O novo marco do licenciamento ambiental pós-vetos: racionalidade reguladora, capacidade institucional e ajustes sistêmicos

04/12/2025 às 21:17

Resumo:


  • A reforma do licenciamento ambiental no Brasil foi reconfigurada após a derrubada dos vetos presidenciais, buscando preservar a proteção ambiental, reforçar a fiscalização e ajustar procedimentos de acordo com o potencial de impacto das atividades licenciadas.

  • A introdução da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e da Licença de Operação Corretiva (LOC) não representa enfraquecimento da tutela ambiental, mas sim uma racionalização procedimental que visa adequar o controle estatal ao grau de impacto das atividades licenciadas.

  • Os princípios da precaução e do poluidor-pagador desempenham papéis fundamentais na análise da nova sistemática do licenciamento ambiental, garantindo que a constitucionalidade das normas seja avaliada com base na proporcionalidade, eficiência administrativa e não retrocesso ambiental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Novo Marco do Licenciamento Ambiental Pós-Vetos: Racionalidade Reguladora, Capacidade Institucional e Ajustes Sistêmicos

Resumo

O artigo examina, sob perspectiva estritamente técnica e constitucionalmente orientada, o novo marco do licenciamento ambiental após a derrubada dos vetos presidenciais em 27 de novembro de 2025. Analisa-se a reorganização institucional dos instrumentos de licenciamento, com ênfase na Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e na Licença de Operação Corretiva (LOC), avaliando-se sua compatibilidade com os princípios da prevenção, precaução, proporcionalidade, eficiência administrativa, poluidor-pagador e não retrocesso ambiental. O estudo sustenta que as modificações promovidas não configuram redução indevida do nível de tutela ambiental, mas ajustamento procedimental que preserva o núcleo constitucional de proteção ao meio ambiente ao mesmo tempo em que reforça o monitoramento e redistribui racionalmente a capacidade fiscalizatória estatal. Examina-se ainda a perspectiva de judicialização e o papel do federalismo cooperativo na conformação normativa. Conclui-se que a constitucionalidade das normas dependerá menos da abstração legislativa e mais da implementação técnica pelos órgãos ambientais.

Palavras-chave: Licenciamento ambiental; LAC; LOC; precaução; prevenção; poluidor-pagador; não retrocesso ambiental; eficiência administrativa; proporcionalidade; federalismo cooperativo.

Abstract

This article examines, from a strictly technical and constitutionally grounded perspective, Brazil’s new environmental licensing framework following the congressional override of presidential vetoes on November 27, 2025. It analyzes the institutional reconfiguration of licensing instruments—particularly the License by Adhesion and Commitment (LAC) and the Corrective Operating License (LOC)—and assesses their compatibility with the principles of prevention, precaution, proportionality, administrative efficiency, the polluter-pays principle, and the prohibition of environmental retrogression. The study argues that the revised framework does not weaken environmental protection but rather restructures procedural mechanisms while preserving the constitutional core of environmental safeguards and strengthening monitoring capacity. It further evaluates the expected judicialization of the matter and the role of cooperative federalism in shaping the regulatory landscape. The article concludes that the constitutionality of the new provisions will depend less on abstract legislative design and more on their technical implementation by environmental authorities..

Keywords: Environmental licensing; LAC; LOC; precaution; prevention; polluter-pays principle; environmental non-retrogression; administrative efficiency; proportionality; cooperative federalism.

