Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inaugurou um modelo de Estado Democrático de Direito fundado, sobretudo, na soberania popular e na limitação do poder estatal. O art. 1º, parágrafo único, da Carta Magna estabelece, de forma expressa, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Tal dispositivo reafirma que o cidadão é o titular originário do poder político, cabendo às instituições estatais apenas o exercício funcional dessa autoridade.
Nesse contexto, a separação e a harmonia entre os Poderes da República — Legislativo, Executivo e Judiciário — não constituem mera formalidade institucional, mas verdadeiro mecanismo de contenção do arbítrio e de preservação da democracia constitucional.
O papel constitucional do STF e seus limites
O Supremo Tribunal Federal exerce função de extrema relevância no ordenamento jurídico brasileiro, sendo o guardião da Constituição, nos termos do art. 102 da Carta Magna. Ao longo da história constitucional, o Tribunal desempenhou papel decisivo na consolidação de direitos fundamentais e na proteção das minorias.
Entretanto, observa-se, nos últimos anos, uma ampliação significativa do espaço decisório do STF, com incursões em matérias tradicionalmente reservadas ao Poder Legislativo. Ainda que a jurisdição constitucional admita interpretações evolutivas do texto constitucional, tal atuação deve encontrar limites na própria Constituição, sob pena de enfraquecimento do princípio democrático e da separação de poderes.
O Supremo Tribunal Federal não é — e não deve ser — uma Corte política. Sua legitimidade decorre da Constituição, e não da substituição da vontade popular manifestada por meio de representantes eleitos. O ativismo judicial excessivo, especialmente quando exercido de forma monocrática, compromete a previsibilidade jurídica e afeta diretamente a segurança jurídica.
Decisões monocráticas e legitimidade democrática
As decisões monocráticas proferidas por Ministros da Suprema Corte, sobretudo quando dotadas de efeitos amplos e duração prolongada, suscitam relevantes questionamentos quanto à legitimidade democrática. Embora previstas no ordenamento jurídico, tais decisões devem ser compreendidas como medidas excepcionais, e não como regra de atuação jurisdicional.
Quando decisões individuais passam a redefinir políticas públicas, suspender atos normativos ou restringir direitos, desloca-se o centro decisório para um espaço distante do debate democrático. Isso gera um descompasso entre a vontade popular e a atuação institucional, enfraquecendo a confiança do cidadão nas estruturas do Estado.
Ética institucional e percepção de acesso à Justiça
Outro aspecto sensível diz respeito à atuação de cônjuges ou parentes de Ministros do Supremo Tribunal Federal em escritórios de advocacia que litigam perante a própria Corte. Ainda que não se identifique, em tese, afronta direta à legalidade, a situação tensiona os princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas.
O Estado Democrático de Direito não se sustenta apenas na legalidade formal, mas também na percepção social de justiça e imparcialidade. Quando o cidadão comum observa que determinados grupos econômicos detêm acesso facilitado às instâncias superiores do Judiciário, instala-se a sensação de seletividade no exercício da jurisdição constitucional, o que fragiliza a legitimidade institucional do Tribunal.
O habeas corpus e a seletividade do sistema
O habeas corpus é instrumento constitucional de proteção da liberdade individual, consagrado no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal. Sua importância histórica e jurídica é inquestionável. Contudo, a crescente banalização desse instituto, especialmente em favor de determinados segmentos sociais, expõe uma assimetria no acesso à Justiça constitucional.
Embora todos sejam titulares do direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, a aplicação prática desses direitos revela um sistema que nem sempre opera em condições de igualdade. Tal cenário reforça a percepção de um Judiciário distante da realidade social da maioria da população.
Considerações finais
Diante desse panorama, impõe-se uma reflexão profunda sobre os limites institucionais do Supremo Tribunal Federal e sobre a necessidade de fortalecimento da separação de poderes. Não há, no modelo constitucional brasileiro, poder supremo acima dos demais, mas funções estatais que devem atuar de maneira harmônica e autolimitada.
O Supremo Tribunal Federal existe para guardar a Constituição, e não para substituí-la por decisões de caráter político ou por interpretações que esvaziem a legitimidade democrática. O Estado Democrático de Direito exige decisões técnico-jurídicas, fundamentadas no texto constitucional, na legalidade e na soberania popular, assegurando-se a confiança do cidadão nas instituições republicanas.