Apontando doutrinadores e julgados recentes.
Por Alexsandro Marins Moraes.
I. Conceito de prova ilícita por derivação
A “prova ilícita por derivação” refere-se a prova que, apesar de formalmente lícita (ou aparentar sê-lo), foi obtida graças a uma prova originária que violou normas legais ou constitucionais — e, por isso, está contaminada.
A base normativa no ordenamento brasileiro está no artigo 157 do Código de Processo Penal (CPP). Em seu § 1º, prevê que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas…” (Superior Tribunal de Justiça)
Portanto, não se trata apenas de excluir a prova originária ilícita, mas também de estender a inadmissibilidade às provas “derivadas” ou “dependentes” dessa ilicitude. (Repositório UFSC)
Essa configuração busca evitar que o Estado beneficie-se da própria ilicitude para construir uma “árvore de provas”: se a raiz está viciada, todos os ramos dela devem ser extirpados.
II. Teoria da “árvore podre” / “árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree)
A expressão “árvore envenenada” (“fruits of the poisonous tree”) vem do direito norte-americano. A ideia metafórica é: se a árvore está envenenada, seus frutos não podem ser bons (?)
Aplicando ao processo penal, significa que toda prova derivada de uma prova originária obtida ilicitamente está contaminada pela ilicitude e, portanto, deve ser desentranhada/do processo. (Revista FT)
A adoção dessa teoria no âmbito brasileiro está consolidada, sobretudo a partir da reforma trazida pela Lei 11.690/2008, que alterou o CPP para explicitar a inadmissibilidade das “provas derivadas das ilícitas”.
A teoria revela a função garantista do processo penal: impedir que violações de direitos e garantias (e.g. domicílio, sigilo, integridade física) sirvam de base para produção probatória.
III. Exceções e relativizações admitidas (doutrina e jurisprudência)
Embora a regra seja a inadmissibilidade das provas derivadas, o ordenamento e a jurisprudência admitem exceções quando certas condições forem atendidas — o que relativiza o caráter absoluto da “árvore envenenada”. Isso demonstra uma tensão entre o garantismo processual e o interesse de não tornar irreversível toda persecução penal a partir de um vício. Entre as principais exceções:
Teoria da fonte independente (independent source exception) — admite-se a prova derivada se esta tiver origem autônoma, independente da prova ilícita, ou seja, se poderia ter sido obtida por meios lícitos distintos. (Superior Tribunal de Justiça)
Teoria da descoberta inevitável (inevitable discovery exception) — admite-se a prova derivada se ficar demonstrado que, inexoravelmente, ela seria descoberta por meios lícitos no curso natural da investigação, mesmo sem a prova ilícita. (Superior Tribunal de Justiça)
A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma essas exceções, reconhecendo que a aplicação da teoria não deve ser automática e irrestrita. (Superior Tribunal de Justiça)
IV. Doutrinadores e posicionamento acadêmico.
Entre os doutrinadores que tratam da prova ilícita por derivação e da teoria dos frutos da árvore envenenada no Brasil, destacam-se:
Ada Pellegrini Grinover — clássica referência no estudo das provas ilícitas, assinalando que a contaminação da prova originária atinge as derivadas. (Instituto de Direito Real)
Luiz Francisco Torquato Avolio — analisa o conceito de prova derivada e ressalta a importância do nexo de causalidade e da necessidade de exclusão das provas contaminadas. (Revistas UNIFACS)
Há, ademais, debates doutrinários: alguns criticam a universalidade da exclusão da prova derivada, invocando a proporcionalidade ou eficiência da persecução penal; outros defendem a rigidez absolutista para preservar garantias fundamentais. (Revistas UNIFACS)
V. Julgados recentes do STJ sobre o tema
Para dar concretude, alguns exemplos recentes:
No HC 921.136/PE (2025), a Sexta Turma do STJ decidiu que, diante de busca e apreensão domiciliar declarada ilegal, todas as provas derivadas dessa conduta — eivadas pela ilicitude — são inadmissíveis, resultando na nulidade da condenação (por tráfico, lavagem etc.).
O entendimento de que “a teoria dos frutos da árvore envenenada torna inadmissíveis as provas derivadas de conduta ilícita” foi reafirmado.
Entretanto, o STJ também manteve, em outros casos, condenações mesmo diante de ilicitude originária — quando existiram fontes independentes de prova capazes de sustentar a condenação, afastando a contaminação probatória.
No REsp 1.573.910 (caso de roubo de carga), em que a prova considerada independente (reconhecimento anterior à prisão) rompeu o nexo causal com a ilegalidade inicial, aplicou-se a excepcionalidade (Superior Tribunal de Justiça)
Também se aplica a análise em casos de interceptação telefônica, busca e apreensão, reconhecimento pessoal, entre outros — confirmando que a verificação concreta do nexo causal/independência é indispensável.
VI. Limites, críticas e tensão entre garantismo e efetividade da persecução
A teoria da “árvore envenenada” protege garantias fundamentais (como inviolabilidade de domicílio, sigilo, integridade, devido processo legal).
Mas, como advertem doutrina e jurisprudência, a aplicação automática e absoluta pode levar a resultados de impunidade ou obstaculizar investigações legítimas. (Superior Tribunal de Justiça)
Por isso, o ordenamento brasileiro — e em especial a jurisprudência do STJ — admite exceções (fonte independente, descoberta inevitável) para equilibrar direitos e dever de persecução. (Superior Tribunal de Justiça)
Contudo, essa relativização precisa ser feita com cautela, exigindo demonstração clara da independência ou inevitabilidade da prova, sob pena de violação dos direitos fundamentais do investigado.
VII. Conclusão — A importância da teoria e sua aplicação atual
A noção de “prova ilícita por derivação” é essencial para assegurar que o sistema penal não legitime violações aos direitos fundamentais em nome da eficácia da persecução. A adoção da “teoria dos frutos da árvore envenenada” representa um avanço garantista no ordenamento penal brasileiro.
A consolidação normativa no art. 157 do CPP e a jurisprudência do STJ (como no HC 921.136/PE) confirmam a inadmissibilidade de provas derivadas de atos ilícitos, salvo quando demonstradas as exceções reconhecidas.
Ao mesmo tempo, a jurisprudência moderna revela que o tratamento não é absoluto: a verificação concreta do nexo causal, da independência ou da inevitabilidade torna o exame caso a caso indispensável.
Para a prática forense, isso significa que a defesa (ou acusação) deve analisar com cuidado a cadeia probatória — identificando se há contaminação, mas também se existem provas independentes capazes de legitimar ou refutar a convicção, o processo penal requer legitimidade estrita.
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