Sumário: I. Introdução — II. Reconfiguração do licenciamento: da rigidez normativa à calibragem institucional — III. Competência federativa e adaptação normativa — IV. A LAC como instrumento de racionalização procedimental — V. Proporcionalidade e eficiência administrativa — VI. Impactos práticos e o redesenho da governança ambiental — VII. Controvérsias, judicialização e o papel estruturante dos princípios da precaução e do poluidor-pagador — VIII. Conclusão: a nova coerência do sistema, o papel dos princípios e o desafio da implementação

I. Introdução

A derrubada, pelo Congresso Nacional, da maior parte dos vetos presidenciais ao novo marco do licenciamento ambiental em 27 de novembro de 2025 reinstaurou dispositivos que haviam sido objeto de intenso debate técnico, político e federativo. Assim como ocorreu em reformas ambientais anteriores, a discussão pública rapidamente se polarizou em leituras binárias — flexibilização versus endurecimento — que pouco contribuem para a compreensão jurídico-institucional do fenômeno. O presente estudo busca deliberadamente deslocar essa lente reducionista, examinando a reforma sob perspectiva sistêmica, procedimental e institucional, em diálogo com os princípios estruturantes do Direito Ambiental e do Direito Administrativo contemporâneos.

A premissa adotada é que a alteração normativa não pode ser entendida como ruptura abrupta, tampouco como continuidade inercial. Trata-se de movimento de reorganização institucional, no qual o legislador reconhece limitações operacionais do modelo anterior e tenta compatibilizar a tutela ambiental com a capacidade estatal de implementá-la. O licenciamento — tradicionalmente concebido como filtro prévio — passa a ser interpretado como parte de uma cadeia contínua de governança ambiental, na qual controle prévio, monitoramento, fiscalização e regularização operam de forma integrada.

Nesse contexto, a reintrodução da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e da Licença de Operação Corretiva (LOC) não deve ser lida como afrouxamento do poder de polícia, mas como tentativa de ajustamento do modelo de regulação a realidades administrativas plurais. Ao mesmo tempo, a ampliação da autonomia dos estados para definir critérios de porte, modalidades e potencial poluidor revela uma evolução federativa coerente com precedentes do Supremo Tribunal Federal, que reconhecem a necessidade de soluções territorialmente adequadas para problemas ambientais complexos. O objetivo central deste artigo é, portanto, analisar como esse rearranjo normativo reorganiza competências, redistribui encargos e propõe nova racionalidade para o licenciamento ambiental no país.

II. Reconfiguração do licenciamento: da rigidez normativa à calibragem institucional

O modelo tradicional de licenciamento ambiental no Brasil consolidou-se como mecanismo preventivo essencial, mas também como sistema altamente padronizado, no qual empreendimentos de distintos impactos eram submetidos a ritos procedimentais excessivamente similares. Essa homogeneidade estrutural, embora fundada em preocupação legítima com a tutela ambiental, produziu ao longo dos anos efeitos contrários: sobrecarga administrativa, morosidade, disparidade entre exigências normativas e capacidade institucional e, em muitos casos, perda de efetividade na fiscalização posterior. O resultado foi um sistema que, embora juridicamente robusto, mostrava sinais de esgotamento operacional.

A reforma promovida com a derrubada dos vetos deve ser compreendida justamente como resposta a essa disfuncionalidade. A LAC e a LOC, quando lidas em seu contexto sistêmico, inserem-se em um movimento internacional de aperfeiçoamento dos instrumentos de risk governance, no qual a administração pública deixa de concentrar todos os esforços no momento autorizativo e passa a redistribuí-los ao longo do ciclo de vida do empreendimento. Essa lógica de calibragem institucional busca ajustar a intensidade do controle estatal ao grau de impacto potencial da atividade, permitindo que recursos administrativos sejam realocados de forma mais eficiente.

A calibragem procedimental não afasta o núcleo essencial do dever constitucional de proteção ambiental. Ela opera dentro de seu próprio conteúdo normativo, ao exigir que a atuação estatal seja adequada, necessária e proporcional ao risco envolvido. Nesse sentido, a simplificação procedimental para atividades de baixo e médio impacto não equivale a redução da tutela ambiental, mas à adequação técnica da resposta estatal às características objetivas da atividade licenciada.

Importa destacar, ainda, que o novo marco não substitui a análise técnica nem reduz o dever de prevenção: apenas desloca parte do controle para momentos posteriores, reforçando a necessidade de monitoramento contínuo, auditorias e responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes envolvidos. Essa mudança de paradigma não diminui o alcance do poder de polícia; apenas reorganiza o momento e a forma de seu exercício.

