Administradora de proteção mutualista ou representante de seguros (MGA)? Uma análise comparativa dos caminhos regulatórios para as associações de proteção veicular no Brasil

Resumo:


  • O modelo da administradora de proteção mutualista introduziu mudanças significativas no setor de proteção veicular no Brasil.

  • A administradora assume a gestão operacional e financeira dos grupos de proteção, enquanto a associação mantém funções relevantes, embora distintas das anteriores.

  • O modelo de Representante de Seguros (MGA) apresenta características distintas, transformando a associação em intermediária entre consumidores e seguradora, com limitações de autonomia em comparação com o modelo da administradora.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. INTRODUÇÃO

A promulgação da Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025, representou um marco histórico para o setor de proteção veicular no Brasil. Após anos de debates intensos, o legislador optou por regulamentar as operações das associações de proteção patrimonial mutualista, trazendo consigo uma série de inovações que modificam substancialmente a estrutura operacional dessas entidades.

A principal inovação trazida pela nova legislação foi a criação da figura da Administradora de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista, entidade constituída sob a forma de sociedade por ações, com finalidade lucrativa, que assume a responsabilidade pela gestão operacional e financeira dos grupos de proteção. Esta mudança paradigmática “retirou” das associações civis a gestão direta do rateio, transferindo-a para uma empresa especializada e supervisionada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Diante desse novo cenário regulatório, o segmento de proteção veicular tem demonstrado resistência considerável, argumentando que a nova estrutura esvazia as atividades das associações e retira delas a gestão do negócio. Como alternativa, muitos gestores têm apontado para o modelo de Representante de Seguros, conhecido como MGA (Managing General Agent), regulamentado pela Resolução CNSP nº 431/2021.

O presente artigo propõe-se a realizar uma análise comparativa aprofundada entre esses dois modelos regulatórios, examinando suas semelhanças, diferenças, vantagens e limitações, com o objetivo de esclarecer aos gestores e presidentes de associações de proteção veicular qual caminho oferece maior autonomia e preserva mais adequadamente os interesses de suas entidades e associados.

2. O MODELO DA ADMINISTRADORA DE PROTEÇÃO MUTUALISTA

Conforme estabelecido pela Lei Complementar nº 213/2025 e detalhado na Minuta de Resolução do CNSP (norma hipotética), a administradora de operações de proteção patrimonial mutualista constitui-se como sociedade por ações com objeto social exclusivo voltado à gestão dessas operações. Sua denominação social deve conter obrigatoriamente a expressão "administradora de operações de proteção patrimonial mutualista", e sua atuação depende de prévia autorização concedida pela SUSEP.

A administradora assume competências privativas e exclusivas que incluem: subscrição e aceitação de riscos dos grupos; processamento de adesões, renovações, alterações e cancelamentos dos contratos de participação; gestão do patrimônio dos grupos; regulação e liquidação dos eventos cobertos; contratação de seguro e resseguro para proteção dos riscos; e encaminhamento de informações aos participantes.

Os grupos de proteção patrimonial mutualista, por sua vez, devem ser constituídos por, no mínimo, 1.000 participantes ativos e possuem CNPJ próprio, caracterizando-se como patrimônio separado administrado pela administradora. Cada grupo mantém contabilidade segregada e provisões técnicas específicas, incluindo Provisão de Eventos a Liquidar (PEL) e Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA).

No modelo da administradora, a associação mantém funções relevantes, embora distintas daquelas exercidas anteriormente. Segundo a regulamentação, a associação atua como mandatária e fiel representante dos interesses legítimos dos participantes do grupo de proteção patrimonial mutualista.

As atividades que a associação pode desempenhar incluem: formação do grupo; promoção, oferta, distribuição ou intermediação do contrato de participação; aconselhamento sobre os contratos ofertados; recepção e tratamento de questões operacionais; coleta e fornecimento de dados cadastrais e documentação dos participantes; orientação e suporte aos participantes; apoio logístico e operacional à administradora; e aviso de eventos cobertos.

