28 fev. 2018. “Igreja que coagiu fiel a doar bens deverá pagar indenização de R$ 20 mil”. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-02-28_14-28_Igreja-que-coagiu-fiel-a-doar-bens-devera-pagar-indenizacao-de-R-20-mil.aspx. Acesso em: [data de acesso].(Superior Tribunal de Justiça)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC 146.153/SP. 3ª Seção. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Julg. 2015. Fundamentação sobre pirâmides financeiras e crime contra a economia popular. Síntese em: “Os quatro lados de um projeto de ruína: as pirâmides financeiras segundo a jurisprudência do STJ”. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/18092022-Os-quatro-lados-de-um-projeto-de-ruina-as-piramides-financeiras-segundo-a-jurisprudencia-do-STJ.aspx. Acesso em: [data].(Superior Tribunal de Justiça)
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 132.655/RJ; HC 293.052/SP; HC 464.608/PR; CC 170.392/SC. Decisões sobre pirâmides financeiras, estelionato e crimes contra a economia popular. Síntese em notícia do STJ supra.(Superior Tribunal de Justiça)
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 1.652.372, proc. 0738451-83.2020.8.07.0001, Rel. Des. Diaulas Costa Ribeiro, 8ª Turma Cível, j. 15 dez. 2022, DJe 25 jan. 2023. Tema “Limites à liberdade de expressão – fake news”. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/dano-moral-no-tjdft/responsabilidade-civil/limites-da-liberdade-de-expressao-com-destaque-a-questao-politica. Acesso em: [data].(TJDFT)
-
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 2.027.149/RS. Rel. Min. [atual relator], j. 2022. Caso de fake news e montagem de imagem em rede social (“Jesus Travesti”). Referido em: TJDFT, tema “Limites à liberdade de expressão – fake news”. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/dano-moral-no-tjdft/responsabilidade-civil/limites-da-liberdade-de-expressao-com-destaque-a-questao-politica. Acesso em: [data].(TJDFT)
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro. “Influenciador digital indenizará mulher por expô-la em vídeo vexatório”. Notícia de 18 ago. 2025. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=109969. Acesso em: [data].(TJSP)
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 4ª Vara Cível de Brasília. “Justiça condena influenciador digital por danos morais em redes sociais”. Notícia de 14 ago. 2024. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2024/agosto/justica-condena-influenciador-digital-por-danos-morais-em-caso-de-ofensa-publica-nas-redes-sociais. Acesso em: [data].(TJDFT)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0708.10.003792-6/001, Rel. Desa. Aparecida Grossi, 12ª Câmara Cível, j. 21 ago. 2020. Propaganda enganosa em contexto de concursos e prêmios. Citação em: “Responsabilidade civil de influenciadores digitais por jogos de azar”. Disponível em: https://cj.estrategia.com/portal/responsabilidade-civil-influenciadores-jogos-azar/. Acesso em: [data].(Estratégia Carreira Jurídica)
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Série de acórdãos sobre fake news citados no tema “Limites à liberdade de expressão – fake news” (Acórdãos 1.332.118, 1.304.779, 1.300.429, 1.269.103, 1.332.892). Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/dano-moral-no-tjdft/responsabilidade-civil/limites-da-liberdade-de-expressao-com-destaque-a-questao-politica. Acesso em: [data].(TJDFT)
13. Referências
BISNETO, Cícero Dantas. Causalidade psíquica: nexo de causalidade e responsabilidade civil pelos danos causados por influência psicológica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2024.(BDJur)
CARPES, Artur. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil. [S.l.]: 2016.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.(UNIFAN)
MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.(Projeto SABER)
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.(Projeto SABER)
SANTOLIM, Cesar. Nexo de causalidade e prevenção na responsabilidade civil. 2014.(Academia)
TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.(Projeto SABER)
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VINK, Ana Elisa. A responsabilidade civil do influencer digital. Revista Real, 2024.(Revistas Icesp)
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FERREIRA, M. G. A (ir)responsabilidade civil dos influenciadores digitais por publicidade enganosa. CSA em Revista, [s.l.].(Projeto SABER)
(Você pode complementar com outras referências que já utiliza em família, responsabilidade civil e teoria do nexo.)