Em síntese, o que se observa é a transição da rigidez normativa para uma racionalidade dinâmica, na qual o licenciamento se articula com instrumentos de fiscalização e regularização, compondo um sistema mais responsivo, proporcional e coerente com a capacidade administrativa dos órgãos ambientais. A efetividade desse modelo dependerá menos da letra da lei e mais de sua implementação institucional, o que será objeto de análise nos tópicos seguintes.

III. Competência federativa e adaptação normativa

A ampliação da autonomia dos estados para definir critérios de porte, potencial poluidor e modalidades aplicáveis ao licenciamento ambiental deve ser examinada à luz das cláusulas estruturantes do federalismo brasileiro, especialmente diante do caráter concorrente da matéria ambiental previsto no art. 24 da Constituição. O novo marco, ao restabelecer dispositivos que facultam aos estados a calibragem normativa, reafirma a lógica cooperativa que governa a repartição de competências em matéria ambiental, afastando a noção de hierarquia rígida entre União, estados e municípios.

A interpretação da nova sistemática não pode prescindir de um conjunto de princípios informadores que, há décadas, orientam a hermenêutica ambiental. Três deles adquirem relevo neste ponto: o princípio da subsidiariedade federativa, o princípio da adequação territorial da norma ambiental e o princípio da proteção eficiente.

O princípio da subsidiariedade federativa opera como vetor de distribuição de competências, determinando que a tomada de decisão deve ocorrer no nível mais próximo da realidade a ser regulada, sempre que tal proximidade representar ganho de eficiência e precisão normativa. Em matéria ambiental, questões como regime hidrológico, biomas, pressões econômicas regionais e capacidade administrativa dos órgãos licenciadores variam significativamente entre os entes federativos, justificando soluções normativas territorialmente diferenciadas. A nova legislação reconhece esse cenário ao permitir que critérios e modalidades sejam definidos pelos estados, desde que observados os padrões mínimos nacionais.

O princípio da adequação territorial da norma ambiental, derivado do próprio art. 225 da Constituição, reforça esse entendimento. A proteção do meio ambiente, para ser efetiva, deve considerar o território concreto em que o impacto se manifesta. A homogeneização excessiva — embora inicialmente atraente sob perspectiva de uniformidade — pode gerar distorções e ineficiências, sobretudo quando normas nacionais não refletem realidades locais complexas. O marco regulatório restaurado pelo Congresso oferece, assim, margem legítima para que os estados ajustem exigências aos seus contextos ecológicos e socioeconômicos.

Por fim, o princípio da proteção eficiente orienta a interpretação de toda a nova sistemática, impedindo que a autonomia estadual se converta em permissividade. A descentralização não representa redução da tutela ambiental, mas redistribuição responsável das competências, sempre dentro dos limites fixados pela União. A proteção eficiente exige que estados legislem e administrem o licenciamento com base em critérios técnicos, mantendo o nível de salvaguarda ambiental constitucionalmente exigido. Quando interpretada à luz desse princípio, a nova autonomia não fragiliza o sistema; ao contrário, tende a aprimorá-lo.

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Dessa forma, a descentralização promovida pelo novo marco deve ser lida como movimento coerente com a Constituição e com a evolução contemporânea do direito ambiental, preservando-se o núcleo mínimo nacional e permitindo-se a diversidade normativa necessária à proteção adequada dos diferentes territórios brasileiros.

IV. A LAC como instrumento de racionalização procedimental

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) representa uma das inovações mais sensíveis do novo marco do licenciamento ambiental, sobretudo por adotar a autodeclaração como etapa autorizativa inicial. A compreensão desse instrumento, contudo, exige leitura cuidadosa à luz dos princípios informadores do Direito Ambiental e do Direito Administrativo, evitando interpretações que a reduzam a mera facilitação ou que demonizem sua utilidade regulatória.