A remuneração da associação por essas atividades deve ser pactuada com a administradora, com discriminação clara dos critérios e valores no contrato de prestação de serviços. É importante destacar que a associação permanece como a entidade responsável pela criação do grupo, exercendo papel de anatária junto ao coletivo que será administrado pela administradora.

A regulamentação estabelece requisitos rigorosos de governança para as administradoras, incluindo a designação de diretores específicos: atuário responsável técnico, contador, ouvidor, diretor responsável técnico, diretor responsável pela contabilidade, diretor responsável pelas relações com a SUSEP, diretor responsável pelos controles internos, e diretor responsável administrativo-financeiro.

As administradoras estão sujeitas a requisitos de capital mínimo, compostos por parcela fixa (R$ 1.200.000,00) e parcelas variáveis conforme as regiões de atuação. Para operação nacional, o capital base corresponde a R$ 3.960.000,00, acrescido do capital de risco calculado com base nas contribuições brutas dos grupos administrados.

3. O MODELO DO REPRESENTANTE DE SEGUROS (MGA)

O modelo de Representante de Seguros, regulamentado pela Resolução CNSP nº 431/2021, apresenta características fundamentalmente distintas. Neste arranjo, a associação não pode atuar diretamente como represente pelo fato de ser entidade sem finalidade econômica, devendo ser por intermédio de uma empresa, que atua como intermediária entre os consumidores e uma seguradora, que detém a responsabilidade integral pela operação de seguros.

O representante de seguros é definido como pessoa jurídica contratada por sociedade seguradora para a prospecção e promoção de produtos de seguros. Suas atividades incluem: prospecção e promoção de produtos de seguros; recebimento de propostas; encaminhamento de propostas à seguradora; atendimento aos segurados; e outras atividades previstas em contrato, desde que relacionadas à distribuição de seguros.

No modelo MGA, a seguradora mantém a gestão completa do negócio, incluindo: precificação dos produtos; análise e aceitação de riscos; emissão de apólices; regulação e liquidação de sinistros; constituição de provisões técnicas; e gestão de ativos garantidores. O representante atua essencialmente como um canal de distribuição.

Quando uma associação, com a participação de uma empresa intermediadora, opta por atuar como representante de seguros, sua função se limita essencialmente à indicação de consumidores à seguradora. Não participa das decisões sobre precificação, não define coberturas, não tem ingerência sobre a regulação de sinistros e não exerce qualquer controle sobre a gestão do produto.

O vínculo contratual estabelece-se diretamente entre o segurado e a seguradora, sendo esta a única responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de seguro. A associação/empresa, neste modelo, atua como facilitadora comercial, recebendo comissão pelos contratos intermediados.

É relevante observar que, no modelo MGA, a associação não cria ou forma grupos. Não existe a figura de um coletivo de associados sob gestão da entidade, mas sim clientes individuais de uma seguradora que foram captados por meio da associação. O produto oferecido é padronizado pela seguradora, sem possibilidade de customização pela associação.

O representante de seguros possui responsabilidades limitadas e bem definidas. Deve prestar informações adequadas aos consumidores, encaminhar documentos e solicitações à seguradora, e manter padrões éticos na comercialização. Contudo, não responde pelos riscos assumidos nem pelas obrigações da seguradora.

A seguradora, por sua vez, mantém responsabilidade integral pela operação, incluindo o cumprimento de todas as obrigações regulatórias perante a SUSEP, como: manutenção de provisões técnicas adequadas; cobertura por ativos garantidores; cumprimento de requisitos de capital; e prestação de informações periódicas ao órgão regulador.

4. ANÁLISE COMPARATIVA: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

A análise dos dois modelos revela semelhanças estruturais significativas que merecem destaque. Em ambos os casos, a associação deixa de exercer a gestão direta do negócio, que passa a ser conduzida por uma entidade especializada e supervisionada: a administradora no modelo mutualista, e a seguradora no modelo MGA.

Em ambos os arranjos, a associação assume papel predominantemente comercial e de relacionamento com os associados ou segurados. As decisões técnicas sobre precificação, aceitação de riscos, provisões e investimentos são tomadas pela entidade gestora, não pela associação.

