O Cadastro Ambiental Rural (CAR) se trata de registro eletrônico de caráter nacional, instituído pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), destinado à integração de informações ambientais das propriedades e posses rurais brasileiras, como extensão das propriedades, áreas de preservação permanente, reserva legal, remanescentes de vegetação nativa e áreas consolidadas em cada imóvel rural1.
Originado no contexto de reformulação da legislação florestal, o CAR representa um marco na transição de um modelo fiscalizatório para um sistema de gestão ambiental baseado em informações georreferenciadas, permitindo o mapeamento detalhado de áreas florestais.
Nos últimos anos, o CAR passou a apresentar mais que uma função cadastral, mas condição prévia para regularização ambiental de propriedades de empreendimentos. Este movimento se iniciou com Programa de Regularização Ambiental (PRA), que estabeleceu a possibilidade de regularização de posses e propriedades rurais aos institutos de preservação florestal, tendo como requisito obrigatório a inscrição do imóvel rural no CAR, nos termos do artigo 59, § 2º, do Código Florestal2.
Recentemente, em setembro de 2025, a Resolução CONAMA nº 510/20253 passou a padronizar o processo de obtenção de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV) em âmbito nacional, incluindo em sua redação o CAR como requisito para obtenção da referida autorização.
Do mesmo modo, a Lei 15.190 (Lei Geral de Licenciamento Ambiental) estabeleceu que o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes, pecuária extensiva e semi-intensiva e a pecuária intensiva de pequeno porte poderá ser dispensado de licenciamento ambiental nos casos em que o imóvel estiver regularizado, com registro no CAR homologado pelo órgão estadual competente e sem déficit de vegetação em reserva legal ou área de preservação permanente4.
Comumente, o CAR é exigido por instituições bancárias para concessão de crédito agrícola e pelos órgãos fazendários para fins de isenção de ITR (Imposto Territorial Rural) para áreas especialmente protegidas, nos termos do artigo 29, § 5º, do Código Florestal5.
A partir deste cenário, verifica-se um movimento de valorização do CAR como instrumento de implementação de políticas públicas de regularização ambiental e monitoramento da cobertura vegetal nativa, sendo ele o maior banco de dados geoespaciais sobre imóveis rurais do Brasil.
A utilização do CAR como instrumento para validação de diversos institutos ambientais demonstra que a concentração de dados em uma única plataforma permite a desburocratização de processos e a consolidação da arquitetura legal do Código Florestal, tendo o CAR como gargalo obrigatório para gestão ambiental.
Contudo, o cadastro ambiental também apresenta suas complexidades e desafios, como o déficit cadastral, dificuldade de cruzamento com outras bases de dados governamentais e a sobreposição de áreas, sendo estes percalços que decorrem de uma característica específica: a autodeclaratoriedade.
A lógica do Cadastro Ambiental Rural pressupõe que o possuidor ou proprietário apresentará as informações de seu imóvel rural por meio de adesão simplificada e autodeclaratória para posterior homologação pelo órgão ambiental.
Ocorre que, embora a autodeclaratoriedade facilite a adesão massiva ao cadastro e reduza a burocracia inicial, transfere aos órgãos ambientais o ônus de validar milhões de declarações potencialmente inconsistentes, em contexto de notória fragilidade institucional e insuficiência tecnológica. Essa característica revela uma contradição estrutural do sistema: ao mesmo tempo em que o CAR é elevado à condição de instrumento central das políticas ambientais rurais, sua efetividade depende de capacidade estatal de análise e homologação que permanece deficitária na maior parte dos estados brasileiros.
Pela ótica do proprietário, também existem desafios pela ausência de conhecimento do procedimento de análise e da expectativa do órgão no processo de homologação. Em Minas Gerais, especificamente, foi publicada, em novembro de 2025, a Resolução Conjunta Semad/Feam/IEF nº 3.390/2025 com o objetivo de garantir maior transparência e segurança jurídica neste processo.
Nesta Resolução, foi estabelecida a propriedade da análise individualizada do CAR quando o imóvel já estiver em processo de regularização, seja por meio de licenciamento ambiental, Termo de Ajustamento de Conduta ou outros processos em trâmite no âmbito estadual ou federal.
No caso de inconsistências, a norma prevê uma tolerância limite de divergência de até 5% (cinco por cento) entre a documentação apresentada e a área vetorizada na inscrição do CAR e, no caso de sobreposição, o limite de tolerância será definido de acordo com o número de módulos fiscais do imóvel rural em análise, podendo variar entre 3% (três) a 10 (dez) por cento.
Nesta hipótese, o órgão ou entidade competente poderá, independentemente de solicitação do proprietário ou possuidor, retificar informações cadastradas da propriedade ou posse quando se tratar de propriedade com área até quatro módulos fiscais, o que poderá ser objeto de discordância por parte do proprietário.
A norma em questão representa a busca por previsibilidade e segurança jurídica em matéria ambiental por meio da formalização de parâmetros objetivos para análise e homologação do CAR. Todavia, permanece o questionamento: seria a normatização de procedimentos de análise suficiente para superar as limitações estruturais do sistema autodeclaratório?
Questiona-se, ainda, se a possibilidade de retificação de ofício pelo órgão ambiental, mesmo restrita à pequenas propriedades, não transfere para o Estado responsabilidades que deveriam permanecer com o declarante, potencialmente comprometendo a natureza autodeclaratória que fundamenta todo o sistema.
A experiência mineira evidencia que a segurança jurídica no contexto do CAR transcende a mera previsibilidade procedimental, exigindo investimentos contínuos em capacitação técnica, infraestrutura tecnológica e articulação interinstitucional e, apesar da expectativa positiva decorrente da publicação da Resolução, apenas a sua operacionalização demonstrará os possíveis avanços da normalização na realidade florestal.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mai. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.︎
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mai. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.︎
CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Resolução nº 510, de 15 de setembro de 2025. Dispõe sobre critérios técnicos, condições de validade, transparência, integração e publicidade de informações relacionadas à emissão de Autorizações de Supressão de Vegetação nativa em imóveis rurais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 set. 2025. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=840Acesso em: 24 nov. 2025.︎
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BRASIL. Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025. Dispõe sobre o licenciamento ambiental; regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal; altera as Leis nºs 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e 9.985, de 18 de julho de 2000; revoga dispositivo da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 162, 8 ago. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/lei/L15190.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.︎
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 mai. 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.︎