Em primeiro lugar, a LAC deve ser interpretada em consonância com o princípio da prevenção, estabelecido como eixo normativo do art. 225 da Constituição. A prevenção não se confunde com rigidez procedimental, mas com adoção de mecanismos aptos a evitar danos ambientais relevantes. A autodeclaração, quando aplicada exclusivamente a atividades de baixo ou médio impacto previamente mapeadas, não viola o dever preventivo, desde que acompanhada de mecanismos de verificação e monitoramento eficazes. Assim, o princípio da prevenção não impede a adoção da LAC; apenas condiciona sua validade ao suporte técnico e institucional necessário para evitar riscos indevidos.

Em segundo lugar, destaca-se o princípio da proporcionalidade, que assume aqui papel interpretativo central. A proporcionalidade exige adequação entre o nível de risco ambiental e a intensidade do controle estatal. A LAC, ao simplificar procedimentos para atividades de menor potencial poluidor, concretiza a aplicação imediata desse princípio. No modelo anterior, procedimentos uniformes para atividades distintas levavam à sobrecarga institucional e à redução da capacidade fiscalizatória do Estado justamente onde ela era mais necessária. A LAC corrige essa distorção ao permitir que o aparato estatal concentre esforços nos empreendimentos mais complexos, realocando recursos humanos e tecnológicos para análises de maior impacto.

Além disso, a interpretação da LAC deve observar o princípio da eficiência administrativa, que constitui parâmetro constitucional para a atuação estatal desde a Emenda Constitucional nº 19/1998. A eficiência, no contexto do licenciamento ambiental, não se resume à celeridade, mas abrange a capacidade de produzir resultados equilibrados entre proteção ambiental e viabilidade operacional. A LAC materializa esse princípio ao reduzir custos transacionais, eliminar formalismos desnecessários e permitir resposta estatal mais rápida e tecnicamente orientada.

Por fim, cabe enfrentar o princípio da responsabilização, que impede leituras equivocadas segundo as quais a autodeclaração reduziria a accountability ambiental. Pelo contrário, a LAC intensifica a responsabilidade do empreendedor, que passa a responder pela veracidade das informações prestadas, sujeitando-se a sanções administrativas, civis e penais em caso de falsidade. Esse deslocamento da responsabilidade integra tendência contemporânea de sistemas regulatórios baseados em confiança qualificada, na qual a simplificação procedimental convive com fiscalização permanente.

A LAC, corretamente interpretada à luz desses princípios, não enfraquece o licenciamento ambiental, mas contribui para sua coerência e racionalidade institucional. Sua efetividade, contudo, depende diretamente da estrutura dos órgãos licenciadores e da capacidade estatal de monitoramento, temas que completam a discussão sistemática apresentada no artigo.

V. Proporcionalidade e eficiência administrativa

A nova sistemática do licenciamento ambiental, ao restabelecer dispositivos voltados à simplificação procedimental, particularmente para atividades de baixo e médio impacto, suscita debate relevante sobre sua conformidade com o mandamento constitucional de proteção ambiental (art. 225 da Constituição) e com o chamado princípio do não retrocesso ecológico. Tal discussão exige cautela hermenêutica, pois o Direito Ambiental brasileiro, embora informado por fortes deveres de tutela estatal, não institui um dogma de imobilismo normativo nem proíbe a reorganização dos instrumentos administrativos desde que não haja supressão injustificada do nível de proteção.

A proporcionalidade — em sua tríplice dimensão de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito — opera como critério de constitucionalidade material das alterações promovidas. A adequação se verifica quando a norma busca reorganizar o sistema para melhor realizar o fim constitucional; a necessidade exige que a medida não imponha sacrifícios desproporcionais; e a proporcionalidade em sentido estrito exige ponderação entre o interesse de proteção ambiental e os demais bens constitucionalmente tutelados, como eficiência administrativa, desenvolvimento sustentável e autonomia federativa.