Também em ambos os casos, existe uma entidade regulada pela SUSEP responsável pela operação, o que confere maior segurança jurídica aos consumidores e submete as operações a padrões técnicos e de governança definidos pelo órgão regulador.

Apesar das semelhanças aparentes, existem diferenças fundamentais que distinguem os dois modelos de forma substancial. No modelo da administradora, a associação mantém a prerrogativa de criar o grupo de proteção patrimonial mutualista e permanece como mandatária do coletivo. O grupo possui identidade própria, com CNPJ específico e patrimônio segregado. No modelo MGA, não existe grupo; há apenas clientes individuais da seguradora captados pela associação.

Na proteção mutualista, o participante integra um grupo e contribui para um rateio comum administrado. No seguro, o cliente adquire individualmente uma apólice de uma seguradora, sem vínculo com outros segurados.

No modelo mutualista, o contrato de prestação de serviços entre associação e administradora pode estabelecer particularidades operacionais do grupo. No modelo MGA, o produto é integralmente definido pela seguradora, sem margem para customização pela associação.

Na proteção mutualista, o patrimônio líquido do grupo pertence aos participantes, que têm direito a resgate proporcional em caso de desligamento ou extinção do grupo. No seguro tradicional, não existe participação do segurado nos resultados da operação. O modelo mutualista prevê transparência quanto à apuração do rateio, com disponibilização de relatórios detalhados aos participantes. No seguro, a precificação é definida unilateralmente pela seguradora.

5. QUAL MODELO OFERECE MAIOR AUTONOMIA AO GESTOR?

No modelo da administradora de proteção mutualista, o gestor da associação mantém graus de autonomia em diversos aspectos. A associação tem a prerrogativa de formar o grupo, definindo o perfil dos participantes e os critérios de admissão, observados os limites regulatórios. Ela negocia diretamente com a administradora os termos do contrato, podendo estabelecer particularidades operacionais, níveis de serviço e remuneração.

A associação pode assumir diversas atividades de apoio, mantendo proximidade com os participantes e preservando seu papel de representante dos interesses do grupo. A regulamentação prevê a possibilidade de transferência do grupo para outra administradora, conferindo à associação poder de barganha e escolha. Como mandatária do grupo, a associação mantém papel de fiscalização e representação dos interesses dos participantes junto à administradora.

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Já no modelo de representante de seguros, a autonomia do gestor é substancialmente mais limitada, a associação/empresa intermediadora não tem ingerência sobre as características do produto, que é integralmente definido pela seguradora, os valores dos prêmios são estabelecidos pela seguradora, sem participação da associação na definição.

Todo o processo de análise e liquidação de sinistros é conduzido pela seguradora, sem interferência da associação/empresa intermediadora, o contrato de seguro vincula segurado e seguradora diretamente, sem intermediação material da associação/empresa intermediadora. Por fim, a associação/empresa intermediadora depende da manutenção do contrato com a seguradora para continuar operando no segmento.

A análise comparativa demonstra que o modelo da administradora de proteção mutualista preserva maior autonomia para o gestor da associação. Embora a gestão operacional e financeira seja transferida para a administradora, a associação mantém prerrogativas importantes: criar o grupo, negociar condições, prestar serviços de apoio, fiscalizar a administração e, se necessário, migrar para outra administradora.

No modelo MGA, a associação/empresa intermediadora atua essencialmente como canal de vendas, sem poder de decisão sobre aspectos fundamentais do negócio. A seguradora define unilateralmente todas as condições, e a associação limita-se a indicar clientes e receber comissão pela intermediação.

6. REFLEXÕES FINAIS

É paradoxal que o modelo MGA seja apresentado como "alternativa" ao modelo da administradora por aqueles que criticam a perda de autonomia das associações. Se o argumento central contra a administradora é que ela retira da associação a gestão do negócio, o modelo MGA produz efeito ainda mais drástico: não apenas retira a gestão, mas elimina completamente a figura do grupo mutualista, transformando a associação em mera distribuidora de produtos de terceiros.

A resistência ao modelo da administradora, quando acompanhada da defesa do modelo MGA como alternativa, revela uma contradição lógica que merece reflexão por parte dos gestores do setor.