Sob essa ótica, a simplificação de procedimentos para atividades previamente classificadas como de baixo ou médio impacto não caracteriza, por si, afronta ao princípio do não retrocesso. A doutrina majoritária e a jurisprudência do STF têm afirmado que o princípio não impede ajustes normativos nem reorganizações procedimentais, desde que não haja redução material, concreta e injustificada do nível de tutela ambiental. O vedado é o retrocesso substancial, não o ajuste estrutural. Nesse sentido, cortes constitucionais estrangeiras e organismos internacionais de governança ambiental admitem a evolução dos instrumentos de controle, desde que mantido o patamar de proteção.

A constitucionalidade da nova disciplina também se sustenta no princípio da eficiência administrativa, que desde a EC nº 19/1998 conforma o exercício do poder de polícia ambiental. A eficiência, no âmbito do licenciamento, não é critério meramente gerencial, mas projeção constitucional da necessidade de racionalizar os recursos estatais, direcionando-os para atividades de maior potencial lesivo. A adoção de procedimentos mais simples para casos de menor impacto, longe de fragilizar a tutela ambiental, potencializa-a ao liberar capacidade administrativa para fiscalizações mais complexas, fortalecendo o caráter preventivo e corretivo do sistema.

Além disso, a própria jurisprudência do STF tem reconhecido que a proteção ambiental convive com espaços legítimos de conformação legislativa, sobretudo em temas de natureza procedimental. O legislador, ao reorientar a estrutura do licenciamento, age dentro de margem de conformação constitucionalmente aceitável, desde que observe os critérios técnicos, a boa-fé regulatória e o núcleo essencial da proteção ambiental.

Assim, o enfrentamento da constitucionalidade das normas restabelecidas após a derrubada dos vetos revela que, interpretação sistemática e principiológica, não há afronta ao não retrocesso quando o sistema é reorganizado com base em proporcionalidade, racionalidade e reforço ao monitoramento pós-licença. Eventuais controvérsias residuais se concentram menos na letra da lei e mais na efetividade de sua implementação — matéria que, como a experiência constitucional demonstra, deve ser examinada caso a caso pelo Judiciário.

VI. Impactos práticos e o redesenho da governança ambiental

A Licença de Operação Corretiva (LOC), restaurada pelo Congresso Nacional, representa mecanismo relevante para a regularização de empreendimentos que, por razões históricas ou estruturais, ingressaram ou permaneceram na atividade sem licença formal. A LOC não se confunde com anistia ambiental e tampouco promove renúncia estatal ao dever de vigilância. Sua finalidade é restaurativa: busca reconduzir empreendimentos à conformidade, impondo condicionantes, cronogramas, medidas mitigadoras e mecanismos de controle que viabilizem um ambiente de legalidade progressiva.

Sob o prisma constitucional, a LOC deve ser analisada à luz de dois princípios centrais: o princípio da prevenção e o princípio da vedação do retrocesso ecológico. Aparentemente, poderia haver tensão entre a regularização ex post e a exigência de controle prévio. Todavia, a constitucionalidade da LOC se sustenta na natureza pragmática da tutela ambiental e no reconhecimento de que o dano potencial não é reduzido pela simples paralisação formal da atividade, mas pela imposição de condições técnicas capazes de mitigar riscos efetivos.

A doutrina contemporânea de Direito Ambiental distingue retrocesso formal de retrocesso material. A LOC, mesmo operando na esfera da regularização tardia, não elimina controles nem reduz exigências ambientais; ao contrário, cria uma via obrigatória de conformação acompanhada de deveres reforçados. O sistema de condicionantes ambientais — fiscalizável, auditável e sujeito a sanções — mantém o núcleo de proteção e pode inclusive aprimorar o controle em relação a situações de informalidade consolidada. Assim, desde que adequadamente aplicada, a LOC não afronta o primado do não retrocesso, pois não reduz o patamar protetivo; apenas altera a metodologia de sua concretização.

Sob perspectiva administrativa, a LOC potencializa a efetividade do sistema ao trazer para o campo da legalidade empreendimentos antes invisíveis ou parcialmente controlados. Ao sujeitá-los a métricas, condicionantes e monitoramento, o Estado fortalece sua capacidade regulatória. A eficiência administrativa, aqui, se conecta à noção de racionalidade procedimental, reconhecida como princípio constitucional da administração pública, e ao dever de proteção eficiente.

Ademais, os impactos práticos do modelo pós-vetos devem ser examinados sob o prisma do desenvolvimento sustentável e da governança ambiental. O legislador, ao reorganizar os instrumentos, não opera na contramão da Constituição; busca compatibilizar proteção ambiental, segurança jurídica e desenvolvimento socioeconômico. O setor produtivo, incluindo o agronegócio, passa a dispor de procedimentos mais claros e previsíveis, enquanto o Estado reforça seu poder de fiscalização posterior — etapa que, historicamente, sempre representou o ponto mais frágil da política ambiental.

Por fim, a interpretação da nova sistemática deve observar o princípio da continuidade administrativa da proteção ambiental: embora o Estado possa adaptar procedimentos, não pode abdicar da responsabilidade permanente de controlar impactos e exigir conformidade. A LOC, quando aplicada com rigor técnico, serve justamente a essa continuidade, não a uma ruptura.

Assim, os impactos práticos dos dispositivos restabelecidos não se medem pela mera simplificação formal ou pelo temor de retrocesso, mas pela capacidade dos órgãos ambientais de operar o novo modelo de forma tecnicamente orientada, preservando o núcleo constitucional da proteção ao meio ambiente equilibrado.

VII. Controvérsias, judicialização e o papel estruturante dos princípios da precaução e do poluidor-pagador

A restauração das normas atinentes à LAC e à LOC — bem como a ampliação da autonomia dos estados para definir critérios de porte, potencial poluidor e modalidades de licenciamento — tende a ensejar debates judiciais relevantes, sobretudo no que concerne à compatibilidade das novas disposições com o art. 225 da Constituição e com os princípios estruturantes do Direito Ambiental contemporâneo. Dentre esses princípios, destacam-se, com relevo renovado, o princípio da precaução e o princípio do poluidor-pagador, cuja interpretação adequada se torna decisiva para compreender o alcance das alterações promovidas.

O princípio da precaução, consolidado tanto no direito internacional quanto na dogmática interna, dispõe que, diante de riscos ambientais incertos ou ainda não plenamente conhecidos, deve o Estado adotar medidas preventivas aptas a evitar danos potencialmente graves ou irreversíveis. A aplicação deste princípio, porém, não exige que toda atividade, independentemente do impacto, seja submetida ao mais rigoroso rito procedimental. A precaução não se confunde com maximalismo regulatório; tampouco impede a adoção de procedimentos diferenciados para atividades de menor impacto, desde que tais atividades tenham sido previamente identificadas, classificadas e sujeitas a monitoramento eficaz.

A controvérsia constitucional que poderá emergir reside, pois, na necessidade de verificar se a LAC — ao permitir a autodeclaração — seria compatível com a precaução. A resposta hermenêutica adequada exige distinguir risco incerto de risco irrelevante. A LAC não se aplica a atividades críticas nem a empreendimentos de alto potencial poluidor; seu campo de incidência limita-se às hipóteses previamente avaliadas pelos órgãos competentes como de impacto reduzido. Assim, interpretada de forma estritamente técnica e associada a mecanismos de fiscalização posterior, a LAC não viola o princípio da precaução, desde que o Estado mantenha capacidade institucional de identificar irregularidades e agir tempestivamente.

O princípio do poluidor-pagador também exerce papel central na análise da nova sistemática, especialmente no contexto da LOC. Tal princípio determina que todo agente cuja atividade cause ou possa causar dano ambiental arcará com os custos da prevenção, mitigação, reparação e compensação dos impactos decorrentes. No regime anterior, empreendimentos que operavam sem licença, embora de fato sujeitos a sanções, muitas vezes permaneciam à margem de mecanismos adequados de controle, o que dificultava a internalização dos custos ambientais.