Independentemente do modelo escolhido, é inegável que o cenário regulatório brasileiro evoluiu no sentido de exigir maior profissionalização, governança e supervisão das operações de proteção patrimonial. As associações que desejam permanecer no segmento precisarão adaptar-se a essa nova realidade.

O modelo da administradora, apesar de representar mudança significativa, preserva a essência mutualista e mantém a associação como protagonista na formação e representação do grupo. O modelo MGA, embora mais simples operacionalmente, transforma a associação em coadjuvante de uma operação controlada integralmente por terceiros.

Aos presidentes e gestores de associações de proteção veicular, recomenda-se uma análise criteriosa antes da escolha do caminho a seguir. É fundamental avaliar primeiro, qual modelo preserva melhor a identidade e os valores da associação? O mutualismo tem raízes históricas que distinguem as associações das empresas comerciais. O modelo da administradora permite manter essa identidade; o modelo MGA a dissolve.

Segundo, qual modelo oferece maior proteção aos associados? No modelo mutualista, o patrimônio do grupo pertence aos participantes; no seguro, os recursos são da seguradora. A transparência do rateio e a participação nos resultados são características exclusivas do modelo mutualista.

Terceiro, qual modelo garante maior sustentabilidade à associação no longo prazo? A dependência de uma única seguradora no modelo MGA pode representar risco estratégico; no modelo da administradora, a possibilidade de migração confere maior segurança.

7. CONCLUSÃO

A análise comparativa entre o modelo da administradora de proteção mutualista e o modelo de representante de seguros (MGA) revela que, apesar de semelhanças superficiais quanto à transferência de gestão para entidades especializadas, os dois modelos apresentam diferenças fundamentais em termos de natureza jurídica, estrutura operacional e grau de autonomia conferido às associações.

O modelo da administradora, instituído pela Lei Complementar nº 213/2025, preserva a essência mutualista das operações de proteção veicular, mantendo a associação como criadora e mandatária do grupo, com prerrogativas de negociação, prestação de serviços e fiscalização. O grupo mantém identidade própria, patrimônio segregado e transparência na apuração do rateio.

O modelo MGA, por sua vez, transforma a associação em canal de distribuição de produtos de uma seguradora, sem qualquer poder de decisão sobre as características do produto, precificação ou gestão de sinistros. Não existe grupo, não existe rateio, não existe mutualismo.

Conclui-se, portanto, que a apresentação do modelo MGA como "alternativa" ao modelo da administradora carece de fundamento lógico quando o argumento é a preservação da autonomia das associações. Se o objetivo é manter a identidade mutualista e algum grau de protagonismo das associações no mercado de proteção veicular, o modelo da administradora mostra-se inequivocamente mais adequado.

Cabe aos gestores e presidentes de associações a responsabilidade de avaliar criteriosamente as opções disponíveis, considerando não apenas aspectos operacionais e financeiros imediatos, mas também os valores fundantes de suas entidades e os interesses de longo prazo de seus associados.


  1. Advogado inscrito na OAB/GO 33.568, OAB/PE 53.536, OAB/RN 20.516, OAB/DF 85.134 e OAB/RJ 260.164. Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP. Pós-graduado em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário, Direto Médico e Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Administrativo da Força Associativa Nacional-FAN. Presidente da Federação Centro Oeste das Mútuas -FECOM. Diretor Jurídico da Federação Nordestina das Associações Mutualistas - FENAM. Membro da Associação Internacional de Direito Seguro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Diretor da I.S.E.O. - International Social Economy Organisation. Contato: [email protected] e 62996334503.

Sobre o autor
Gabriel Martins Teixeira Borges

Advogado inscrito na OAB/GO 33.568, OAB/PE 53.536, OAB/RN 20.516 e OAB/RJ 260.164. Mestrando em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário, Direto Médico e Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Presidente do Instituto de Governança e Desenvolvimento do Mutualismo - IGDM. Membro da Associação Internacional de Direito Seguro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Diretor da I.S.E.O. - International Social Economy Organisation. Contato: [email protected].

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