A LOC, ao contrário do que sugeriria uma leitura superficial, não afasta o princípio do poluidor-pagador; antes, reforça-o. Ao regularizar empreendimentos preexistentes, a LOC impõe condicionantes, medidas mitigadoras, exigências corretivas e obrigações financeiras diretamente relacionadas aos impactos da atividade. O agente econômico deixa de operar à margem do controle e passa a integrar sistema formal que permite a cobrança plena dos custos ambientais. O que se institucionaliza, portanto, não é indulgência, mas um fluxo regulatório que restitui a aplicabilidade do princípio do poluidor-pagador em situações antes marcadas pela informalidade.

A judicialização previsível — que incidirá tanto sobre o alcance da LAC quanto sobre a operacionalização da LOC — terá de enfrentar essas premissas: nem a precaução impõe uniformidade absoluta, nem o poluidor-pagador exige formalismo vazio. A constitucionalidade das normas dependerá, sobretudo, da capacidade do sistema de assegurar que riscos sejam prevenidos e custos adequadamente internalizados, preservando-se o núcleo essencial da proteção ambiental.

VIII. Conclusão: a nova coerência do sistema, o papel dos princípios e o desafio da implementação

A nova sistemática do licenciamento ambiental, reconfigurada após a derrubada dos vetos, não pode ser compreendida como flexibilização inadequada nem como retrocesso ambiental. Trata-se de reorganização institucional que busca compatibilizar o dever constitucional de proteção ao meio ambiente com a necessidade de conferir eficiência, proporcionalidade e precisão ao exercício do poder de polícia. O legislador não suprimiu o nível de tutela ambiental; redistribuiu seus instrumentos, reforçando a fiscalização e ajustando os procedimentos ao potencial de impacto.

Nesse contexto, os princípios da precaução e do poluidor-pagador desempenham papel hermenêutico essencial. A precaução, interpretada corretamente, impõe ao Estado o dever de agir diante da incerteza, mas não exige uniformização procedimental desproporcional ao risco. A nova disciplina preserva esse núcleo, ao reservar a LAC para atividades cuja classificação técnica já indicava baixo ou médio impacto e ao condicionar sua validade à existência de instrumentos eficazes de monitoramento e correção. A precaução, aqui, não é obstáculo à inovação regulatória; é parâmetro que orienta sua legitimidade.

O princípio do poluidor-pagador, por sua vez, ganha relevância na operacionalização da LOC e no fortalecimento do monitoramento. Em vez de permitir que empreendimentos continuem à margem da fiscalização, o novo marco internaliza custos ambientais, impõe obrigações específicas e responsabiliza quem polui, alinhando-se tanto à Constituição quanto às tendências internacionais de governança ambiental. Se adequadamente aplicado, o sistema reforça, e não reduz, a responsabilização ambiental.

A conclusão que se impõe, portanto, é a de que o novo marco configura ajuste sistêmico, não regressão. O desafio central não está na constitucionalidade das normas, mas na capacidade administrativa dos entes federados de implementá-las de forma tecnicamente qualificada, garantindo monitoramento eficiente, responsabilização efetiva e coerência entre classificação de atividades, procedimentos autorizativos e controle posterior. A proteção ambiental no Brasil continuará a depender, como sempre dependeu, não apenas do texto normativo, mas da densidade institucional de sua aplicação.

O sistema renovado, interpretado sob a ótica da proporcionalidade, prevenção, precaução, poluidor-pagador, eficiência e não retrocesso, oferece uma estrutura compatível com a Constituição, desde que operado com rigor técnico. A nova ordem jurídica do licenciamento não abdica da tutela ambiental; reorganiza-a em chave de racionalidade.

Referências

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MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

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OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. OECD Environmental Performance Reviews: Brazil 2015. Paris: OECD Publishing, 2015.

Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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